No ano que vem, pelo menos quarenta países realizarão eleições nacionais, e várias delas – como nos EUA, na Índia, na Indonésia, na África do Sul e provavelmente no Reino Unido – têm o potencial de produzir profundas repercussões na política global. Se também contarmos eleições regionais, em torno de 2 bilhões de pessoas em mais de setenta países irão às urnas, o que tornará 2024 uma verdadeira maratona eleitoral.
Uma parte dessas eleições, no entanto, é pouco mais do que uma tentativa, por parte de governos autoritários, de obter algum verniz de legitimidade democrática, mesmo que todo o mundo saiba que não se trata de pleitos livres. A primeira eleição do ano ocorrerá em 7 de janeiro, quando a primeira-ministra de Bangladesh, Sheik Hasina, tentará se eleger pela quinta vez no país de 170 milhões de habitantes. Se fossem realmente eleições livres, Hasina, que tem claras ambições autoritárias, dificilmente ganharia, mas o governo mantém Khaleda Zia, o líder da oposição, em prisão domiciliar, o que praticamente garante a reeleição da atual mandatária no país asiático.
As eleições presidenciais russas em março serão ainda menos competitivas. O governo condenou Alexei Navalni, líder da oposição, a trinta anos de cadeia e intensificou a perseguição de dissidentes depois da invasão à Ucrânia, garantindo a “reeleição” de Vladimir Putin, que assim se manterá no poder até pelo menos 2030. Da mesma forma, os pleitos organizados em Belarus em fevereiro, no Irã em março e em Ruanda em agosto (onde, aliás, o presidente Kagame costuma ganhar com 99% dos votos) não serão livres. No Paquistão, país de 230 milhões de habitantes, que realizará eleições em fevereiro, o líder da oposição está preso, e há temores sobre a influência indevida das Forças Armadas na política.
Mesmo assim, eleições em regimes híbridos (parcialmente democráticos) ou até autoritários podem produzir consequências imprevistas. Na Venezuela, por exemplo, o ditador Nicolás Maduro está ameaçando a integridade territorial da Guiana para desviar a atenção pública enquanto organiza o pleito em seu país – para o qual a justiça venezuelana, controlada pelo presidente, optou por banir Maria Corina Machado, a líder da oposição. Mesmo sem adversário real, Vladimir Putin pode tentar iniciar uma nova ofensiva militar contra a Ucrânia em busca de “boas notícias” no momento do pleito presidencial.
Numerosas eleições, porém, serão competitivas – em graus diferentes – e podem mudar o rumo da política global. Em 13 de janeiro, eleitores de Taiwan – que costuma aparecer entre as democracias mais robustas do planeta, à frente dos EUA ou da maioria dos países europeus – elegerão seu próximo presidente. Uma vitória de William Lai tem o potencial de aumentar as tensões entre Taipei e Pequim, enquanto a oposição promete ampliar o diálogo com a China. Na África do Sul, há chance real de o partido governista ANC ser obrigado, pela primeira vez desde a democratização, a formar um governo de coalizão na terceira maior economia do continente africano. Na Índia, maior democracia do mundo, o primeiro-ministro Narendra Modi, no poder desde 2014, tentará se reeleger pela segunda vez e é o favorito, mas 26 partidos de oposição se uniram recentemente para tentar vencer o pleito em abril no país de 1,4 bilhão de pessoas. No México, tudo indica que a candidata do partido governista, Claudia Sheinbaum, se elegerá em junho. Da mesma forma, é provável que na Indonésia, país com mais de 270 milhões de habitantes, Prabowo Subianto, o atual ministro da Defesa, saia vitorioso em fevereiro. No Reino Unido, onde o primeiro-ministro Rishi Sunak precisa convocar eleições até janeiro de 2025, o Partido Trabalhista tem elevada chance de voltar ao poder pela primeira vez desde 2010.
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Nenhuma eleição, porém, terá maior impacto do que o pleito presidencial nos EUA em novembro do próximo ano, quando, ao que tudo indica, Joe Biden enfrentará Donald Trump em uma eleição extremamente apertada. O retorno do ex-presidente republicano, que nunca aceitou sua derrota em 2020, representaria grave ameaça à democracia americana e fortaleceria candidatos mundo afora com estratégias semelhantes – como, mais recentemente, na Argentina, onde a campanha de Javier Milei já alegou fraude no primeiro turno sem ter apresentado provas.
Em democracias consolidadas como Uruguai, Taiwan, Coreia do Sul, Finlândia e Botsuana, as eleições de 2024 serão festas cívicas que celebrarão o debate político saudável e a convivência democrática. Em democracias mais ameaçadas – como Bangladesh e Paquistão –, a ordem democrática estará em teste. Em regimes autoritários como Rússia, Belarus e Uzbequistão, elas infelizmente não passarão de uma farsa.
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