Países árabes — de Emirados Árabes Unidos e Omã a Jordânia e Egito — têm tentado há meses conter a guerra entre Israel e o Hamas, especialmente depois que o conflito se ampliou, incluindo grupos armados apoiados pelo Irã e inseridos profundamente no mundo árabe. Alguns deles, como os houthis, também ameaçam governos árabes.
Mas o ataque com mísseis e drones contra Israel no fim de semana, que colocou toda a região em alerta, tornou uma nova realidade inevitável: ao contrário de conflitos israelo-palestinos do passado — e até entre Israel e Líbano, ou Síria — a atual guerra não para de se expandir.
“Parte da razão dessas guerras não se expandirem se deveu a elas não serem confrontos diretos entre Israel e Irã”, afirma Randa Slim, pesquisadora-sênior do Middle East Institute, em Washington. “Mas agora estamos entrando nesta era de um confronto direto entre Israel e Irã — que poderia arrastar a região para um conflito capaz de envolver os EUA. Agora o prospecto de uma guerra regional estará na mesa o tempo todo.”
No momento, a única força exercendo contrapeso é o desejo tanto dos EUA quanto de seu antigo algoz Irã evitarem a ampliação do conflito, afirmou Joost Hiltermann, diretor do programa para Oriente Médio e Norte da África do International Crisis Group.
“Estou feliz com o fato de que os únicos que querem uma guerra são Israel e o Hamas”, afirmou ele. “Os iranianos ainda estão conversando com os americanos”, disse, referindo-se a mensagens trocadas nos dias recentes entre EUA e Irã por intermediários como Suíça e Omã.
A mensagem do Irã, afirmou Hiltermann, deixou claro que Teerã quis fazer uma demonstração de poder, não expandir a guerra. “Eles disseram, ‘Haverá um ataque, mas o manteremos limitado’.”
Ainda assim, para cidadãos de países árabes, muitos dos quais assistiram às dezenas de drones e mísseis atravessando os céus no sábado, declarações de desejos de evitar uma guerra maior motivam uma tênue esperança na qual fiar seu futuro. Expressões de consternação em razão do ataque ficaram evidentes em muitos comentários públicos e privados, apesar de outros terem celebrado.
Autoridades e analistas na região opinaram variadamente sobre o ataque do Irã poder motivar países com relações antigas com os EUA a pressionar por um envolvimento ainda maior — e garantias de segurança — de Washington ou se distanciar, exceto se forem atacados por Teerã.
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A maioria instou a desescalada em termos contundentes. As únicas exceções no mundo árabe foram o norte do Iêmen, cujo governo de fato dos houthis é próximo ao Irã, e o Líbano, lar do Hezbollah, o grupo armado apoiado por Teerã.
Omã afirmou que é crucial alcançar um cessar-fogo imediato na guerra entre Israel e Hamas que se arrasta há seis meses na Faixa de Gaza. O Kuwait “enfatizou a necessidade de tratar das causas primordiais” dos conflitos na região.
E a Arábia Saudita, que tem tentado cultivar laços relativamente calorosos com o Irã desde que os dois países restabeleceram relações diplomáticas, no ano passado, afirmou que “se preocupa profundamente” a respeito das perigosas implicações da escalada militar na região. Uma declaração da chancelaria saudita pediu que todos os envolvidos “exerçam o máximo de comedimento e protejam a região e seu povo dos perigos da guerra”.
Mesmo antes do ataque liderado pelo Hamas contra Israel que desencadeou a guerra em Gaza, em 7 de outubro, países árabes vinham ajustando suas relações geopolíticas. Sua preocupação era não poder mais contar com um governo americano com foco cada vez maior sobre a Ásia conforme grupos armados apoiados pelo Irã vinham se tornando cada vez mais ativos.
A sensação de incômodo dos líderes árabes só fez aumentar com o ataque de Israel a Gaza, que os EUA defenderam mas os cidadãos americanos consideraram abominável, afirmou Renad Mansour, pesquisador-sênior do programa para Oriente Médio e Norte da África da Chatham House.
Para a Arábia Saudita isso significou forjar uma relação diplomática com o Irã apesar dos antagonismos profundos entre os países e dos ataques iranianos contra infraestruturas sauditas até 2019. A aproximação entre Riad e Teerã foi facilitada pela China, que recentemente tem trabalhado para expandir sua influência na região. Muitos países árabes se voltaram para Pequim em busca de relações comerciais e diplomáticas.
