A China parece estar aberta para mais executivos americanos como o Elon Musk. Durante uma frenética reunião de 44 horas em Pequim e Xangai, o CEO da Tesla e do Twitter foi celebrado por comentaristas do Partido Comunista Chinês como um aliado em oposição a uma aparente campanha americana para separar as duas maiores economias do mundo.
“Se separar da China significa dissociar-se da oportunidade, se separar do futuro”, escreveu Xiake Dao, um blog afiliado ao Diário do Povo, o jornal oficial do partido chinês. “Mesmo que a Casa Branca concorde com os argumentos a favor da separação, ‘os Musks’ [do mundo] não concordarão.”
Musk, que faz sua primeira viagem à China em três anos, aparentemente se sentiu da mesma forma (embora o Twitter esteja bloqueado na China e Musk não tenha tuitado durante sua estadia no país). De acordo com relatos chineses, ele disse ao ministro das Relações Exteriores que a China e os Estados Unidos eram “gêmeos siamenses” com interesses inseparáveis.
A viagem foi uma vitória em termos de propaganda para a campanha cada vez mais intensa de Pequim para sinalizar a abertura ao investimento estrangeiro, depois que meses de repressões imprevisíveis e politicamente motivadas alimentaram os temores de piora do ambiente de negócios no país.
Até o momento, as promessas da China não acalmaram o alarme das corporações internacionais em relação a uma lei atualizada de contraespionagem e às batidas policiais em empresas de consultoria globais nas últimas semanas, durante as quais funcionários foram detidos em pelo menos uma delas. Até mesmo a Câmara de Comércio dos EUA alertou que “a política declarada de abertura da China e o desejo de atrair novos investimentos estrangeiros e exportações” dos EUA não é isenta de riscos.
Visitas de investidores à China
Apesar dos receios, Pequim está estendendo o tapete vermelho para executivos americanos visitantes, e não apenas para Musk.
O CEO do JPMorgan, Jamie Dimon, e o CEO da Starbucks, Laxman Narasimhan, também estiveram na capital chinesa esta semana e reforçaram seus próprios interesses comerciais. Pequim, em paralelo, tenta atrair o lobby empresarial americano, que tradicionalmente se opõe às políticas mais agressivas de Washington para a China.
O itinerário de Musk na visita incluiu toda pompa habitual da hospitalidade chinesa, de jantares luxuosos a reuniões com autoridades de alto escalão, bem como um pouco mais de geopolítica do que o habitual para um executivo.
Ao chegar a Pequim na terça-feira, ele foi diretamente para uma reunião com Qin Gang, ministro das Relações Exteriores da China e ex-embaixador nos Estados Unidos. Em uma sala normalmente reservada para reuniões com colegas diplomatas, Qin prometeu mercados abertos para empresas de todos os países e, em seguida, passou a utilizar uma série de metáforas automobilísticas para incentivar uma mudança positiva nos laços entre a China e os EUA.
O progresso exige “segurar o volante”, evitar “direção perigosa”, “pisar no freio” quando necessário e “pisar fundo no pedal” quando apropriado para “promover uma cooperação mutuamente benéfica”, disse ele.
Viagem de Elon Musk à China
Musk também se reuniu com os ministros de comércio e de tecnologia da informação, o que elevou o preço das ações da Tesla, já que os analistas previram que a viagem ajudaria a montadora de carros elétricos a enfrentar a intensa concorrência dos rivais locais.
O tratamento de honra continuou com um banquete de boas-vindas com a presença do presidente da principal fabricante de baterias da China, a CATL, e um jantar com o tema “Cavalo-Extraordinário”. A frase faz um trocadilho com o primeiro caractere do sobrenome chinês de Musk: ma, que significa cavalo.
O cardápio do banquete era digno de um rei — com Musk tendo recuperado na quinta-feira sua posição como a pessoa mais rica do mundo, de acordo com o Índice de Bilionários da Bloomberg.
Foram servidos 16 pratos com nomes em inglês traduzidos de forma intrigante, como “dendróbio e cabeça de água-viva em molho de frutos do mar”, “lírio e luffa salteados” e “geoduck (panopea generosa) com repolho em conserva laociana”, de acordo com fotos do cardápio que circularam amplamente no Weibo, a rede social chinesa que funciona como alternativa Twitter no país.
