ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ - Dia de eleição na Colômbia e Jaime caminha pela praça Bolívar, como costuma fazer todas as tardes, com sua sacola de latinhas de metal pendurada na lateral direita, parando para conversar com as pessoas que tiram fotos enquanto passeiam pelo local. Ele faz parte dos 26 milhões de colombianos - dentro da população de 50,8 milhões - que estão em situação de pobreza no país hoje, sendo 39,3% em pobreza monetária e 12,2% em pobreza extrema.
“Quando eu consigo um dinheiro aqui, logo vou comprar pão e levo para minha mulher. Minha mãe me ensinou isso, a compartilhar, e faço sempre”. Um dos reflexos imediatos da pobreza extrema é a fome. Os 12,2% da população, ou 6,1 milhões de habitantes, que estão nessa situação não têm renda suficiente para comprar uma cesta básica.
O índice de pobreza monetária retrata a parcela da população que não tem renda suficiente para comprar uma cesta básica, consumir bens e serviços mínimos para sobreviver. Atualmente, esse número é de 19,9 milhões de habitantes.
Esse será um dos grandes desafios do presidente eleito Gustavo Petro, que tem como uma de suas principais bandeiras diminuir a desigualdade social no país e redistribuir a renda. Para economistas, primeiro é preciso voltar aos índices pré-pandemia da covid-19 no país para depois pensar em erradicar a pobreza, por exemplo, e isso se consegue com medidas de curto prazo, como programas de assistência social, seguidos de mudanças estruturais que dependem da confiança do mercado e de acordos no Congresso.
“A pobreza extrema teve um aumento importante por conta da pandemia. Passou de 9,6% a 15% entre 2019 e 2020; e, em 2021, baixou para 12,2%, ou seja, ainda temos um número importante para diminuir. Governos locais e o nacional avançaram no fortalecimento de programas desse setor, focados em locais de baixa renda, diminuindo a condição de fome. Mas é uma agenda prioritária para os próximos anos, voltar aos níveis da pré-pandemia será essencial para acabar com isso a médio e longo prazo”, explica o economista e professor da Universidade do Rosario Carlos Sepulveda.
Diferenças regionais
Dados do Dane (Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas), os Departamentos (Estados) que tiveram maior pobreza monetária foram La Guajira (67,4%) e Chocó (63,4%). Nesses locais, Petro obteve uma votação mais alta com relação ao segundo colocado, Rodolfo Hernández. Em La Guajira, foram 64,5% de votos a Petro e 33,7% em Hernández, e, em Chocó, 81,9% a 16,4%.
Na outra ponta, estão os Departamentos de Caldas e Cundinamarca, com menor índice de pobreza, 28,4% e 22,8%, respectivamente. Nesses locais, a votação por Hernández foi maior. Em Caldas, Petro terminou o segundo turno com 39,8% dos votos e Hernández com 56,9%. Em Cundinamarca, a votação acabou em 44,1% contra 53,4%.
Segundo Sepulveda, essas diferenças entre as regiões é uma característica do país. “Colômbia é um país de regiões muito diferentes umas das outras e, portanto, esse crescimento e aumento da pobreza é muito desigual. É necessário uma agenda para propor soluções para crescer mais. Além disso, devem haver políticas que garantam redistribuição, justiça social para todos. Focar em programas sociais para mitigar a pobreza e voltar a consolidar uma classe média robusta.”
Após a vitória, Petro precisa articular alianças políticas no Congresso para a aprovação de projetos, que levem, inclusive, a um aumento de verba do governo. De acordo com a agência de risco Control Risks na Colômbia, por enquanto não existem recursos suficientes para implementar os programas propostos.
“Petro propõe várias reformas sociais, mas para isso são necessários entre 60 bilhões de pesos e 120 bilhões de pesos. Se ele conseguir apresentar e aprovar uma reforma tributária estrutural, arrecadará no máximo 25 bilhões de pesos. Será preciso ter uma proposta mais realista e ajustada às realidades para combater a pobreza”, diz a analista Silvana Amaya.
Eleições na Colômbia
Desemprego, outra preocupação
Outra promessa de Petro se refere ao desemprego. A taxa de desemprego na Colômbia em abril deste ano foi de 11,2%. No mesmo período do ano passado, era de 15,5%. O presidente eleito afirma que o Estado vai absorver a mão-de-obra não aproveitada pela iniciativa privada, mas não dá detalhes de como fará isso.
“A economia é muito dependente da exportação de recursos naturais e das importações de alimentos e mercadorias. Por isso, as empresas são muito pequenas e não têm capacidade de absorver a força de trabalho. O Estado precisa realizar investimentos em atividades produtivas para gerar emprego e deve liderar o processo de transição energética, que elimine a dependência do petróleo e do carvão e contribua para a criação de uma economia moderna”, explica o professor e analista econômico Mario Valencia.
Outro ponto que afeta a questão trabalhista no país é a alta taxa de informalidade. “É preciso uma reforma profunda do mercado de trabalho. A Colômbia tem alto nível de informalidade, baixa produtividade, proteção social ligada ao status do trabalhador. É um país muito desigual, em todos os pontos de vista, mas mudanças aqui só serão vistas a longo prazo”, diz Sepulveda.
Nesse ponto, a relação de Petro com o empresariado do país será relevante, de acordo com Valencia. “As empresas são muito precárias e quase a metade da população não tem um emprego formal, e sim atividades de sobrevivência. A produtividade é muito baixa e os salários não permitem garantir uma boa qualidade de vida. Os governos pensam que o mercado resolve tudo e abandonaram a relação que deve existir entre Estado e empresa privada. O Estado se tornou uma outra empresa, que divide os recursos dos impostos. É preciso corrigir essa situação, com uma verdadeira associação entre o setor público e o privado.”
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