Opinião | Com a volta de Donald Trump à presidência, como fica a relação dos EUA com a China?

Para o trumpismo, a China se tornou um inimigo existencial que precisa ser combatido; ex-presidente promete aumentar tarifas comerciais contra chineses

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Por Feliciano de Sá Guimarães

A campanha de Trump deixou de forma clara que a China é o grande adversário dos Estados Unidos na ordem internacional. Para o trumpismo, a China se tornou um inimigo existencial que precisa ser combatido de todas as formas. De volta à Casa Branca, o objetivo do republicano é colocar pressão máxima nas arenas econômica e estratégica sobre Pequim. Desde o início, a campanha adotou uma postura de confrontação unilateral com Pequim.

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Para Trump, a China tem práticas econômicas desleais, como subsídios à exportação, roubo de propriedade intelectual, espionagem industrial e manipulação da moeda. Ele defende medidas duras crescentes contra a China como forma de proteger os empregos nos EUA e reduzir o elevado déficit comercial. Defende também pressão crescente sobre a China em Taiwan e no Mar do Sul da China.

A campanha de Trump é vigorosamente anti-China. O mais influente think tank conservador americano, Heritage Foundation, produziu um influente documento, intitulado Mandate for Leadership – a conservative project, sobre o que seria um novo governo Trump no qual a palavra China é mencionada incríveis 481 vezes. O documento revisa todas as políticas domésticas e internacionais dos EUA e em todos os capítulos, da educação à defesa, a China aparece como adversário existencial. A Rússia aparece 108 vezes e o Brasil apenas duas.

O texto síntese do projeto argumenta que por 30 anos, os líderes políticos, econômicos e culturais dos Estados Unidos abraçaram e enriqueceram a “China comunista e seu Partido Comunista genocida”, enquanto enfraqueciam a base industrial americana. Na percepção dos autores, o comércio irrestrito com a China foi uma catástrofe para o país e todos os meios devem ser utilizados para reverter esse processo. É muito provável que muitos autores deste documento se tornem membros do governo Trump.

Imagem mostra ex-presidente e candidato republicano Donald Trump durante comício na Carolina do Norte, no dia 22 de outubro. Trump promete aumentar tarifas comerciais contra China, caso eleito Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Ao longo da campanha, Trump afirmou que seu governo buscou ter políticas que eliminassem totalmente a dependência dos EUA em relação à China em setores essenciais, como eletrônicos, aço e produtos farmacêuticos. Durante seu primeiro mandato, ele iniciou uma guerra comercial contra a China, impondo tarifas médias de 18% sobre centenas de bilhões de dólares em produtos chineses, e mencionou que, se reeleito, poderia triplicar essas taxas. Ele também sugeriu que, se reeleito, revogaria o status de “nação mais favorecida” da China, concedido pelos EUA quando o país ingressou na OMC em 2001. Ele propôs um plano de quatro anos para diminuir as importações de bens essenciais da China. Em 2018, Trump apoiou uma reforma que ampliou os poderes dos reguladores dos EUA para revisarem aquisições estrangeiras por países como a China e bloqueou várias tentativas de empresas chinesas de comprarem companhias de tecnologia americanas. Trump não terá nenhuma restrição a buscar uma efetiva desconexão (decoupling) da economia dos EUA em relação à China. A guerra comercial entre as duas potências será facilmente aprofundada.

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É certo que Trump recorreu ao seu histórico contra a China para angariar votos dos eleitores de Estados afetados diretamente pela competição chinesa. Nos EUA, ser anti-China dá muitos votos e ser brando com os chineses é receita de fracasso eleitoral. Nesse sentido, Trump é conhecido por ser imprevisível. A imprevisibilidade do americano, aliada à estratégia de pressão máxima, poderá colocar a China em situações extremamente difíceis, tornando Trump a opção menos desejável para os chineses. Para uma parte dos eleitores americanos, a percepção chinesa de que Trump será mais duro que Harris o ajudou eleitoralmente.

A primeira presidência Trump trouxe algumas das mudanças mais dramáticas nas posições e atitudes dos EUA em relação a Taiwan, como a revogação repentina das regras do governo americano que proibiam interações entre diplomatas americanos e taiwaneses. Em 2016, Trump se tornou o primeiro presidente ou presidente eleito dos EUA desde 1979 a falar diretamente com o líder de Taiwan. Ele aumentou as patrulhas navais americanas no Estreito de Taiwan e incentivou a venda de armas à ilha, mas declarou que Taiwan deveria custear parte dessa proteção.

Trump reforça uma postura anti-China que ressoa entre eleitores americanos diretamente impactados pela concorrência econômica chinesa e pelo medo da perda da predominância americana no mundo

Trump também se reuniu com representantes dos uigures, minoria muçulmana da China, e sancionou uma lei que pune autoridades chinesas envolvidas nos abusos contra o grupo. Em julho de 2020, a administração Trump anunciou que rejeitaria a maioria das reivindicações territoriais da China no Mar do Sul da China, referindo-se às ações de Pequim como uma campanha de intimidação nas águas em disputa.

Em suma, o que se pode notar é um conjunto de iniciativas estratégicas e econômicas unilaterais que buscam aumentar substancialmente a pressão sobre a China. Essa postura se traduz em propostas de políticas rígidas, como tarifas comerciais, um plano para reduzir importações essenciais e eliminação da dependência americana em setores estratégicos. Sem dúvida, Trump reforça uma postura anti-China que ressoa entre eleitores americanos diretamente impactados pela concorrência econômica chinesa e pelo medo da perda da predominância americana no mundo.

Opinião por Feliciano de Sá Guimarães

Professor livre-docente do Instituto de Relações Internacionais da USP

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