O clima de esperança que tomou conta de Saravena em 2016 deu lugar ao medo da guerra novamente em 2022. A cidade mais violenta da Colômbia, com uma taxa de 181 assassinatos por 100 mil habitantes, é o reflexo da não implementação do acordo de paz assinado há cinco anos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Eleição na Colômbia
O esquerdista Gustavo Petro e o conservador Rodolfo Hernández, que disputam neste domingo, 19, quem será o próximo presidente da Colômbia, prometem implementar os pontos do acordo de paz e retomar o diálogo com o Exército de Libertação Nacional (ELN). Hernández recebeu 60,2% dos votos em Saravena no primeiro turno, enquanto Petro recebeu 28%. A participação eleitoral foi de 49,8% e revela a falta de esperança em uma mudança na cidade.
Até 2016, a cidade petroleira de 43 mil habitantes dominada historicamente pelo ELN tinha grande presença das Farc e, com isso, os confrontos eram de maior magnitude. Com o acordo de paz, a guerrilha das Farc saiu da região.
Ao longo de dois anos, a situação parecia melhorar, mas erros no acordo, a falta do cumprimento de pontos estratégicos, como o desenvolvimento das regiões, e o fortalecimento de dissidências das Farc, inclusive com financiamento por parte de grupos rurais, fez com que os confrontos voltassem ao Estado, que faz fronteira com a Venezuela.
“Em Arauca não temos mais plantação de coca, o grande problema é o poder. É uma região geoestratégica do país. O ELN tem poder político, social e econômico nessa região. Dizem que em Saravena, por exemplo, não há uma quadra sem que haja um simpatizante ou integrante do ELN”, afirma uma fonte próxima ao contexto de confrontos na região, que não quis ser identificada.
O comandante do ELN Pablo Beltrán afirma que a região é um “laboratório da guerra” há décadas por ser a principal província petrolífera do país e a situação piorou por conta de uma ação americana. “Depois do ano 1999, tem sido uma base de interferência e agressão, na qual a oligarquia colombiana ataca o processo de revolução que há na Venezuela e Arauca. Isso dá ao Departamento uma configuração muito particular de conflito. O pior é que as forças armadas estatais e assessores militares dos EUA atuam e colocam grupos criminosos ali que se fazem passar por ex-guerrilheiros das Farc. Assim, realizaram operações no território venezuelano, explodiram um carro-bomba contra a sede de organizações sociais em 19 de janeiro e nós temos tido uma confrontação aberta com esses grupos.”
Maior atentado
O atentado citado por Beltrán foi o maior da história de Saravena. Um carro-bomba explodiu na lateral do edifício da Fundação Joel Sierra, que abriga diferentes grupos de direitos sociais e onde pessoas “moram” durante a realização de cursos de direitos humanos, deixando um morto e dezenas de feridos.
Os destroços da explosão ainda estão no local, o prédio abalado precisa passar por uma avaliação técnica porque a estrutura foi muito abalada, além das paredes que caíram, e pessoas que atuam ali explicam que ameaças foram feitas antes do ataque.
Desde o início de janeiro, o prédio estava sendo ocupado por alguns líderes e participantes de um curso de direitos humanos. Segundo Oswaldo Beltrán, coordenador de comunicação da Fundação, na ocasião, cerca de 120 líderes do Estado estavam reunidos.
“No dia 9 de janeiro, houve um atentado com uma granada a duas quadras daqui. Nas redes sociais, um áudio do suposto comandante Antonio Medina, das dissidências das Farc, dizia que era preciso acabar com os projetos sociais. Começaram a sair novas ameaças desse bloco Oriental das Farc, que reúne as Frentes 10, 33 e 24. No dia 15, um carro-bomba explodiu na entrada de Saravena e diziam que ele vinha para cá. Por isso, colocamos na frente do edifício umas barricadas, no dia 19 pela manhã. Nesse mesmo dia, de noite, nos alertaram da presença de um carro suspeito na parte de trás do nosso edifício. De repente, começamos a escutar disparos, estávamos em cerca de 60 pessoas aqui. Menos de 1 minuto e meio, escutamos a explosão e fomos arremessados. Vários ficaram feridos, foi o mais perto da morte que eu estive”, relata.
Depois de cinco minutos, o Exército, a polícia nacional e outras autoridades chegaram ao local do ataque. Segundo Oswaldo Beltrán, isso foi motivo de mais preocupação. “Dias antes do atentado, havia sido anunciado o envio de mais forças para o Departamento de Arauca. São eles que têm o controle da entrada ao município e pensamos que poderia haver algum plano por trás disso.
