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China usa antissemitismo online como parte da propaganda anti-Ocidente; leia análise

Postagens anti-Israel se espalham online em internet controlada pelo governo chinês

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Por Josh Rogin
Atualização:

Desde o ataque terrorista de 7 de outubro do Hamas contra Israel, a quantidade e a virulência de conteúdos antissemitas na estritamente controlada internet chinesa — especialmente em suas redes sociais — foram às alturas. Esse aumento sem precedentes no antissemitismo online na China só poderia ser possível com a anuência do governo chinês, que parece estar usando o ódio antissemita como ferramenta de sua diplomacia anti-Estados Unidos e anti-Ocidente.

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Comentários comparando judeus a nazistas predominam em postagens relacionadas à guerra Israel-Gaza publicadas na maior plataforma de compartilhamento de vídeos da China, o microblog Weibo. Meios de imprensa controlados pelo Estado também têm disseminado teorias da conspiração online a respeito da comunidade judaica dos EUA, incluindo a ideia de que um pequeno grupo de judeus americanos controla a vasta maioria do poder e da riqueza nos EUA. Uma estatística falsa seguindo essas linhas, postada originalmente em 10 de outubro Televisão Central da China, uma emissora estatal, viralizou online, tornando-se um “hot topic” popular no Weibo.

É claro que nem toda crítica a Israel é antissemita, e o antissemitismo já existia na China antes de 7 de outubro. Mas por meio de seu regime de censura à internet e dos meios de comunicação controlados pelo Estado, as autoridades chinesas têm atiçado chamas de antissemitismo online. Agora, o governo dos EUA está começando a rejeitar publicamente a promoção do antissemitismo por parte da China.

O logo do aplicativo chinês Weibo é visto em um telefone celular nesta foto de ilustração tirada em 7 de dezembro de 2021.  Foto: Florence Lo / REUTERS

“O que vimos após o 7 de Outubro foi uma mudança drástica nas redes sociais dentro da China. O antissemitismo tornou-se mais desbloqueado, flui mais livremente”, disse-me em entrevista o subdelegado especial do Departamento de Estado para monitoramento e combate ao antissemitismo, Aaron Keyak. “E já que, como sabemos, a internet chinesa não é livre, trata-se de uma decisão consciente do governo que esse tipo de retórica seja grandemente incrementada”.

O governo chinês nega que promova ou até mesmo permita antissemitismo online. Quando Keyak concedeu uma entrevista no mês passado no Brasil, denunciando a China por usar antissemitismo como ferramenta de diplomacia anti-EUA, a embaixada chinesa no País protestou ruidosamente. Mas uma montanha de provas mostra que o antissemitismo aumentou na internet chinesa, onde não é permitido florescer nenhuma opinião sem aprovação do governo.

“Não se trata de um pequeno aumento, trata-se de um tsunami de retórica antissemita que se permitiu disseminar pelas redes sociais da China”, afirmou Keyak. “Esse tipo de aumento drástico que tem sido constante desde 7 de outubro saindo da China não acontece por acidente.”

A China, afinal, envolve-se muito mais ativamente no que seus cidadãos postam e consomem online do que o costume nos EUA. A Freedom House relata que a China tem o “aparato de censura na internet mais sofisticado do mundo”, por meio do qual plataformas online implementam monitoramento estrito e removem conteúdos, ameaçadas de severas punições em caso de incumprimento. Além disso, quando o governo sinaliza apoio a uma opinião ou narrativa em particular, os internautas chineses sabem que promover essa linha traz influência e benefícios.

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“O governo criou um ambiente em que é fácil para o conteúdo antissemita prosperar”, disse-me a diretora de pesquisas sobre China, Hong Kong e Taiwan da Freedom House, Yaqiu Wang. “E as pessoas sabem que, se amplificarem o que o governo diz, estarão seguras. E quanto mais nacionalistas elas ficam, mais cliques conseguem.”

Há um aumento paralelo na internet chinesa de conteúdos pró-Hamas e anti-Israel. As empresas de tecnologia da China, que operam sob instruções rígidas de censores do governo chinês, desempenharam um grande papel. Os gigantes chineses de buscas na internet Baidu e Alibaba chegaram a apagar temporariamente o Estado de Israel de seus mapas.

Parte disso constrói-se sobre o que tem se constituído como uma posição de Pequim amplamente pró-palestinos expressada desde que a guerra Israel-Gaza estourou. Pequim tem relações antigas com grupos palestinos e percebe a questão palestina no contexto de sua visão de mundo em geral anti-Ocidente e anti-imperialista. Mas a China não tem um histórico longo de antissemitismo e perseguição aos judeus enquanto política de Estado — como a Rússia.

“Neste momento, é muito perigoso ser pró-Israel dentro da China sem sofrer algum tipo de punição. Este é o ambiente”, afirmou a autoridade do Departamento de Estado Miles Yu em depoimento no mês passado para a comissão especial sobre o Partido Comunista Chinês. “A China escolheu este momento para adotar uma posição decididamente anti-Israel porque considera Israel um aliado próximo do Ocidente.”

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Mas a promoção do antissemitismo por parte de Pequim não trata apenas de políticas para o Oriente Médio. Ao propagar a antiga teoria da conspiração segundo a qual as democracias ocidentais são regidas secretamente por um pequeno grupo de judeus, em vez de sujeitas a eleições legítimas, Pequim busca convencer sua população de que o sistema chinês é superior.

Obviamente, essas políticas estão distorcendo o noticiário e disseminando ressentimentos dentro da China. Mas o conteúdo impregnado de ódio produzido na China não fica na China. O alcance dos meios de comunicação do governo chinês é global, e semear desconfiança na democracia ocidental é um pilar da diplomacia chinesa.

“Eles consideram propagar antissemitismo uma ferramenta para promover seu interesse nacional”, afirmou Keyak, “o que é um problema para os EUA e um problema para qualquer um que se importe com o bem-estar de judeus em qualquer parte, porque isso se espalha”.

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Uma ótima maneira de combater informação ruim é usar informação boa. O Departamento de Estado publicou grande parte do que sabe sobre a maneira que a Rússia emprega antissemitismo como ferramenta de diplomacia e propaganda; e deveria fazer o mesmo em relação à China. E os líderes em Pequim deveriam ouvir claramente que suas políticas de fomento ao antissemitismo não prejudicam apenas judeus, mas são um meio de manipulação perigoso também para seu próprio povo. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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