WASHINGTON - A CIA (agência de Inteligência americana) está criando uma nova central com foco exclusivo em coletar informações de inteligência a respeito da China e fazer face à espionagem chinesa sobre os Estados Unidos, em mais um sinal de que as principais autoridades americanas estão se preparando para uma luta ampla e duradoura contra Pequim.
Em declarações a funcionários da agência, na quarta-feira, o diretor da CIA, William J. Burns, descreveu a nova Central de Comando para a China como um esforço para fortalecer ainda mais o trabalho coletivo dos EUA sobre a mais importante ameaça geopolítica que o país enfrenta no século 21. "Um governo chinês cada vez mais contencioso”, disse ele.
Descrevendo um esforço que envolverá todos os escritórios da agência de espionagem, um funcionário sênior da CIA comparou essa luta com o combate à União Soviética durante a Guerra Fria, mas afirmou que a China é um rival mais temível e complicado, em razão do tamanho de sua economia, que é completamente entrelaçada à dos EUA e possui um alcance global próprio.
Assim como fez em relação aos soviéticos, a CIA acionará mais agentes, linguistas, técnicos e especialistas em países de todo o mundo para coletar informações de inteligência e fazer face aos interesses da China, afirmou o funcionário sênior, que falou sob a condição de anonimato para poder relatar mais fielmente as declarações de Burns.
A agência também recrutará e treinará mais pessoas que falem mandarim, afirmou o funcionário. Ele acrescentou que Burns passará a se reunir semanalmente com o diretor da nova central de comando e também com outros chefes de escritórios da agência, para desenvolver uma estratégia coesa.
O ex-diretor da CIA John O. Brennan, que coordenou uma abrangente reorganização na agência durante o governo Obama, elogiou Burns pela nova abordagem em relação à China.
“Se algum país merece uma central de comando própria, esse país é a China, que tem ambições globais e apresenta os maiores desafios aos interesses americanos e à ordem internacional”, afirmou Brennan.
Sob a liderança da antecessora de Burns, Gina Haspel, a CIA iniciou uma transição de um tempo de guerra — durante o qual a agência teve como foco principal se infiltrar em redes terroristas e desmantelá-las — para voltar o foco aos chamados alvos concretos, principalmente a China, mas também Rússia, Irã e Coreia do Norte.
Alvo número 1
Burns afirmou que o foco naqueles outros países não diminuirá e que a CIA continuará com as missões de contraterrorismo. Mas a criação da nova central para a China indica que o país é — e provavelmente continuará a ser — o alvo número 1 da agência.
Quatro anos atrás, a CIA criou novas centrais para consolidar seu trabalho no Irã e na Coreia do Norte. Mas aquelas modificações em uma já imensa burocracia podem ter se provado acanhadas demais.
O funcionário sênior afirmou que as centrais de comando para o Irã e a Coreia do Norte seriam agora absorvidas por escritórios mais abrangentes, com focos em regiões maiores, destinados respectivamente para o Oriente Médio e o Leste da Ásia.
O ex-diretor da CIA Mike Pompeo, que ataca o Irã há muito tempo, foi responsável pela instalação das centrais tanto para o Irã quanto para a Coreia, em 2017, quando o governo Trump aumentou a pressão para deter o programa nuclear iraniano e forçou a Coreia do Norte a negociar seu arsenal nuclear.
O funcionário sênior da CIA afirmou que, em relação a Irã e Coreia do Norte, a agência considerava crucial trabalhar com aliados espalhados por todos os países das respectivas regiões e não isolar os esforços em centrais separadas.
Questionado a respeito da razão de os diretores da agência acreditarem que a China precisa de sua própria central de comando, quando estão fechando duas outras instalações que tratam de alvos concretos, o funcionário sênior qualificou a China como um adversário singular, porque nenhum outro país sozinho requer trabalho que se estende a todas as áreas de atuação da agência, como coleta de informações de inteligência, análises, linguística e tecnologia.
Burns também está colocando em prática outras mudanças na estrutura da CIA e seu processo de contratação de funcionários, destinadas em parte para tornar a agência mais competitiva enquanto empregadora.
Atualmente, pode levar até dois anos para candidatos a postos de trabalho na CIA encontrarem o caminho para sua aprovação, depois de entrevistas e um demorado procedimento de checagem de segurança. O funcionário sênior afirmou que a agência trabalhará para diminuir o tempo do processo de admissão para seis meses.
A CIA criará um novo programa de parcerias em tecnologia para permitir que especialistas do setor privado trabalhem um ou dois anos na agência e um novo diretor de tecnologia ser indicado, afirmou o funcionário sênior.
Ainda que a CIA tenha se destacado ao longo de toda sua história na fabricação de tecnologias para espionar adversários, a rápida evolução da tecnologia comercial deixou a agência em desvantagem. Hoje, por meio de simples buscas na internet, serviços de inteligência rivais são capazes às vezes de identificar agentes da CIA em seus países e descobrir quem eles estão tentando recrutar como espiões, afirmaram funcionários e ex-funcionários da agência.
Ao mesmo tempo, a dependência da CIA em relação à tecnologia para se comunicar com suas fontes no exterior pode ter ajudado a identificá-los. Cerca de 10 anos atrás, autoridades chinesas e iranianas invadiram o sistema secreto de comunicação da CIA e conseguiram identificar e deter agentes em seus países, de acordo com fontes familiarizadas com fiascos da agência.
Falhas
Reconhecendo falhas de segurança no passado, mas sem tecer comentários diretos a respeito disso, o funcionário sênior afirmou que a CIA está instalando outra central para desenvolver tecnologias que poderia reforçar seus métodos, referindo-se a ferramentas e técnicas de espionagem.
Essa nova central também englobará ameaças transnacionais como as mudanças climáticas, surtos de doenças e crises humanitárias.
O foco no desenvolvimento de novos métodos ocorre em meio a alertas de funcionários de contrainteligência da CIA. Em um telegrama enviado a funcionários em todo o mundo, na semana passada, a agência especificou o número de agentes que foram mortos por governos estrangeiros, para persuadir os investigadores a proteger suas fontes e evitar que elas sejam identificadas, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.
Desde que assumiu como diretor da CIA, em março, Burns fez da China uma prioridade, assim como o atendimento a funcionários que foram afligidos com o que a agência qualifica de “incidentes anômalos de saúde”, que incluem dores de cabeça, tonturas persistentes e enjoos, que alguns agentes acreditam ser resultado se um ataque deliberado de um governo estrangeiro, possivelmente realizado por meio de uma arma de energia direcionada que utiliza algo como laser ou microondas.
O funcionário sênior afirmou que a agência continua a investigar a fonte das indisposições de saúde e o possível responsável. Ainda que investigadores tenham produzido o que o funcionário descreveu como “algumas pistas interessantes”, ele afirmou que não chegaram a nenhuma conclusão. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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