O advogado da Fundação, Juan Carlos Torregroza, afirma que o objetivo do atentado era amedrontar as organizações. “Notificamos o regime e ao mundo imperial que nem com as armas, nem com as bombas e nem com a prisão nos vão afastar do nosso compromisso ético e político que é a luta pela transformação dessa sociedade”, afirma.
Os candidatos na Colômbia
Após conversar com o ‘Estadão’, Oswaldo Beltrán deixa o prédio da Fundação acompanhado de duas motos com mais dois homens, que realizam sua segurança. Ficar alguns minutos sem acompanhamento na frente do prédio é o mesmo que despertar olhares de diversas pessoas que passam nas redondezas. As pessoas que conhecem a fundo o conflito na região sabem que qualquer pessoa nova que entra é observada e suas ações são de conhecimento da guerrilha.
Chegada militarizada
Nos 155 quilômetros de estrada precária entre o aeroporto de Arauca e a cidade de Saravena, a presença do Exército é constante. Tanques sempre posicionados, soldados com suas armas em mãos e bases escondidas atrás das árvores. Durante a noite, algumas patrulhas são feitas na região e, ao longo de todo o dia, pontos de fiscalização são montados e carros e motos, revistados.
Ao chegar na praça central de Saravena, o clima não revela os dados numéricos. Pessoas caminhando, restaurantes funcionando, grupos jogando jogos de tabuleiro e a polícia nacional em sua base na lateral da praça.
Questionados, os moradores falam que a cidade está tranquila e segura, mas ninguém quer dar o nome ou aparecer em fotografias. No local, não há roubos e nem prostituição. O motivo? Quem cometer tais crimes é morto.
“A gente sabe que há locais onde não podemos passar, que durante a noite é melhor ficar em casa, não queremos nos meter nessa guerra que sempre existiu aqui. A gente era abordado nas ruas e os guerrilheiros nos perguntavam para onde estávamos indo. Agora, a situação está pior, nunca imaginamos que fariam algo contra a população”, diz María Rodríguez, mulher de Simión, zelador do Instituto Colombiano Agropecuário, o único que morreu no atentado de janeiro.
María conta que já havia sido vítima de ataques, mas nada de mais grave havia acontecido com a família. No dia do atentado em que seu marido morreu, ela estava em casa e escutou o barulho de disparos e explosão. “Por volta das 5 horas da manhã fui chamado ao local, o Exército já estava ali. Encontrei as coisas dele, sua roupa, gravata, a Bíblia, e cheguei a pensar que ele estava vivo. Mas depois de muito tempo, quando vi a situação que ele ficou não conseguia acreditar. O pior de tudo é que depois, as guerrilhas começaram a nos procurar. Os das Farc para pedir desculpas e outros, que não se identificaram, para saber de uma foto que começaram a dizer que existia”, conta chorando, se referindo a uma foto que revelaria quem realizou o ataque, mas nunca teve a existência comprovada. “Nós nunca nos envolvemos com essa guerra, nem com um lado e nem com outro.”
María e a filha Linney Delgado não têm esperança que a situação mude. Afirmam que nunca receberam apoio do Estado e agora precisam seguir vivendo com a violência em sua cidade. “Lembro que vimos as barricadas sendo colocadas na manhã daquele dia, eu e meu pai, e ele chegou a pensar se algo aconteceria. Mas sempre pediu que fosse avisado caso houvesse alguma ameaça, justamente porque não queria estar no meio”, diz Linney.
Segundo o “personero” de Saravena, Jose Luis Lasso Fontecha, que pertence à prefeitura e é encarregado de receber e tramitar as reclamações da comunidade, a cidade convive com um aumento dos assassinatos. “A maioria das vítimas não está participando das hostilidades quando ocorre o assassinato. A maioria foi encontrada desarmada, foi morta de forma extrajudicial. Eram trabalhadores, foram assassinados enfermeiros, um advogado do hospital, um vigilante da prefeitura. E agora ficam dúvidas sobre esses homicídios e não há nenhuma resposta.”
Diálogo
O comandante do ELN Beltrán afirma que o grupo está pronto para negociar. “No ELN, há um consenso que o único que é viável para a Colômbia é a paz. Apesar de todos os obstáculos, nunca vamos abandonar o caminho de buscar uma solução política. Essa solução significa colocar um fim ao conflito armado interno, concordar com nossas formações, que vão no sentido de democratizar a Colômbia, e consideramos que o centro desse processo está nas mãos da sociedade.”
De acordo com aqueles que conhecem o contexto da região, Arauca pode voltar a ter uma situação de guerra como se nunca tivesse sido feito um acordo de paz no país. E, para mudar isso, é preciso passar por um processo de paz com o ELN que envolva a sociedade civil.
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