A ruptura entre o grupo mercenário Wagner e as Forças Armadas regulares afeta a efetividade militar russa em três eixos fundamentais: desempenho operacional, moral da tropa e ambiente político.
O efetivo do Wagner na Ucrânia era formado por combatentes veteranos profissionais e recrutas inexperientes. Os veteranos representam cerca de 5 mil dos 30 mil combatentes. Eles estavam entre os mais competentes, com um desempenho só comparável, do lado russo, ao dos militares profissionais das unidades de elite. Com a “vantagem”, por assim dizer, que violam as regras, recorrem à brutalidade com mais desenvoltura e gozam de mais autonomia.
Eles foram substituídos por 7 mil milicianos chechenos, cujo líder, Ramzan Kadirov, assinou contrato com o Ministério da Defesa no dia 12 de junho — o mesmo contrato que Ievgeni Prigozhin, dono do Wagner, recusou-se a assinar.
Segundo Kadirov, outros 2.400 homens estão sendo treinados para integrar dois novos regimentos do Exército russo. Até que ponto os chechenos atingirão o grau de efetividade dos mercenários e não trarão novos problemas de rivalidade com os militares regulares é algo que só saberemos com o tempo. Eles já vinham atuando na Ucrânia, mas esses aspectos não foram suficientemente avaliados.
O Ministério da Defesa russo e o comando militar ucraniano do Leste informaram que a Rússia deslocou 185 mil novos soldados para o front. Esse efetivo é provavelmente pobre em qualidade operacional, como tem sido a regra, mas garante a capacidade da Rússia de seguir impondo resistência ao avanço ucraniano no terreno.
As críticas de Prigozhin às Forças Armadas contribuem para a deterioração do moral dos militares russos. O ex-homem de confiança do presidente Vladimir Putin acusou os generais russos de serem incompetentes e de mandar para o campo de batalha os filhos dos pobres, numa guerra que só beneficia a “elite oligárquica”.
Prigozhin é idolatrado por muitos militares russos, e suas denúncias tendem a ter impacto sobre a tropa. Durante o motim do dia 24, Prigozhin pediu a Vladimir Alekseiev, vice-diretor da GRU, a inteligência militar russa, que lhe entregasse o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior Conjunto e comandante da operação na Ucrânia, Valeri Gerasimov. “Pode levá-los”, respondeu Alekseiev, fazendo um gesto de quem dá passagem.
O ex-presidente e atual vice-conselheiro de Segurança Nacional Dmitri Medvedev admitiu que elementos da elite militar russa participaram do motim.
Os efeitos disso ainda não podem ser medidos no campo de batalha. Os ucranianos já liberaram dezenas de quilômetros quadrados, mas seu principal objetivo neste momento é neutralizar tropas, equipamento, depósitos de combustível, artilharia e defesa antiaérea.
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