Então a guerra em Gaza começou, arrastando os Estados do Golfo, juntamente com Egito e Jordânia, mais diretamente para o centro da dinâmica de um conflito que os países quiseram desesperadamente evitar.
Agora, a Jordânia viu-se derrubando mísseis iranianos — e depois sendo acusada de defender Israel. O ataque militar israelense contra Gaza, com frequência acusado de ser indiscriminado, matou mais de 30 mil palestinos, mais de dois terços mulheres e crianças. Cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas em Israel no ataque do Hamas.
No domingo, o governo da Jordânia foi duramente criticado tanto domesticamente quando em vizinhos árabes por ter derrubado pelo menos um dos mísseis iranianos a caminho de Israel. O ex-ministro jordaniano de Informações Samih al-Maaytah defendeu a decisão.
“O dever da Jordânia é proteger suas terras e seus cidadãos”, afirmou Al-Maaytah. “O que a Jordânia fez ontem foi simplesmente proteger seu espaço aéreo.”
Ele também disse que “a posição da Jordânia nesse conflito é que ele ocorre entre duas partes, por influência e interesses: Irã e Israel”.
Ainda que as exportações de petróleo dos países do Golfo tenham sido em grande medida poupadas dos ataques, já que são transportadas através do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho, os ataques dos houthis nessa rota — ligados à guerra em Gaza — fazem aumentar custos e colaboram para elevar a tensão.
Ainda é incerto se o conflito entre Israel e Irã tensionará ainda mais os laços relativamente novos entre Israel e alguns países árabes. Desde que a guerra em Gaza começou, essas relações esfriaram, mas parece que nenhum governo árabe que forjou relações recentemente com Israel está disposto a abandoná-las inteiramente.
Dois dos países que assinaram os Acordos de Abraão normalizando relações com Israel em 2020 — Emirados Árabes Unidos e Bahrein — impediram a transações comerciais ou se distanciaram publicamente de Israel em algumas ocasiões desde que a guerra em Gaza começou. E a Arábia Saudita, que estava explorando a possibilidade de uma normalização diplomática com Israel, tem insistido que qualquer acordo requererá a criação de um caminho “irreversível” para um Estado palestino, uma perspectiva improvável no atual ambiente político em Israel.
Esse distanciamento tende a continuar, afirmam analistas, mas até aqui nenhum país cortou relações com Israel nem, no caso da Arábia Saudita, as descartou por completo.
Uma razão para a Arábia Saudita ter permanecido aberta para uma futura relação com Israel é que agora, mais que nunca, os sauditas esperam uma garantia de segurança dos EUA na eventualidade de um ataque iraniano, afirmou Yasmine Farouk, pesquisadora não residente do Fundo Carnegie para a Paz Internacional, um grupo de análise em Washington.
“A Arábia Saudita quer para si exatamente o que os países ocidentais sob liderança dos EUA fizeram para proteger Israel ontem”, afirmou Farouk.
A pesquisadora acrescentou que apesar do histórico saudita de inimizade com o Irã o endurecimento da opinião pública saudita contra Israel e EUA em razão da guerra em Gaza está alterando os cálculos dos líderes sauditas. O foco deles agora é pressionar Washington a fazer Israel parar a guerra.
Talvez o desdobramento mais marcante na região seja a crescente iniciativa de alguns países árabes em ser parte da formulação de soluções diplomáticas para evitar ver a região descambar para uma guerra maior. Países árabes participaram de uma cúpula em Riad em novembro para debater a respeito da melhor maneira de usar sua influência para fazer o conflito cessar.
Catar e Omã têm sido cada vez mais ativos nos bastidores na busca de um cessar-fogo em Israel e no sentido de renovar esforços diplomáticos entre Irã e EUA para evitar a irrupção de um conflito mais amplo e desestabilizador.
As relações próximas do Catar com Hamas, Irã e EUA tornou seus ministros e altas autoridades cruciais no vaivém diplomático. E Omã tornou-se o vetor de mensagens entre Washington e Teerã. Nos dias recentes, os americanos se comunicaram com os iranianos por meio de mensagens encaminhadas por Omã e pela Suíça, de acordo com uma alta autoridade de segurança no Iraque e uma autoridade do governo dos EUA em Washington, que conversaram com a reportagem sob condição de anonimato por não estarem autorizadas a falar publicamente.
A nova dúvida, afirmou Slim, do Middle East Institute, é qual país pode desempenhar a função de intermediário e negociador entre Israel e Irã. “As regras mudaram, os limites mudaram, e as partes precisam ser capazes de se comunicar”, disse. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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