MOSCOU - Às vésperas do aniversário de um ano da guerra na Ucrânia, a Rússia recebeu garantias de apoio da China. Nesta quarta-feira, 22, o presidente russo, Vladimir Putin, se reuniu com Wang Yi, principal autoridade de política externa da China, de quem recebeu a promessa de aprofundamento de laços entre os dois países em um cenário em que Moscou se vê cada vez mais isolado internacionalmente. A oferta coincide com a piora das relações entre Pequim e Washington, na esteira da crise dos balões espiões.
Putin disse ao diplomata que estava ansioso para dar as boas-vindas ao “meu amigo” Xi Jinping, o líder chinês, à Rússia em breve, mas não há até o momento indicações de que Xi viaje ao país. Wang respondeu que aprofundar o relacionamento com a Rússia continua sendo uma prioridade para a China, ao mesmo tempo que declarava que Pequim quer ajudar a encontrar uma fuga política da guerra.
“Nossas relações nunca foram dirigidas contra terceiros países”, disse Wang a Putin em referência aos Estados Unidos, de acordo com uma tradução russa de seus comentários. “Nossas relações resistiram à pressão da comunidade internacional e estão se desenvolvendo de forma muito estável.”
Putin está procurando consolidar alianças à medida que a guerra na Ucrânia se aproxima de seu primeiro aniversário e os estágios iniciais da nova ofensiva da Rússia para engolir o território ucraniano parecem estar falhando. Enquanto Putin e Wang se encontravam, o presidente americano Joe Biden se reunia com membros da Otan do flanco oriental da aliança em Varsóvia em uma demonstração de unidade.
Wang chegou a Moscou esta semana depois de uma viagem pela Europa Ocidental, onde procurou persuadir os líderes europeus de que Pequim não está apoiando a guerra de Putin e quer encorajar uma saída pacífica dos combates.
“Atualmente, a situação internacional é certamente sombria e complexa”, disse Wang a Putin, de acordo com uma breve filmagem da reunião que foi compartilhada pela mídia chinesa. “Mas as relações sino-russas resistiram ao teste da turbulência internacional e são maduras e duráveis – tão firmes quanto o Monte Tai”, disse ele, referindo-se a uma famosa montanha chinesa.
Tensões com EUA
As relações entre a Rússia e o Ocidente estão em seu ponto mais baixo desde a Guerra Fria, e os laços entre a China e os EUA também estão sob séria tensão. Moscou suspendeu sua participação no último tratado de controle de armas nucleares com Washington nesta semana. E os EUA expressaram preocupação nos últimos dias de que a China pudesse fornecer armas e munições à Rússia.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, subiu o tom em uma entrevista no fim de semana, logo após haver se reunido ele próprio com Wang, ao dizer que o envolvimento militar chinês na guerra traria problemas sérios para Pequim. EUA e China já vêm de semanas de piora em suas relações após o episódio envolvendo um balão espião.
Durante a Conferência de Segurança de Munique, o diplomata chinês disse que a China em breve emitiria um documento de posição apresentando suas ideias para acabar com a guerra. Mas as declarações publicadas de Wang a Putin e outras autoridades russas indicam que Pequim não arriscará sua amizade com Moscou por causa da Ucrânia. Wang foi cauteloso com os termos para a invasão e a guerra, descrevendo-a como a “questão da Ucrânia”.
“Ambos os lados se envolveram em uma troca de pontos de vista sobre a questão da Ucrânia”, disse o ministério chinês sobre as conversas de Wang com Putin. Wang também teria aprovado a reafirmação da Rússia de que está disposta a resolver a questão por meio do diálogo e das negociações.
‘Sem limites’
Dias antes da invasão russa à Ucrânia, a China reforçou a sua aliança “sem limites” a Putin, em um sinal de que não isolaria o país. Depois, a China se recusou explicitamente a criticar a invasão da Ucrânia, ao mesmo tempo em que ecoou a afirmação de Moscou de que os EUA e a Otan eram os culpados por provocar o Kremlin. O governo de Pequim também criticou as sanções impostas à Rússia. Moscou, por sua vez, tem apoiado firmemente a China em meio às tensões com os EUA sobre Taiwan.
As duas nações realizaram uma série de exercícios militares que mostraram seus laços de defesa cada vez mais estreitos. China, Rússia e África do Sul estão realizando esta semana exercícios navais no Oceano Índico.
Antes do encontro com Putin, Wang se reuniu com o ministro de Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, e na terça-feira teve um encontro com Nikolai Patrushev, o poderoso secretário do Conselho de Segurança Nacional da Rússia, que pediu uma cooperação mais estreita com Pequim para combater o que descreveu como esforços ocidentais para manter o domínio frustrando uma aliança entre China e Rússia.
No entanto, Pequim avalia esse estreitamento de laços com Moscou de forma cuidadosa já que buscar evitar uma escalada de tensões com o Ocidente em um momento em que quer estimular sua economia após o impacto da epidemia de covid-19.
“O isolamento do Ocidente não é algo que Pequim quer arriscar”, disse Yu Jie, pesquisador sênior da China no programa Ásia-Pacífico da Chatham House, um think tank britânico. “O presidente Xi e seus colegas começaram a perceber que a cooperação com a Rússia vem com limites substanciais para evitar minar as próprias prioridades políticas da China e os interesses econômicos de longo prazo.”
A viagem de Wang a Moscou ocorreu em um cenário de duras batalhas na Ucrânia, já que nenhum dos lados parecia ganhar força, após semanas de impasse durante o inverno. O gabinete presidencial da Ucrânia disse que pelo menos sete civis foram mortos entre as manhãs de terça e quarta-feira.
Durante um discurso em um concerto patriótico, Putin saudou na quarta-feira as tropas russas que chamou de heroicas e afirmou que as forças de Moscou estavam lutando pelas fronteiras históricas do país para proteger seus “interesses, povo, cultura, língua e território”./AP e NYT
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