A repressão da China à corrupção que envolveu oficiais militares do alto escalão e várias unidades importantes do Exército de Libertação Popular (ELP) afetou a expansão da defesa do país, mas esta continua em ritmo acelerado, de acordo com uma avaliação do Pentágono divulgada na quarta feira. O relatório observou que os escândalos podem ter abalado a confiança de Pequim na liderança militar sênior enquanto o governo corre para modernizar suas forças armadas nos próximos anos.
Desde o verão de 2022, o governo chinês expurgou vários oficiais do alto escalão militar, supostamente por corrupção, em uma ampla campanha que incluiu o desaparecimento de dois ministros da defesa e a demissão de altos líderes do poderoso programa de desenvolvimento de mísseis do país, a Força de Foguetes do ELP. A Comissão Central de Inspeção Disciplinar da China, a agência governamental anticorrupção, continuou a divulgar uma série de acusações — mais recentemente o anúncio no mês passado de que um dos oficiais de mais alta patente do país, o almirante Miao Hua, foi suspenso por acusações de corrupção.
O Relatório de Poderio Militar da China do Pentágono — um briefing anual público endereçado ao Congresso, descrevendo o progresso militar de Pequim — disse que o expurgo afetou todos os serviços do ELP e pode ter dificultado o progresso em direção às principais metas de modernização militar.

“Os problemas substanciais que eles têm com a corrupção, que ainda precisam ser resolvidos, certamente podem atrasá-los no caminho em direção ao marco de desenvolvimento de capacidades de 2027 e além”, disse um alto funcionário do Pentágono, referindo-se aos planos de modernização militar de Pequim. Oficiais militares e de inteligência dos EUA destacaram amplamente 2027 como o ano em que os militares da China poderiam ser capazes de invadir Taiwan, embora Pequim nunca tenha indicado publicamente um cronograma para anexar a ilha autônoma que reivindica como sua.
O funcionário, que falou sob condição de anonimato sob as regras básicas estabelecidas pelo Pentágono, disse que a rotatividade frequente entre funcionários de alto escalão provavelmente tem sido uma fonte de perturbação, pois as investigações atrasam projetos específicos do setor e enredam uma rede cada vez maior de pessoas conectadas.
“Quando eles descobrem corrupção em um lugar ou envolvendo um funcionário do alto escalão, há uma espécie de efeito espiral que inevitavelmente parece envolver funcionários adicionais”, disse a fonte.

Fraude
O relatório do Pentágono disse que o expurgo da Força de Foguetes do país, considerada de elite, pode estar conectado à fraude na aquisição e construção de silos de mísseis, mas que reparos subsequentes nessas instalações iniciados como resultado da investigação podem, em última análise, aumentar a prontidão operacional.
Apesar do impacto da repressão, o Pentágono avalia que a China continuou a fazer avanços rápidos. Seu arsenal de mísseis nucleares cresceu para mais de 600 em maio — ante cerca de 200 em 2020 — seguindo a trajetória para exceder 1.000 até o fim da década. O relatório avaliou que o ELP também aumentou o número de campos de silos, agora totalizando mais de 320 em locais remotos do deserto no oeste da China e na Mongólia Interior.
O funcionário disse que a expansão foi notável não apenas pelo número de ogivas, mas pela variedade de seus mísseis nucleares. A China está trabalhando para construir uma força de mísseis que varia de armas táticas de baixo potencial destrutivo a mísseis balísticos de longo alcance — permitindo que ela responda em diferentes níveis de escalada de forças.

O arsenal nuclear chinês está “não apenas crescendo em termos de números de ogivas implantadas operacionalmente, mas também em uma certa diversidade e sofisticação”, disse a pessoa.
Pequim também fez progressos significativos em suas forças aérea e marinha e está rapidamente alcançando as capacidades dos EUA em várias áreas, disse o relatório. A Marinha do ELP — já a maior do mundo em termos de embarcações — aumentou a pressão sobre Taiwan com exercícios sem precedentes, cercando a ilha. Na semana passada, autoridades de defesa taiwanesas disseram que a China mobilizou a maior frota de embarcações da marinha em quase três décadas, em um exercício surpresa de mais de 90 embarcações militares e da Guarda Costeira perto de Taiwan, das ilhas japonesas do sul, do Mar do Sul da China e Mar da China Oriental.
O relatório do Pentágono deste ano também observou o potencial crescente de ataques que poderiam atingir Guam — o território dos EUA mais próximo da China, que hospeda uma infraestrutura militar significativa. Ele disse que Guam é um alvo provável para ataques cibernéticos e que o programa de mísseis cada vez mais sofisticado do ELP colocou o território dentro do alcance de armas nucleares terrestres e ataques marítimos.
A força aérea do país fez avanços significativos na modernização de suas aeronaves, incluindo caças e bombardeiros atualizados, e está “se aproximando rapidamente da tecnologia típica dos padrões dos EUA”. O relatório observou que a tecnologia dos sistemas aéreos não tripulados da China, ou drones, atingiu níveis comparáveis aos militares dos EUA.
Saiba mais
As capacidades espaciais da China também continuaram a se expandir rapidamente. O relatório do Pentágono estimou que, em 2023, a China conduziu 67 lançamentos espaciais — perdendo apenas para os Estados Unidos — colocando mais de 200 satélites em órbita.
A Embaixada Chinesa não respondeu a um pedido de comentário a respeito do relatório anual do Pentágono, mas tem sido historicamente mordaz em relação ao seu conteúdo, acusando os militares dos EUA de serem a maior força desestabilizadora na Ásia e no mundo.
Metas
A China está acelerando seus esforços para alcançar as principais metas militares de 2027 enquanto o presidente eleito Donald Trump se prepara para assumir o cargo, preparando o cenário para uma recalibração de alto risco nas relações EUA-China. Na segunda feira, ele adotou um tom cooperativo, sugerindo que Pequim e Washington poderiam “trabalhar juntos para resolver todos os problemas do mundo”. No entanto, Trump também emitiu avisos severos, incluindo uma promessa de impor tarifas de 60% às importações chinesas, uma medida que pode aumentar drasticamente as tensões.
A verdadeira extensão do quanto os militares da China foram afetados pelo expurgo de corrupção é difícil de avaliar, assim como os projetos específicos que estão sob escrutínio.
Em agosto, a Força de Foguetes acusou três das principais universidades da China de fraudar licitações de aquisição de tecnologia militar e as proibiu de participar de compras até o final de 2027. O presidente Xi Jinping enfatizou a necessidade de aumentar a disciplina em todas as seções das forças armadas, inclusive durante uma visita à Força de Foguetes em outubro, a primeira desde que ele reformulou a liderança da unidade.

A China também está lutando contra uma economia lenta, o que pode prejudicar ainda mais os esforços para modernizar suas forças armadas.
O Pentágono disse anteriormente que acredita que os gastos militares totais da China devem exceder os números publicados oficialmente. Este ano, as estimativas foram revisadas para cima, sugerindo que os gastos anuais podem ser até 90% maiores do que o valor relatado.
Em 2023, Pequim divulgou oficialmente um orçamento de defesa de aproximadamente US$ 220 bilhões. Mesmo nas estimativas mais altas, os gastos militares totais da China ainda equivaleriam a cerca de metade do orçamento de defesa dos EUA. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL