PUBLICIDADE

China usa Cúpula do Brics para aumentar influência na África em meio à rivalidade com os EUA

O presidente chinês, Xi Jinping, vende seu país como líder mundial em desenvolvimento, reunindo apoio para uma ordem global alternativa à dominada por Washington

PUBLICIDADE

Por David Pierson e Lynsey Chutel

THE NEW YORK TIMES — Em sua primeira viagem ao continente africano em cinco anos, o presidente da China, Xi Jinping, prometeu maior cooperação com a África do Sul para melhorar a posição geopolítica de países pobres e aplaudiu nações em desenvolvimento por “livrar-se do jugo do colonialismo”. Seus comentários foram pronunciados na cúpula dos líderes do Brics, um clube de nações emergentes, onde ele também conclamou os membros a “acelerar” sua expansão, para o grupo atuar como contrapeso ao Ocidente.

PUBLICIDADE

“No presente, a mentalidade da Guerra Fria persiste, e a situação geopolítica é sombria”, afirmou Xi na quarta-feira. O países-membros, continuou ele, deveriam “trazer mais nações ao Brics, para reunirmos nossa força e sabedoria para tornar a governança global mais justa e igualitária”.

Em sua visita à África do Sul, nesta semana, para participar da cúpula do Brics, Xi tem buscado se definir como líder do mundo em desenvolvimento. Xi iniciou sua viagem de quatro dias na terça-feira com uma visita de Estado e foi saudado com guarda de honra e uma salva de 21 tiros.

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, concede a Ordem da África do Sul ao presidente da China, Xi Jinping Foto: Alex Pretorius/AP

Para a China, a recepção em Pretória reforçou a mensagem que Pequim espera enviar tanto domesticamente quanto para o exterior: que a oferta chinesa de uma ordem global alternativa em relação à liderada pelos Estados Unidos tem ampla aceitação fora do clube exclusivo dos países em desenvolvimento, que tem se tornado cada vez mais importante para a China. Seu apoio à Rússia e sua postura agressiva em temas como o status de Taiwan, a ilha autogovernada que Pequim reivindica como território chinês, alienaram a China em relação a países da América do Norte, da Europa e da Ásia.

“Para Xi, o objetivo é tentar desacreditar o Ocidente e mostrar que existe uma alternativa”, afirmou Eric Olander, editor-chefe do website The China-Global South Project. “Ele está tentando explorar essa fonte incrível de ressentimento e frustração entre muitos países do Sul Global sobre o que eles percebem como uma massiva duplicidade e hipocrisia da parte dos países ricos.”

Essa frustração tem sido motivada nos anos recentes por promessas não cumpridas de países em desenvolvimento de fornecer vacinas contra covid-19 a países pobres e pela sensação de que o esforço para conter os preços dos alimentos e da energia é insuficiente.

Numa reunião com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, na terça-feira, Xi afirmou que a China e os países africanos deveriam trabalhar mais proximamente para lidar com “mudanças e caos” no planeta — imagens que Xi tem usado para descrever a competição que se intensifica com Washington.

Publicidade

Influência

A África emerge como um campo de batalha por influência global. Pequim forneceu bilhões de dólares em empréstimos, ajudas e investimentos em países há muito ignorados pelo Ocidente. O retorno dessa projeção tem se concretizado em apoio diplomático em organizações internacionais, como as Nações Unidas, e acesso a minérios críticos para alimentar indústrias crescentes, como de carros elétricos.

Em períodos mais prósperos, a torrente de gastos chineses na África possibilitou construções de rodovias e represas em muitos países africanos. Mas esses projetos vieram acompanhados de dívidas incapacitantes em países como Zâmbia e Angola, ambos devendo bilhões de dólares a bancos estatais chineses. Enquanto a China reestruturou dívidas bilaterais com países como Etiópia e Zâmbia, analistas afirmam que essas negociações cobriram apenas uma fração do montante devido. (Outros analistas notam que governos africanos devem muito mais a credores ocidentais que à China.)

Mas o principal foco da viagem de Xi é a cúpula do Brics — grupo batizado com um acrônimo dos nomes de seus países-membros, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — em Johannesburgo, conforme Pequim busca incrementar seu peso geopolítico.

O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, participam de uma cerimonia para a assinatura de acordos  Foto: Themba Hadebe/AP

Ocidente

O líder chinês apontou a mira para os EUA nesta quarta-feira, ainda que não tenha mencionado o país pelo nome, conclamando as nações do Brics a “se opor a desagregação e perturbações nas cadeias de fornecimento” — numa referência às restrições comerciais do governo Biden à China sob argumento de defesa da segurança nacional.

PUBLICIDADE

Um dia antes, Xi advertiu contra confrontos entre blocos e pediu aos países que “não caminhem como sonâmbulos na direção do abismo de uma nova guerra fria”, em um discurso lido pelo ministro do Comércio chinês, Wang Wentao, por motivos não informados. “Nós devemos acolher prosperidade, abertura e ser inclusivos? Ou permitir atos hegemônicos de intimidação nos atirar ao precipício?”, afirmou o discurso.

Em contraste, Xi retratou a China como uma força no sentido da estabilidade e apontou para iniciativas vagas, com terminologias altivas, em torno de desenvolvimento e segurança que, afirmam analistas, são destinadas a enfraquecer a disseminação de valores progressistas ocidentais e a influência de fóruns como a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

De algumas maneiras, a cúpula em Johannesburgo assumiu as feições de um evento oficial chinês, em que o acesso dos meios de comunicação é estritamente controlado. Apesar de centenas de jornalistas terem comparecido ao evento, somente repórteres de veículos de imprensa com aprovação estatal puderam entrar no salão onde os líderes discursaram.

Publicidade

Uma entrevista coletiva marcada para ocorrer logo após as falas dos líderes, nesta quarta-feira, foi cancelada abruptamente. Ramaphosa afirmou que o cancelamento ocorreu para que os jornalistas pudessem “sair e descansar”. (Xi, há que se notar, não é o único líder do Brics que não aceita ser questionado pela imprensa; o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, também raramente responde a perguntas de jornalistas.)

A partir da esquerda, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, posam para uma foto do grupo Brics  Foto: Gianluigi Guercia/AP

Novos participantes

Os participantes oficiais da cúpula do Brics não vêm apenas dos cinco países-membros. Representantes de nações alinhadas com a China, como o Irã, e Estados que professam não alinhamento e buscam salvaguardas e benefícios tanto em Pequim quanto em Washington, como Indonésia e Arábia Saudita, também compareceram.

Uma grande medida de sucesso para a visita de Xi seria o Brics acrescentar mais membros. A China é favorável à ampliação do grupo e do consequente incremento em sua própria posição global que o movimento propiciaria. Índia e Brasil, por outro lado, são mais relutantes em acrescentar membros que possam fazer o grupo pender mais aos interesses da China e tornar o Brics um fórum anti-Ocidente.

Na reunião desta quarta-feira, os líderes buscaram projetar uma posição comum. Alertas contra um retorno da Guerra Fria foram refrão comum. Vários líderes criticaram o Conselho de Segurança da ONU em razão do que descreveram como fracassos do organismo em pôr fim à guerra na Ucrânia — ao mesmo tempo que evitaram qualquer crítica ao presidente russo, Vladimir Putin, um dos líderes do Brics, pela invasão.

Modi declarou que apoia uma expansão por meio de consenso. Resta ver se o grupo é capaz de concordar sobre os critérios que os novos países teriam de atender para poder aderir.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, expressou apoio a uma moeda comum do Brics para reduzir as vulnerabilidades do grupo ao domínio do dólar americano no comércio internacional.

Putin, que discursou por videoconferência para evitar ser preso por crimes de guerra, segundo determina um mandado do Tribunal Penal Internacional, culpou novamente os países ocidentais por sua guerra na Ucrânia. Ele afirmou que a Rússia assumirá a presidência do Brics no próximo ano e realizará a cúpula do bloco em outubro de 2024, em Kazan.

Publicidade

Um trem de carga viaja do depósito de contêineres do porto em uma ferrovia apoiada pela China que custou quase US$ 3,3 bilhões, inaugurada pelo presidente do Quênia como um dos maiores projetos de infraestrutura do país desde a independência, em Mombaça, Quênia, em 30 de maio de 2017 Foto: KhaliliSenosi/AP

A África do Sul, irritada com a pressão do Ocidente, tem tentado se posicionar no meio-termo, apesar de se sentir atraída por China e Rússia — e também busca se posicionar como a voz dos países emergentes, especialmente os africanos.

“Nós estamos gratos pelo apoio e a amizade da China conforme trabalhamos para reconstruir e transformar nosso país após a devastação do apartheid”, disse Ramaphosa a Xi ao cumprimentá-lo na terça-feira.

A África do Sul é a maior parceira comercial da China no continente africano e serve como um importante entreposto logístico para commodities exportadas de outros países africanos para a China.

Pequim também mantém laços estreitos com o Congresso Nacional Africano, o partido de Ramaphosa, e chegou a ajudar a legenda a fundar uma academia para jovens líderes. A China comprometeu-se em ajudar a África do Sul a reparar sua dilapidada rede nacional de fornecimento de eletricidade e enviou representantes de estatais de energia ao país durante a visita de Estado de Xi.

O líder chinês tem recebido cobertura festiva dos meios de comunicação estatais de seu país sobre a visita. Mas sua projeção na África ocorre ao mesmo tempo que a China enfrenta uma crise no setor imobiliário e uma diminuição no ritmo de crescimento, problemas capazes de diminuir o montante que Pequim pode gastar em ajuda internacional e projetos de infraestrutura no exterior.

“A China, em geral, está ficando sem dinheiro, particularmente moeda estrangeira”, afirmou Willy Lam, analista político especialista em China e pesquisador sênior da Fundação Jamestown, um instituto de pesquisa em Washington. “Isso tem constituído um grande impedimento aos planos de Pequim de ampliar sua influência no mundo em desenvolvimento.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.