O linha-dura Tareck El Aissami era considerado um dos homens mais poderosos do regime, foi confidente e vice de Nicolás Maduro (2017-2018), mas terminou detido nesta terça-feira, 9. Investigado por corrupção, ele renunciou ao cargo de ministro do Petróleo há cerca de um ano e estava sumido desde então, até que apareceu algemado.
As imagens da prisão foram divulgadas pelo procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, um chavista radical. “O objetivo e a finalidade dessa máfia, chefiada por Tareck El Aissami, não eram outros senão implodir a economia nacional”, disse em entrevista coletiva. “Esses canalhas terão punição exemplar”, enfatizou.
Com a “punição exemplar” o chavismo reforça o discurso de combate à corrupção para o público interno ao mesmo tempo em que tenta passar para fora da Venezuela a imagem de que a lei também se aplica ao governo, depois de fechar o cerco à oposição.
“Existe um sentimento de mal estar na sociedade venezuelana pela debacle econômica dos últimos anos no país que já teve uma economia pujante, o que explica pessoas ligadas ao governo estarem sendo implicadas nessas denúncias da mesma forma que a oposição tem sido enquadrada pela procuradoria-geral em casos de corrupção”, afirma a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Carolina Pedroso.
A principal líder da oposição, María Corina Machado, por exemplo, está impedida de ocupar cargos públicos por 15 anos. A justificativa? “irregularidades administrativas” quando foi deputada e uma “uma trama de corrupção” referente ao período em que Juan Guaidó foi reconhecido por mais de 50 países, incluindo o Brasil, como presidente da Venezuela.
Depois de prometer eleições livres e justas por meio dos Acordos de Barbados, que abriram o caminho para o relaxamento das sanções americanas, Nicolás Maduro deixou claro que as promessas não seriam cumpridas. A inabilitação de Corina Machado foi mantida; a substituta Corina Yoris foi impedida de se registrar e alguns dos principais assessores da campanha foram presos.
Com a escalada, os Estados Unidos reimpuseram sanções e até governos de esquerda mais simpáticos a Maduro, como o de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, e o de Gustavo Petro, na Colômbia, criticaram o regime chavista.
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“Considerando a conjuntura específica desta eleição, em que a Venezuela tenta se credibilizar na comunidade internacional, essas prisões ganham um significado muito maior, pois seriam casos concretos de que o peso da lei recai também sobre pessoas ligadas ao governo”, explica Carolina Pedroso.
Além de Tareck El Aissami, também foram detidos nesta terça o ex-ministro da Economia Simón Alejandro Zerpa e o empresário Samar José López. Eles vão responder por traição, apropriação indevida ou desvio de bens públicos e lavagem de dinheiro, entre outros crimes.
O esquema denunciado pela procuradoria-geral envolve a venda de petróleo da PDVSA, a estatal petrolífera venezuelana, por meio de criptoativos. Segundo relatos da imprensa, teriam sido desviados 15 bilhões de dólares (cerca de R$ 75 bilhões).
O chavismo tentou contornar as sanções impostas dos Estados Unidos com os criptoativos e, em 2018, lançou o petro, criptomoeda lastreada em petróleo. Na época, sob o comando de Donald Trump, Washington impôs duros embargos a Caracas, que atingiram inclusive Nicolás Maduro depois de eleições contestadas.
“Na época do lançamento do petro, havia grande ceticismo até dentro do governo, pois era visto como um plano mirabolante que não enfrentava as causas reais da crise venezuelana: a alta dependência do petróleo e a incapacidade de evitar os casos de corrupção”, lembra Carolina Pedroso.
Ao invés de diversificar a economia, a Venezuela continuou insistindo em lastrear a economia no petróleo. Com as limitações que as criptomoedas tem na economia real, a desvalorização do bolivar e o impacto das sanções, o petro fracassou e foi interrompido no começo do ano.
Na PDVSA, a tentativa de burlar as sanções e o esquema com criptoativos estão no centro do escândalo de corrupção, que havia levado a prisão de 61 funcionários públicos, políticos e empresários na primeira fase da operação, há cerca de um ano.
Na ocasião, Tareck El Aissami entregou o cargo de ministro do Petróleo e sugeriu que apoiava o processo. Desde então, ele não era visto em público ou se manifestava nas redes sociais até ser preso nesta terça. A renúncia, como mostrou o Estadão, expôs o racha entre os reformistas e os linha-dura, como Aissami, na disputa interna do chavismo sobre os rumos da economia venezuelana.
Quando a estatal teve de buscar intermediários em outros países para exportar esse petróleo e comprar produtos que se tornavam escassos pela falta de dólares, Aissami, de origens sírias, intermediou contatos no Irã e na Turquia. Foram esses contratos que entraram na mira da vice-presidente Delcy Rodríguez, da ala reformista, depois que uma auditoria interna revelou o rombo na PDVSA.
Antes deste escândalo, a estatal esteve envolvida em outras investigações por corrupção, que atingiram três ex-ministros do Petróleo. Rafael Ramírez, que era uma figura próxima a Hugo Chávez, está foragido na Itália; Eulogio del Pino e Nelson Martínez, foram detidos. Este último morreu sob custódia em 2018.
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