Por que a China está com tantos problemas? Leia a análise de Paul Krugman

Problemas da economia chinesa não começaram com Xi Jinping; país padece de declínio populacional e excesso de poupança

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Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

A narrativa sobre a China mudou numa velocidade impressionante, da história de um colosso imparável para a trajetória de um gigante patético e incapaz. Como isso aconteceu?

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Minha sensação é que muito do que se escreve a respeito da China dá importância demais a eventos e políticas recentes. Sim, Xi Jinping é um líder errático. Mas os problemas econômicos da China têm se construído há muito tempo. E ainda que o fracasso de Xi em solucionar esses problemas adequadamente sem dúvida reflita suas limitações pessoais, reflete também vieses ideológicos profundos dentro do partido que governa a China.

Comecemos com perspectiva a longo prazo.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma reunião na cúpula do Brics, em Johannesburgo, África do Sul  Foto: Gianluigi Guercia / AP

Por três décadas, após Deng Xiaoping assumir o poder e introduzir reformas com base no mercado, a China experimentou uma enorme ascensão, com o produto interno bruto real crescendo mais de sete vezes. É verdade que tamanha ascensão só foi possível porque a China começou a jornada de crescimento tecnologicamente atrasada e pôde aumentar a produtividade rapidamente adotando tecnologias já desenvolvidas no exterior. Mas a velocidade da convergência da China foi extraordinária.

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Desde o fim da década de 2000, contudo, a China parece ter perdido bastante de seu dinamismo. O Fundo Monetário Internacional estima que, desde 2008, o índice de produtividade total dos fatores — que mensura a eficiência com que cada recurso é usado — cresceu a apenas metade da velocidade que havia crescido na década anterior. Nós devemos desconfiar bastante dessas estimativas, mas houve uma clara diminuição na taxa de progresso tecnológico.

E a China não tem mais demografia para sustentar um crescimento tórrido: sua população economicamente ativa atingiu o pico em torno de 2015 e tem declinado desde então.

Muitos analistas atribuem a perda de dinamismo da China a Xi, que assumiu o poder em 2012 e tem sido consistentemente mais hostil à empresa privada do que seus antecessores. Mas essa análise me parece superficial demais. Certamente o foco de Xi em controle estatal e arbitrariedades não ajudou, mas a diminuição de ritmo de crescimento da China começou antes de Xi assumir o poder.

O Fundo Monetário Internacional estima que, desde 2008, o índice de produtividade total dos fatores da China — que mensura a eficiência com que cada recurso é usado — cresceu a apenas metade da velocidade que havia crescido na década anterior Foto: STR / AFP

E em geral ninguém é muito bom em explicar índices de crescimento a longo prazo. O grande economista do MIT Robert Solow gracejou famosamente afirmando que tentativas de explicar por que alguns países crescem mais vagarosamente que outros acabam em “arroubos de sociologia amadora”. Provavelmente causas profundas impediram a China de continuar a crescer no ritmo anterior a 2008.

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Em qualquer caso, a China claramente não consegue sustentar algo próximo às taxas de crescimento do passado.

Mas crescimento mais lento não tem necessariamente de se traduzir em crise econômica. Conforme apontei recentemente, até mesmo o Japão, com frequência lido como um exemplo de alerta, desempenhou bem decentemente desde a diminuição no crescimento do início dos anos 90. Por que as coisas parecem tão tenebrosas na China?

Em um nível fundamental, a China padece do paradoxo da parcimônia, segundo o qual a economia pode sofrer quando os consumidores tentam poupar dinheiro demais. Se as empresas não estão dispostas a contrair empréstimos e então investir todo o dinheiro que os consumidores estão tentando poupar, o resultado é recessão. Essa recessão pode muito bem reduzir a quantidade de empresas dispostas a investir, então uma tentativa de poupar mais pode de fato reduzir o investimento.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, participam da foto da 15° cúpula do Brics  Foto: Gianluigi Guercia / AP

E a China tem um índice nacional de poupança incrivelmente alto. Por quê? Eu não estou certo se há um consenso a respeito das causas, mas um estudo do FMI argumentou que os principais motivadores são a baixa taxa de natalidade, portanto as pessoas não sentem que poderão confiar em seus filhos para sustentá-las na velhice, e a rede de seguridade social inadequada, portanto as pessoas também não sentem que podem confiar no apoio do Estado.

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Enquanto a economia foi capaz de crescer com extrema rapidez, as empresas encontraram maneiras úteis de investir essas poupanças. Mas esse tipo de crescimento agora é coisa do passado.

O resultado é que a China tem uma grande quantidade de enormes poupanças prontinhas para sair mas sem ter aonde ir. E a história das políticas chinesas têm sido de esforços cada vez mais desesperados de mascarar este problema. Por um tempo, a China manteve a demanda sustentando enormes superávits na balança comercial, mas isso arriscava uma reação protecionista. Então a China direcionou os excessos de poupança para uma monstruosa bolha imobiliária, que está estourando neste momento.

A resposta óbvia é estimular o gasto em consumo; fazer as empresas estatais compartilharem mais de seus lucros com os funcionários; fortalecer a rede de seguridade social; e, no curto prazo, o governo poderia simplesmente dar dinheiro às pessoas — mandar cheques, do mesmo modo que os Estados Unidos andaram fazendo.

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Então por que isso não está acontecendo? Vários relatos sugerem que razões ideológicas motivam a China a não fazer o óbvio. Até onde posso perceber, a liderança chinesa padece de uma estranha combinação entre hostilidade ao setor privado (simplesmente dar às pessoas a possibilidade de gastar mais diluiria o controle do partido); ambição irrealista (a China deve investir no futuro, não aproveitar a vida no presente); e uma espécie de oposição puritana a uma rede de seguridade social forte, com Xi condenando o “assistencialismo” capaz de erodir a ética do trabalho.

O resultado é uma paralisia nas políticas, com a China realizando esforços frouxos para impulsionar o mesmo tipo de estímulo orientado por investimento de que desfrutou no passado.

Nós devemos considerar a China um fracasso? É claro que não. A China é uma superpotência genuína, com enorme capacidade de ajeitar as coisas. Cedo ou tarde, ela provavelmente superará os preconceitos que minam suas políticas em reposta. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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