Colapso do petróleo e covid-19 criam uma situação geopolítica tóxica

Nova situação criou situação de calamidade para países dependentes da produção de petróleo

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Por Rick Gladstone
Atualização:

O Iraque não pode pagar seus milhões de trabalhadores e pensionistas. O grande plano do México de desenvolvimento para o país se tornou um caos. O Equador vem cortando os salários governamentais e a Venezuela está sob tratamento de urgência. E a Nigéria vem requerendo quase US$ bilhões de empréstimo de emergência.

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A pandemia de coronavírus e o colapso dos preços do petróleo que ela causou criaram uma situação de enorme calamidade para países fortemente dependentes da produção de petróleo para sobrevivência da sua economia e vem forçando outros a mudarem suas políticas que não têm sentido econômico.

Embora a Rússia, Arábia Saudita e Estados Unidos – os maiores produtores de petróleo – possuam grandes recursos para amortecer o impacto, a queda precipitada da demanda, porque bilhões de pessoas foram forçadas a permanecer em casa, mudou drasticamente todo o resto. Esta era uma possibilidade que mesmo especialistas veteranos do setor não previam. “Ninguém imaginou uma crise deste escopo. Não era prevista em nenhum cenário”, avaliou Daniel Yergin, especialista em energia global e vice chairman da IHS Markit, empresa de pesquisa.

Abaixo algumas análises dos efeitos do choque do coronavírus e do petróleo em diversos países:

Iraque

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O Iraque será muito mais atingido do que qualquer outro Estado dependente do petróleo,de acordo com a Agência Internacional de Energia. Cerca de 90% da receita governamental vem do petróleo e o país depende desses recursos para pagar o salário de mais de quatro milhões de empregados, como também aposentadorias e programas sociais para os mais pobres.

O governo mal conseguia fazer frente a esses gastos quando o petróleo era negociado a US$ 61 o barril, em dezembro, mas agora nem mesmo a folha de pagamento de maio ele conseguirá pagar, sem falar nas aposentadorias, subsídios e outras operações. “O problema vai começar em maio”, indicou Mudher Mohammed Saleh, economista e assessor do primeiro ministro iraquiano. “Teremos uma defasagem mensal de US$ 4,5 bilhões. O que fazer? É uma dor de cabeça”.

- ALISSA J. RUBIN, Bagdá

Rápida queda da demanda do petróleo afetou economia de países produtores Foto: EFE/EPA/ETIENNE LAURENT

México

Mesmo antes da pandemia e do colapso dos preços do petróleo, as perspectivas econômicas do México eram medíocres, com alguns analistas prevendo que a economia do país continuaria lenta depois de entrar numa moderada recessão em 2019.

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O orçamento federal depende fortemente da produção e exportação de petróleo, o que significa que a receita do governo vai cair drasticamente. O presidente Andrés Manuel López Obrador abandonou um ambicioso plano de desenvolvimento baseado numa reativação da PEMEX, estatal petrolífera, que sofreu com o declínio da produção, uma dívida sufocante, corrupção e má administração.

Mas nas últimas semanas, levantar recursos nos mercados financeiros para a PEMEX ficou muito mais difícil uma vez que as grandes agências de classificação rebaixaram a nota de crédito da companhia.

Daniel Lansberg-Rodríguez, diretor para a América Latina da Greenmantle, empresa de análise de risco, disse que o presidente López Obrador sempre viu a PEMEX como “a solução imediata” para salvar a economia. “Aconteça o que acontecer, a estratégia não muda”, disse ele.

- KIRK SEMPLE, Cidade do México

Venezuela e Equador

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O colapso do mercado de petróleo repercutiu por toda América do Sul, mas o impacto será mais sentido pela economia mais debilitada da região, a Venezuela, que depende das vendas do produto, em queda, para importar comida e combustível. Mesmo antes da queda dos preços do petróleo, o país já vinha tendo problemas para encontrar compradores devido ao endurecimento das sanções americanas.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia da Venezuela vai encolher 15% este ano, o maior declínio na região. No Equador, que também depende do petróleo, o presidente Lenin Moreno qualificou o colapso do mercado de energia como o “momento mais crítico na história do país”.

