THE WASHINGTON POST - Com a guerra na Ucrânia em seu terceiro mês, a CIA (Agência de Inteligência Americana) está adotando uma nova abordagem para seu trabalho principal de recrutar espiões e pedir segredos.
Na segunda-feira, a CIA publicou instruções sobre como os russos podem fornecer informações secretamente usando um canal criptografado para o site da agência. A esperança é atrair inteligência - e potencialmente obter mais acesso aos segredos oficiais russos - de pessoas insatisfeitas que tentam entrar em contato com a agência desde o início da guerra, disseram autoridades.
Para garantir que os possíveis informantes não sejam pegos pela segurança do Estado russo, a CIA apresentou instruções detalhadas em russo em três postagens de rede social sobre como usar o navegador de Internet Tor, que permite que os usuários se movam online anonimamente, bem como as redes virtuais privadas ou VPNs.
As instruções levarão a um canal dedicado à CIA que é mais seguro do que navegar até a agência usando um navegador comum ou outra conexão com a internet.
“Não use o computador de casa ou do escritório para entrar em contato conosco”, adverte a agência em seu guia passo a passo. Para contornar os monitores online, os russos devem usar uma VPN que não seja baseada na Rússia, China ou outros países considerados “hostis” para os Estados Unidos.
As VPNs gratuitas geralmente são inferiores aos serviços pagos, aconselha a CIA, incentivando seus contatos a buscar uma versão premium.
Rejeição à guerra
A invasão da Ucrânia pela Rússia levou mais russos a dar o passo arriscado de entrar em contato com a agência de inteligência, disseram autoridades.
“Russos preocupados estão tentando envolver a CIA e queríamos fornecer uma maneira de nos contatar com segurança”, disse um funcionário da CIA, que, como outros, falou sob condição de anonimato para descrever questões delicadas de inteligência.
‘Missão global’
A CIA está acostumada a cidadãos insatisfeitos ou funcionários do governo oferecendo informações voluntárias, às vezes, quando aparecem nas embaixadas dos EUA. Os chamados “walk-ins”, sejam físicos ou digitais, são examinados várias vezes e as autoridades muitas tentam determinar que acesso eles podem ter a segredos além daqueles que trazem, de acordo com ex-funcionários de inteligência familiarizados com o processo.
As novas instruções visam “aqueles que se sentem compelidos a nos procurar por causa da guerra injusta do governo russo”, disse um porta-voz da CIA em um e-mail. “Nossa missão global exige que os indivíduos possam nos contatar com segurança de qualquer lugar.”
A agência pede aos walk-ins digitais que forneçam seu nome completo, o país de origem, sua posição oficial e “qual acesso você tem a informações de interesse de nossa organização”.
Não há garantia de que as informações que os russos passam pelo canal serão úteis. Mas o fato de a CIA ter procurado uma maneira de facilitar o contato de russos motivados sugere que há muitos recrutas em potencial na fila, disseram veteranos da inteligência.
“É um sinal de que eles estão sendo sobrecarregados por pessoas que tentam entrar em contato com a inteligência dos EUA de maneiras pouco seguras”, disse John Sipher, ex-oficial da CIA que serviu por quase 30 anos, incluindo na Rússia. “Hoje em dia, acho apropriado oferecer meios de contato inicial que sejam mais seguros do que entrar em uma embaixada ou abordar um americano na rua.”
Dan Hoffman, um oficial de inteligência aposentado que atuou como principal funcionário da CIA em Moscou, disse que a contra-inteligência russa estará em alerta redobrado para aqueles que desejam divulgar segredos.
“É preciso ter muito cuidado com os russos que estão tentando fornecer informações. O FSB, em particular, estará atento às pessoas”, disse Hoffman, referindo-se à principal agência de segurança russa e sucessora da KGB.
As táticas de coleta de inteligência da CIA se encaixam em uma estratégia mais ampla do governo dos EUA para combater os esforços russos de sufocar a liberdade de expressão e o acesso a notícias e informações confiáveis.
O Departamento de Estado recentemente patrocinou uma conversa online no Telegram, um aplicativo de mídia social popular na Rússia, com Victoria Nuland, a subsecretária de assuntos políticos, que atraiu cerca de 2,3 milhões de engajamento, de acordo com um funcionário do Departamento de Estado.
Um número significativo de comentários dirigidos a Nuland eram críticos aos Estados Unidos, disse a autoridade, mas o grande volume indicava que os russos estavam interessados em ouvir uma autoridade americana e poderiam ter acesso a ela via Telegram, que o governo russo não bloqueou.
O governo russo reprimiu algumas plataformas de mídia social e limitou a capacidade dos russos de usá-las. Mas um número ainda está ativo e próspero, disse o funcionário. O YouTube continua operando com milhões de espectadores e dezenas de milhões de russos estão usando o serviço de mensagens WhatsApp, disse o funcionário, citando conversas com o proprietário do aplicativo, Meta.
Relatos sobre “o desaparecimento dos meios de comunicação com a Rússia são um pouco exagerados”, disse o funcionário. “O fato é que ainda podemos falar com o público russo.” O funcionário observou que é fundamental usar o russo para maximizar o engajamento.
Driblar restrições
O departamento também viu evidências de que os russos estão procurando ativamente maneiras de contornar as restrições da internet. Após uma pressão do governo para reprimir o fluxo de informações sobre a guerra depois que ela começou, os russos procuraram VPNs em grande número. A demanda por serviços de VPN na Rússia aumentou 2.692% em março, segundo dados do Top10VPN. A proibição da Rússia no Facebook e no Twitter ajudou a impulsionar a demanda pelos serviços, informou a empresa.
O funcionário do Departamento de Estado disse que o governo russo parece ter permitido que algumas empresas populares de mídia social continuassem operando, por alguns motivos. Primeiro, a capacidade do governo de cortar o acesso é limitada em comparação com outros regimes autoritários, como a China. Mas o Kremlin também pode querer aplacar os russos que estão irritados com outras restrições online e controles de fala, como a proibição de usar a palavra “guerra” para descrever o ataque da Rússia à Ucrânia.
“Acho que (os funcionários russos) sabem que, se retirarem uma plataforma amplamente popular, haverá reclamações sobre isso”, disse o funcionário do Departamento de Estado. Ele acrescentou que as autoridades em Moscou ainda podem bloquear o WhatsApp e o YouTube se o conteúdo que os russos encontrarem entrar em conflito com a linha oficial.
“Há tantos usuários na Rússia que ainda dependem dessas plataformas, acho que o governo hesitou em afastá-los e criar mais descontentamento no país”, disse o funcionário.
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