Crise na Rússia é maior janela de oportunidade para contraofensiva da Ucrânia

Dono do grupo mercenário Wagner, Ievgeni Prigozhin, desconstruiu toda a narrativa de Putin para justificar a guerra; resposta de Putin a motim é atestado da falta de competência e talvez até da falta de lealdade das forças regulares

PUBLICIDADE

colunista convidado
Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

Depois de avançar cerca de 900 km sem enfrentar resistência das Forças Armadas regulares, o dono do grupo mercenário Wagner, IevgenI Prigozhin, deteve a coluna que se dirigia a Moscou. As forças rebeldes chegaram a cerca de 200 km da capital. A decisão foi tomada em seguida a uma conversa com o ditador da Belarus, Alexander Lukashenko.

PUBLICIDADE

O conteúdo dessa conversa é uma peça crucial no quebra-cabeça das ambições de Prigozhin e do controle que ainda resta ao ditador Vladimir Putin sobre as forças de segurança russas. Afinal, a coluna avançou ao longo desse sábado por uma das rodovias mais importantes da Rússia, a M4, que liga Rostov a Moscou, com 1.100 km.

A CNN informou que as acusações formais contra Prigozhin na Justiça foram retiradas, que ele se exilaria na Belarus e que os mercenários sob seu comando que participaram da intentona poderiam se incorporar às Forças Armadas regulares, enquanto os que não participaram nada sofreriam. Em seguida, o grupo se retirou do comando do Distrito Militar do Sul em Rostov, quartel-general das operações russas na Ucrânia, que havia ocupado na quinta-feira.

O desafio declarado de Prigozhin é contra o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, não a Putin, do qual era pessoalmente muito próximo. Mas em pronunciamento à nação, Putin classificou a rebelião armada de “traição” e disse que ela seria punida com rigor. Além disso, o FSB, serviço secreto russo, e a Procuradoria-Geral, duas instituições estreitamente alinhadas com o Kremlin, haviam dado ordem de prisão e até antecipado a pena por motim: de 12 a 20 anos.

Combatentes do grupo mercenário Wagner deixam o quartel-general do Distrito Militar do Sul, na cidade de Rostov-on-Don, na Rússia, 24 de junho de 2023. REUTERS/Stringer Foto: STRINGER

Putin não deveria ter tido dificuldade de ordenar que a aviação russa bombardeasse a coluna do Wagner que se dirigia à capital, em flagrante desafio ao seu poder. Uma operação como essa não causaria baixas ao exército russo. Por que ele poupou os mercenários e aceitou seu humilhante avanço pelo território russo? Pela lógica, porque considerou que o golpe na percepção de poder em torno dele teria consequências ainda menos negativas do que um confronto armado com o Wagner.

Publicidade

Mas o custo político para Putin é imenso. O fato de Putin ter enviado a milícia chechena para tentar debelar a rebelião em Rostov é um atestado da falta de competência e talvez até da falta de lealdade das forças regulares.

Além disso, Prigozhin, cujas credenciais são inquestionáveis nas correntes do nacionalismo russo, desconstruiu toda a narrativa de Putin para justificar a guerra, afirmando que ela é desnecessária, que a Ucrânia e a Otan não representavam uma ameaça à Rússia, e que os militares russos estão matando russos étnicos na Ucrânia.

A crise representa potencialmente a maior janela de oportunidade no quadro da contraofensiva ucraniana. O Grupo Wagner era a única força russa relativamente efetiva no terreno. “Relativamente”, no contexto da enorme incompetência e moral baixo dos militares russos. Os mercenários levaram sete meses para tomar a pequena Bakhmut, no leste da Ucrânia. Depois de sua retirada, no início deste mês, as forças ucranianas vinham fazendo progressos em torno da cidade novamente.

Prigozhin afirmou que as tropas russas haviam sido derrotadas e estavam se retirando das posições defensivas na Ucrânia. Na noite deste sábado, hora local, as tropas ucranianas estão testando as linhas de defesa russa, para verificar onde essa informação pode ser verdadeira.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.