Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, tenta unir esquerda na França para chegar à presidência

Carismática e polêmica, a socialista busca cargo que foi ocupado por oito presidentes do sexo masculino em seis décadas

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Por Roger Cohen
Atualização:

BLOIS, França - Os socialistas franceses se reuniram recentemente no Vale do Loire para um fim de semana de debates que se transformou na virtual unção de Anne Hidalgo, a carismática prefeita de Paris, como a candidata para a eleição presidencial do próximo ano.

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Reunidos no pátio do Chateau de Blois, vários oradores dirigiram-se a Hidalgo para dizer que sonhavam com uma "madame la Présidente", enfatizando a última sílaba acentuada com "e" que denota a forma feminina. Até agora, a Quinta República contou com oito presidentes do sexo masculino em seis décadas.

Essa não é a única estatística acumulada contra Hidalgo, de 62 anos, que lançou sua candidatura neste domingo.

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, durante a tradicional 'Fete de l'Humanite', em La Courneuve Park, no norte de Paris. Foto: Lucas Barioulet/ AFP

"Hoje, eu estou pronta. Por isso, humildemente, decidi ser candidata à Presidência da República francesa para oferecer um futuro a nossas crianças, todas as crianças", disse ela. "Nós devemos reinventar nosso modelo francês fragilizado por múltiplas crises."

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A maioria das pesquisas mostra que a esquerda francesa, dividida entre socialistas, ecologistas e partidos de extrema esquerda, conta com menos de 30% dos votos em uma França que caminha para a direita. A outrora orgulhosa "gauche" [esquerda em francês] está em frangalhos.

Seu último livro, "Uma mulher francesa", será publicado no próximo dia 15 de setembro. Perguntei a Hidalgo quando ela anunciaria sua candidatura. "Eu acredito em bases sólidas e estou trabalhando nisso", disse Hidalgo. "Se a base for sólida, a casa se levanta."

Não está claro se a candidatura de Hidalgo pode galvanizar a esquerda e abrir espaço para uma eleição em que Emmanuel Macron, o presidente de centro, e Marine Le Pen, a candidata da extrema direita, permaneçam como favoritos.

Filha de imigrantes espanhóis pobres, produto do modelo francês de integração que agora é amplamente questionado, e uma ambientalista cujas políticas favoráveis às bicicletas e hostis aos carros lhe renderam adulação e repulsa em igual medida, Hidalgo tem influência e reconhecimento internacional.

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Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, é um amigo. Ela também é próxima do ex-presidente Lula, que recepcionou em fevereiro de 2020 para lhe conceder o título de cidadão honorário em Paris. Meses antes, Hidalgo inaugurou um jardim em homenagem à política e ativista de direitos humanos brasileira Marielle Franco, assassinada em 2018.

Nas províncias, porém, ela é relativamente desconhecida. O sentimento de "la France profonde", ou a alma rural do país, é uma credencial importante para qualquer candidato. Jacques Chirac, que primeiro foi prefeito de Paris e depois presidente, fez muito de suas conexões com a região de Corrèze, no Sudoeste do país.

Carole Delga, a popular presidente socialista da região da Occitânia, chamou Hidalgo, que é prefeita de Paris desde 2014, de "uma capitã sólida" da esquerda. Olivier Faure, o líder do Partido Socialista que tem a tarefa de reconstruí-lo após uma derrota humilhante na eleição presidencial de 2017, deixou claro que Hidalgo é sua escolhida. Ele exortou a multidão em Blois a relembrar o "fervor de 1981" que levou François Mitterrand e a esquerda ao poder pela primeira vez na Quinta República.

Divisão e divergências internas

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Mas, a apenas oito meses antes da eleição de abril de 2022, a esquerda precisará de um aumento repentino de entusiasmo e unidade se quiser ter alguma chance de vitória. Sem saber como lidar com a preocupação francesa com segurança e imigração, e enfrentando uma fratura geracional sobre a questão identitária, a desorganização da esquerda permitiu que Macron se inclinasse para a direita em busca de votos.

