Quando seu genro morreu de overdose de heroína, uma semana antes do Natal de 2015, Lisa Melcher decidiu que faria algo para enfrentar a epidemia de opioides que assola a cidade de Martinsburg, onde é difícil encontrar alguém que não tenha sido afetado de alguma maneira por ela. Em maio, Lisa perdeu sua única filha, Christina, para uma dose fatal de fentanil, um opioide sintético que é pelo menos 50 vezes mais potente que a morfina.
Aos 53 anos, Lisa ficou com dois netos órfãos: Jasmine, de 8 anos, e Anthony, de 12. A menina é criada pela avó paterna e o garoto vive com Lisa desde os 6 anos, quando sua mãe já lutava com a dependência de heroína. Antes de morrer, Christina estava em um programa de recuperação e não usava a droga havia 78 dias.
“Ela decidiu experimentar mais uma vez e foi a última”, disse Tina Stride, amiga de Lisa que tem um filho de 26 anos dependente de heroína. Pai de duas meninas, K.J. chegou à droga por meio de remédios à base de opioides receitados para combater dores que sentia no braço direito.
O Estado da Virgínia Ocidental, onde fica Martinsburg, tem o maior índice per capita de mortes por overdose de opioides dos EUA. Com minas de carvão e grande parte da mão de obra dedicada a trabalhos braçais, a região tem alta incidência de lesões profissionais e se revelou um mercado promissor para as farmacêuticas que produzem drogas como oxicodona e hidrocodona. Reportagem do Gazette-Mail que ganhou o Prêmio Pulitzer de investigação deste ano revelou que Virgínia Ocidental recebeu 780 milhões de pílulas desses dois medicamentos entre 2007 e 2012, o suficiente para cada residente consumir 433 delas. Os controles sobre a prescrição e venda desses produtos aumentaram depois da explosão da epidemia de opioides, mas durante anos eles foram receitados de maneira indiscriminada, sem alertas sobre os riscos de dependência.
Quando seu médico deixou de prescrever opioides, K.J. buscou as pílulas no mercado negro e logo passou a usar heroína, que é mais potente e mais barata. Após diversos programas de reabilitações e três recaídas, ele fez um tratamento de quase um ano na Flórida e acaba de voltar para Martinsburg, sóbrio.
Suas histórias pessoais levaram Lisa e Tina a unirem esforços para o criar o The Hope Dealer Project (O Projeto do Traficante de Esperança), que ajuda dependentes a encontrar locais de desintoxicação e reabilitação. Depois de garantir uma vaga, elas se responsabilizam pelo transporte do paciente até o local. Nos últimos dois meses, Tina dirigiu quase 13 mil km. O centro de desintoxicação mais próximo de Martinsburg fica a duas horas e meia de carro. “Estamos cansadas de ver nossa cidade morrer.” Christina pretendia se unir a elas quando se recuperasse.
Martinsburg é um microcosmo do que ocorre em várias regiões dos EUA afetadas pela epidemia. O número de mortes por overdoses de opioides no país passou de 33 mil, em 2015, para 53 mil em 2016. No ano passado, pela primeira vez, o fentanil provocou o maior número de vítimas, 20,1 mil. As overdoses da substância mais que duplicaram de 2015 a 2016. Em três anos, o aumento foi de 540%, o que transformou o fentanil no principal responsável pelo aumento das overdoses fatais.
“Nós chamamos de epidemia porque a situação está fora de controle. Todo mundo conhece alguém que foi afetado por ela”, observou Peter Callahan, terapeuta responsável por programas de reabilitação. Em poucos meses, ele abrirá o primeiro centro de desintoxicação de Martinsburg. Um dos pacientes de Callahan é Steve Orr, que usou heroína por 18 anos e está há seis meses sóbrio. Como muitos viciados, ele chegou à droga pelos remédios à base de opioides, que usou quando esteve no Exército para tratar dores provocadas por lesões no tornozelo e nas costas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.