Como na Venezuela, a queda abrupta dos preços atingiu o Equador num dos seus piores momentos econômicos, quando o país luta para conter a mais agressiva epidemia de coronavírus e enfrenta o rompimento dos seus dois principais oleodutos.

- TOLY KURMANAEV, Caracas, Venezuela

Crise como essa não foi projetada em nenhum cenário e desafia países dependentes do petróleo Foto: Nick Oxford/The New York Times

Nigéria

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Mesmo antes do colapso dos preços do petróleo, o Banco Mundial já previa que a epidemia levaria a África Subsaariana para sua primeira recessão em 25 anos. Mas nos dois países produtores de petróleo, Nigéria e Angola, o efeito da drástica redução da receita pode ser devastador. Ambos extraem 90% das receitas de exportação e mais de dois terços da receita governamental das suas suas vendas de petróleo.

Durante décadas a Nigéria, que já pediu um financiamento de emergência de US$ 6,9 bilhões para instituições de crédito internacionais, gastou bilhões de dólares para manter o preço da gasolina artificialmente baixo no país, uma política que foi abolida no início de abril. Sucessivos governos nigerianos prometeram, mas não conseguiram, pôr fim à dependência do país do petróleo.

- RUTH MACLEAN, Dakar, Senegal

Nigéria e Angola extraem 90% da receita de exportação do petróleo Foto: Nick Oxford/The New York Times

Arábia Saudita

Há quatro anos, completados esta semana, o príncipe da Coroa, Mohammed bin Salman, afirmou que neste ano o reino teria capacidade de sobreviver sem o petróleo. Uma previsão extremamente otimista.

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A Arábia Saudita, maior exportadora de petróleo bruto do mundo, hoje depende mais do que nunca do produto.

Durante sua ascensão para se tornar o dirigente de fato do país, Mohammed lançou uma série de iniciativas, da diversificação da economia, expandindo os setores de turismo e entretenimento, ao combate de seus oponentes no Iêmen e um confronto com o Irã e outros inimigos.

 Agora o colapso dos preços coloca em risco os recursos financeiros necessários para esses projetos, o que significa que em vez de investir numa nova cidade abastecida por energia solar no Mar Vermelho, o foco imediato será equilibrar o orçamento do reino.

O governo saudita já vinha tendo dificuldades para levar a cabo aquele projeto mesmo antes de iniciar uma guerra de preços com a Rússia, no mês passado que somente agravou a redução do preço, por causa da pandemia. Para equilibrar seu orçamento, o país precisa cotar o barril a US$ 80, quatro vezes mais do que o preço atual.

- BEN HUBBARD, Beirute

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Com espaço para estocagem da commodity próximo do limite, preço do produto chegou a ser negativo Foto: Drone Base/Reuters

Rússia

Sob muitos aspectos, a Rússia ignorou a queda dos preços do petróleo. Apesar de todo o drama observado nos mercados de petróleo, a moeda nacional, o rublo, registrou uma queda de apenas 2% na terça-feira.

Os preços do petróleo, historicamente altos nas duas últimas décadas, levantaram o país do ponto de vista econômico e alimentaram as ambições do presidente Vladimir Putin. Mas o país entrou na crise bem preparado, com reservas em moeda forte e um orçamento com gastos limitados implementado como proteção contra as sanções internacionais dos últimos seis anos.

Putin e sua equipe de política econômica contam com reservas em moeda forte e ouro que totalizam US$ 565 bilhões. Mas não se sabe por quanto tempo a Rússia conseguirá resistir. O Renaissance Capital, banco de investimento de Moscou, estima que as reservas russas podem suportar os gastos correntes com o preço do barril cotado a US$ 35 por seis anos.

Surgiram sinais de que Putin está inquieto. A necessidade de acessar as reservas não será apenas para amortecer o colapso dos preços do petróleo. O país ainda não anunciou grandes pacotes de ajuda às empresas prejudicadas pelos confinamentos exigidos por causa do coronavírus, mas provavelmente serão implementados. ANDREW E KRAMER – Moscou

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/ Tradução de Terezinha Martino