O desgaste do governo Alberto Fernández já aparece nas pesquisas eleitorais da Argentina e leva a mudanças no comportamento do presidente peronista e sua vice, Cristina Kirchner. Ainda sem ter a pré-candidatura à reeleição definida, Fernández se reuniu com Cristina nesta quarta-feira, 01.º de março, enquanto vê a oposição crescer nas intenções de voto.
A última vez em que o presidente e a vice haviam se encontrado foi há seis meses, quando ele a visitou após a tentativa de homicídio que Cristina sofreu em frente a sua casa. Nesta quarta, os dois ficaram lado a lado durante a abertura das sessões ordinárias do Congresso.
No início de seu discurso, Fernández quebrou um pouco a tensão e sinalizou uma trégua. “Fui eu, com moderação, que consegui vacina para todos os argentinos. Fui eu quem esteve ao lado de Lula e Evo Morales. Fui eu que estive ao lado de Cristina enquanto ela é perseguida injustamente”, afirmou o presidente argentino, pedindo celeridade da Justiça no caso de tentativa de homicídio contra Cristina.
“A mensagem do presidente teve duas partes. A primeira foi uma resposta às críticas que sofreu internacionalmente sobre sua posição em determinados assuntos e a segunda foi um gesto a Cristina, de aproximação. Ele fez uso da narrativa kirchnerista ao criticar os meios de comunicação, a justiça, usou um tom que é mais habitual ouvirmos da vice-presidente”, explica o analista político Gustavo Marangoni.
A relação entre Fernández e Cristina não é boa desde o início do mandato, mas agora o peronismo mira as eleições de outubro e vê seus adversários, principalmente Mauricio Macri, subirem nas pesquisas de intenção de votos. Por isso, a trégua é o único caminho para tentar reverter a baixa popularidade em decorrência da crise econômica e evitar que a oposição passe a ocupar a Casa Rosada.
“Aproximação entre eles não existe. O fato é que também não existe uma ruptura formal, mas a confiança entre eles está muito debilitada, a relação entre eles é muito fria. Hoje apareceram em público juntos em um ato formal, por força da institucionalidade. Mas eles não rompem a coalizão porque sabem que isso significa a vitória da coalizão opositora, ‘Juntos por el Cambio’”, avalia o analista político Andres Fidanza.
Fernández não deixou claro ainda se vai concorrer à reeleição. Seu mandato terminará em 10 de dezembro e ele disse estar “disposto” a buscar a reeleição pelo peronista Frente de Todos, mas ainda não formalizou a pré-candidatura.
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Em sua mensagem nesta quarta, tampouco sinalizou algo a esse respeito. “Acredito que o propósito foi diminuir a distância e o enfrentamento interno com o kirchnerismo”, diz Marangoni.
Para o analista, no entanto, qualquer indicação de que o atual presidente pretenda não concorrer “é uma prova de que algo não está bem”. “O peronismo é uma força, por natureza, vertical. Em 2011, 2015 e 2019, o peronismo nunca teve mais de um candidato nas primárias.”
Dificuldades da oposição
Mas se o peronismo enfrenta problemas, a oposição também tem desafios até as eleições. Para analistas, o crescimento de Macri não indica necessariamente que ele será o candidato presidencial e a oposição precisa escolher entre os dois discursos que vem apresentando: um mais radical e outro mais conciliador.
Rodríguez Larreta Hours, o atual prefeito de Buenos Aires, se lançou na semana passada na corrida presidencial para disputar a candidatura da coalizão de oposição de centro-direita ‘Juntos por el Cambio’ nas primárias de agosto.
“Larreta já sinalizou aos moderados e aos mais linha dura. Ele fala em condenar as ditaduras latino-americanas, a invasão russa à Ucrânia, mas também precisa falar com o setor que pede acordos para ver o país avançar”, afirma Marangoni.
Nesse contexto, Macri pode se viabilizar como candidato ou como um “arquiteto da oposição”, alternativa, neste momento, mais crível segundo os analistas.
“O Macri foi muito criticado quando esteve no poder e ele não se reelegeu, deixou um país com inflação e recessão. Agora,comparando com o que veio depois, alguns relativizam e dizem que ele não foi tão mal. Mas seu crescimento não é sólido. Ele é, neste momento, a figura da oposição mais clara, mas tem também um índice de rejeição alto que pode impedir uma competitividade na eleição”, afirma Fidanza.
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