Recepção ostensiva
Musk também foi recebido com salvas de palmas, e até mesmo com alguns gestos de mãos em forma de coração, quando visitou no final da noite à Gigafactory da Tesla em Xangai.
Mesmo com a recepção ostensiva, nenhum novo acordo foi anunciado durante a viagem, e os rumores de um encontro com o primeiro-ministro chinês Li Qiang, que, como ex-chefe do Partido Comunista de Xangai, foi fundamental para permitir que a Tesla instalasse uma fábrica na China, nunca se concretizaram.
A Tesla foi creditada por despertar o interesse do consumidor chinês por carros elétricos com a abertura de sua fábrica em Xangai em 2019, aprofundando a concorrência entre dezenas de rivais chineses e provocando uma onda de vendas que superou as metas do governo no ano passado para a inserção de veículos elétricos.
Mas a empresa teve que reduzir repetidamente os preços na China, já que a rival BYD, apoiada por Warren Buffett, tornou-se a marca de veículos elétricos mais vendida do mundo e a principal marca de automóveis na China em termos de vendas.
Em Pequim, na terça-feira, Musk disse que estava disposto a expandir seus negócios na China. Em abril, a Tesla anunciou planos para uma nova fábrica que produzirá seu sistema de armazenamento de energia Megapack em Xangai.
Mas uma expansão planejada, que teria aumentado a produção da fábrica de veículos existente, permanece incerta em meio a estoques crescentes, cortes de preços e relatos de preocupações em Pequim pelas conexões da Tesla com o serviço de internet via satélite Starlink, outro empreendimento de Musk.
Musk está longe de ser o único executivo americano a aproveitar a recente abertura das fronteiras da China para falar sobre os negócios locais e minimizar os riscos da geopolítica. A mídia estatal chinesa elogiou uma “onda de visitas à China” que começou em março com o Fórum de Desenvolvimento da China, do qual participaram o CEO da Apple, Tim Cook, o CEO da Nestlé, Mark Schneider, e o CEO da Qualcomm, Cristiano Amon, entre outros.
“Chegar e permanecer no mercado chinês não é uma questão de querer ou não”, escreveu o Beijing Business Daily, de circulação estatal, “é uma questão de necessidade”. Algumas empresas americanas parecem concordar.
Narasimhan, da Starbucks, aproveitou sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu o cargo para dizer aos repórteres em Xangai, na terça-feira, que esperava que a China um dia se tornasse o maior mercado da empresa, já que a multinacional de cafés pretende ter 9.000 lojas no país até 2025.
Investimentos em meio à competição
No entanto, em meio às piores tensões entre a China e os Estados Unidos em décadas, ser um executivo estrangeiro visitando a China pode significar navegar em um campo minado cada vez mais perigoso para evitar ofender Pequim ou Washington.
Dimon, do JPMorgan, que sofreu uma retaliação chinesa em 2021 depois de fazer uma piada dizendo que seu banco poderia durar mais do que o Partido Comunista Chinês, aproveitou uma visita esta semana para pedir um “engajamento real” entre a China e os Estados Unidos na política comercial.
“Vamos tentar não nos dissociar. Vamos tentar não prejudicar a China”, disse ele à Cúpula Global da China do JPMorgan em Xangai, onde também se encontrou com o chefe do Partido Comunista da cidade.
Ao mesmo tempo, ele alertou sobre os perigos da “incerteza” causada pelas políticas do governo chinês e elogiou o discurso das autoridades em Washington e na Europa sobre a “redução dos riscos”, em vez da dissociação, da relação comercial com a China.
Para a mídia estatal chinesa, no entanto, esse novo termo continua politicamente incorreto. À primeira vista, a “redução de riscos” parece ser uma frase comum e não política no mundo dos negócios, mas, em essência, nada mais é do que uma maneira mais suave de pedir a dissociação da China”, disse outro comentário do Diário do Povo na quinta-feira.
A decisão de Musk de não tuitar enquanto estava na China também foi interpretada pelos críticos como uma medida de cautela para evitar irritar seus anfitriões.
“Apesar de sua autoproclamada aversão à censura e sua vontade de desafiá-la, ele está se comportando adequadamente para seu anfitrião do PCC”, tuitou Yaqiu Wang, pesquisador sobre a China na Human Rights Watch, utilizando um acrônimo para o Partido Comunista Chinês.
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