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É prêmio Nobel de Literatura. Escreve quinzenalmente.

Opinião | No Peru, traços de genocídio; leia coluna de Mario Vargas Llosa

Teorias do líder do Sendero Luminoso fizeram mais vítimas do que mostram os dados oficiais

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Atualização:

Volto ao Peru depois de meio ano e a grande novidade são os textos jornalísticos que publicam pelo país, de jornalistas acreditados ou improvisados. Muitos versam sobre o caso, realmente extraordinário, de Abimael Guzmán, fundador e dirigente máximo do Sendero Luminoso, movimento inspirado em Mao Tsé-tung, que quis aplicar as ideias do dirigente chinês na serra peruana.

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E não excluiu Lima, a capital do Peru, onde foram perpetrados muitos atentados desses rapazes jovens, seduzidos pela “quarta espada do marxismo”, como fazia-se chamar Guzmán, após Marx, Lenin e Mao Tsé-tung, e em absoluta correspondência com eles.

Quantos peruanos morreram como consequência das teorias deste gorducho fanático, casado duas vezes, dançarino contumaz e que aspirava ser o farol da revolução comunista na serra peruana? Estou convencido de que as teorias de Guzmán, direta ou indiretamente, causaram, com as aldeias destruídas e as selvagens represálias tomadas pelos “senderistas” contra as comunidades que demoravam em aderir à “revolução” em marcha, ou eram hostis a ela, e as ações da polícia e do Exército, muito mais vítimas do que as oficiais.

Abimael Guzmán após sua captura, em 1992: fundador do grupo terrorista Sendero Luminoso morreu na prisão, aos 86 anos, em 2021 Foto: Mariana Bazo/Reuters - 24/9/1992

Sempre me perguntei, em meio às bombas e aos assassinatos do Sendero Luminoso, quem aderia a estas ideias e à tese de Guzmán. Agora, pelo menos, isso está bastante claro. Eram senhoras de classe média, famílias raras e jovens frustrados, ou seja, gente farta da retórica que acompanha os movimentos comunistas, que, ansiando a ação direta, aderia às hostes de Guzmán, sem chegar a constituir uma massa uniformizada, como a aprista ou os inúmeros grupos chamados “marxistas”, que, vinculados a Moscou ou à China, se opunham às teses do fundador do Sendero.

A verdade é que estas teses não eram seguidas a não ser por minorias insignificantes de militantes, que a grande maioria deles rara vez tinha alguma consciência daquilo a que estava aderindo, o que, com certeza, não os livrou das torturas de uma polícia ou de um Exército que, até então, andavam desorientados também sobre a maneira mais eficaz de combater as “massas” de Guzmán.

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Segundo Carlos Paredes, um dos autores mais recentes que tenta explicar o “caso” de Guzmán, em seu livro, A hora final, a polícia desenvolveu, pouco a pouco, um sistema mais científico para seguir as pistas que Guzmán ia deixando em suas constantes mudanças em Lima.

Porque, ainda que ele tivesse sido professor na Universidade de Huamanga, quando se desataram as ações em acordo com suas convicções, o certo é que Guzmán, contrariamente ao que se disse, permaneceu em Lima e nunca pisou na serra, onde se colocava em prática suas teorias revolucionárias. Essa é uma das grandes revelações deste livro: contrariamente às suas teorias, Abimael ficou em Lima durante todos os ataques – ou melhor, assassinatos – que foram perpetrados em seu nome.

O que ocorreu por lá foi terrível, sem exagero. Para perceber isso é preciso ver alguns documentários, por exemplo os de Judith Vélez, que revelam a ferocidade da repressão que tinha lugar nessas paragens distantes da imprensa, em que se assassinava e torturava pelos que tinham aderido às teses de Guzmán e os ciumentos militantes dos comandos a seu serviço.