"Divisão é perda", disse Benoît Hamon, que obteve apenas 6,36% dos votos como candidato do Partido Socialista em 2017. "Não estaremos no segundo turno das eleições presidenciais se não houver um único candidato de esquerda."

Nem todos concordam. Eles incluem Jean-Luc Mélenchon, líder da extrema esquerda do França Insubmissa; alguns líderes verdes, como Yannick Jadot e Eric Piolle; e os socialistas irritados com o que consideram esforços para anunciar Hidalgo antes das primárias do partido, que começam em 18 de setembro. Por enquanto, ninguém mostrou muita inclinação para se afastar da disputa.

Os verdes ficaram furiosos quando Faure, o líder socialista, sugeriu que eles tinham um "teto" eleitoral que tornaria qualquer candidato presidencial ambientalista inelegível.

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Como François Hollande, o ex-presidente socialista, disse recentemente: "Não é a unidade que cria poder, é o poder que cria a unidade". Por enquanto a esquerda parece desprovida do ímpeto ou convicção para conseguir mais poder. Daí, ao que parece, o impulso socialista para investir em Hidalgo e mudar esse panorama.

"Somos todos parte da mesma família", disse Piolle, prefeito de Grenoble e potencial candidato à Presidência. "Mas a crise climática e as questões identitária nos afastaram."

A disputa chegou ao seu limite em vários temas, incluindo a decisão de um sindicato estudantil francês de realizar reuniões "não mistas" para que grupos específicos - negros ou muçulmanos, por exemplo - pudessem expressar suas opiniões.

Mélenchon, o líder da extrema esquerda, não viu nenhum problema. Julien Bayou, secretário nacional do Partido Verde, chamou as reuniões de "úteis e necessárias". Mas Manuel Valls, ex-primeiro-ministro socialista, disse à rádio Europe 1 que "quando você organiza reuniões racializadas, você legitima o conceito de raça, e isso é inaceitável".

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Danièle Obono, uma legisladora negra da França Insubmissa, disse que Valls era "um traidor absoluto" da esquerda. "A laicidade francesa é algo que deve ser debatido", afirmou, em referência ao modelo secular francês.

Em Blois, Hidalgo mostrou quais serão claramente os temas centrais de uma eventual campanha: a urgência de uma transformação que gere empregos para enfrentar as mudanças climáticas e a luta contra um grau de "desigualdade que leva as pessoas a perderem a fé nas instituições da República". "Uma criança hoje não teria as mesmas chances que eu tive", afirmou.

Novos ventos

Hélène le Roux, funcionária pública, tem sentimentos contraditórios em relação a Hidalgo. "Gosto da ideia de a esquerda ser representada por uma mulher em um país ainda muito paternalista e machista. Mas não tenho certeza se ela tem presença política em todo o país, e sua imagem é de centro-esquerda."

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Se os desafios da esquerda parecem assustadores, talvez não sejam insuperáveis. Oito meses antes da eleição de 2017, as chances de Macron pareciam remotas. Hidalgo, aliando-se aos Verdes, derrotou um candidato do partido de Macron para ser reeleita em Paris em 2020.

A longa pandemia da covid-19 e os problemas econômicos que a acompanham parecem ter criado um interesse maior por um Estado forte na Europa e nos Estados Unidos. O apoio à solidariedade social sobre o capitalismo global irrestrito está crescendo. Olaf Scholz, o candidato social-democrata, é um dos principais candidatos nas eleições alemãs deste mês. Nas eleições regionais francesas em junho, os socialistas tiveram um bom desempenho.

Ainda assim, "a França hoje está totalmente à direita", ressaltou Philippe Labro, autor e cientista político. "Terrorismo, insegurança, medo e a percepção de uma imigração desenfreada empurraram o país nessa direção. A esquerda não teve uma resposta clara, nem Hidalgo, nem ninguém."

O Chateau de Blois é notável na história da França porque foi lá que, em 1429, Joana d'Arc recebeu uma bênção antes de derrotar os ingleses em Orléans. O nome dela vem à tona, é claro, enquanto os socialistas franceses parecem dispostos a colocar sua fé em uma mulher que enfrenta uma campanha difícil e estatísticas improváveis.

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