O chefe do Gein, grupo especial criado para a luta antiterrorista, que aparece em um dos documentários, diz que Guzmán era “um homem muito culto” e de “muitas leituras”. Eu não tenho a mesma impressão. Minha ideia de Guzmán é que se travava de um oportunista que, dado o fervor que o rodeava, entronizou e si mesmo como “a quarta espada do marxismo” e criou um estado quase religioso de adoração à sua personalidade, sobre o que muito poucos indivíduos se puseram a refletir.

De fato, todas as forças da esquerda peruana hesitaram muito em aderir às duas teses, e a grande maioria resistiu, classificando-as como “aventureiristas”, adjetivo que esta vez lhe correspondia rigorosamente.

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A razão pela qual Guzmán permaneceu muito tempo escondido e fora do alcance da polícia tem nome e sobrenome: uma jovem de boa família que se colocou a serviço de Guzmán e passou, graças a isso, 25 anos na cadeia.

Por ajudar Guzmán, a bailaria Maritza Garrido Lecca passou 25 anos na prisão; na imagem, ela é apresentada à imprensa no dia de sua prisão  Foto: Mariana Bazo/Reuters - 12/9/1992

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Refiro-me a essa jovem bailarina que, após ficar anos presa, viveu um tempo nos subúrbios de Lima e agora, aparentemente, vive no exterior: Maritza Yolanda Garrido Lecca. Ela alugou a casa em que Guzmán viveu escondido por meses ou anos, manteve uma escola de dança à que frequentaram muitas meninas de “boas famílias”, para que recebessem as aulas de balé de Maritza, e durante alguns meses ou anos Guzmán se abrigou lá, até que a polícia, após descobrir seu esconderijo o atacou e o destruiu.

Em um dos documentários de Vélez sobre a captura de Guzmán, ele tranquiliza um oficial que lhe aponta um revólver. “Tranquilo”, disse-lhe o líder senderista, “Vocês estão armados, e eu perdi. Fiquem tranquilos.”

Efetivamente, com aquela captura, o pesadelo que o Peru vivia terminou. E com seus incontáveis mortos, segundo meus cálculos, terminou-se a aventura sinistra que havia começado anos antes com cães pendurados nos postes de Lima, nos quais se insultava ninguém menos que o autor do desenvolvimento extraordinário da China, ou seja, o dirigente Deng Xiaoping.

Ele era acusado de vender a pátria de Mao ao imperialismo ianque. Sim, o colofão de mortos que prosperou no Peru nessa horrenda noite que durou vários anos foi este final trágico, digno de ser chamado de opereta.

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Que fim levou Maritza Garrido Lecca? Ela nunca falou, não explicou por que fez o que fez nem relatou os anos de prisão que cumpriu por tudo isso. Seu caso é único nos anais da revolução. Não costuma haver figuras tão discretas da suposta transformação de um país como em seu caso.

Salto intermediário

O Peru está melhor depois desse banho de horror que destruiu o mito de que este país era pacífico e, diferentemente de outras nações latino-americanas, estava livre da violência política?

A julgar pelos recentes acontecimentos, o Peru parece muito longe de ter alcançado a paz e a harmonia entre os seus cidadãos. Talvez o fato mais positivo que tenhamos a celebrar seja que o Exército, que apoiou Fujimori naquele golpe de Estado que suprimiu eleições livres – que ele havia ganhado, mas que não lhe bastaram, e ele pretendeu erigir-se como tirano –, desta vez se negou a apoiar os golpistas e depositou todo seu respaldo sobre o procedimento constitucional que levou ao poder a vice-presidente Dina Boluarte, um salto intermediário até que haja novas eleições.

Na última votação, diga-se de passagem, os peruanos levaram ao poder um dirigente quase analfabeto, que caiu depois de tentar um golpe de Estado que teria convertido o Peru em uma das piores anomalias latino-americanas de que se tem memória. Assim, vamos com uma vice-presidente que, segundo as cláusulas, representa uma fórmula que se enquadra nas leis vigentes e prometeu entregar o poder ao sucessor eleito pelos peruanos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO


*É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

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Opinião por Mario Vargas Llosa

É prêmio Nobel de Literatura

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