Com tensões eleitorais, democracia da Guatemala passa por momento crítico

Nove partidos políticos contestaram o processo eleitoral da Guatemala. Revisão dos votos não muda resultado das eleições, mas atitude do oficialismo preocupa a oposição

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Atualização:

Comovida por uma onda de confusão eleitoral, a Guatemala enfrenta uma série de tensões políticas que colocam em xeque o seu processo democrático. As eleições presidenciais realizadas no último 25 de junho confirmaram um segundo turno na disputa pelo governo entre Sandra Torres, ex-primeira-dama de perfil conservador, e Bernardo Arévalo, um outsider da política guatemalteca que lidera o Movimento Semilla, de viés social-democrata. Contudo, a corrida pela oficialização dos resultados teve um giro inesperado.

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No último domingo, 2, nove partidos políticos — incluindo o de Torres — denunciaram supostas falhas e inconsistências nos resultados desta eleição e, como resposta, a Corte Constitucional do país centro-americano ordenou que todos os setores eleitorais repetissem as auditorias da contagem de votos e verificassem os dados das atas de cada seção.

Na noite de quinta-feira, 6, no entanto, a revisão da contagem de votos que paralisou o processo eleitoral deste país — e que contou com observadores internacionais da Organização dos Estados Americanos (OEA) — chegou ao fim, alterando de forma pouco significativa os resultados da votação. As correções representam variações menores que 0,5 % dos resultados anteriores.

Pessoas comemoram os resultados da eleição nacional do lado de fora do Palácio Presidencial, na Cidade da Guatemala, em 26 de junho de 2023. Foto: LUIS ACOSTA / AFP

Torres, que havia ficado em primeiro lugar com 15,8%, alegava que os votos haviam sido manipulados, enquanto, Arévalo, que surpreendeu a classe política após receber 11,7% dos 5,5 milhões de votos válidos, denunciava a carência de mérito legal no pedido de revisão das atas eleitorais. A medida da Corte Constitucional recebeu diversas críticas internacionais, inclusive da União Europeia e de Washington, que afirmaram não haver indícios de problemas nos resultados divulgados pelo Tribunal Supremo Eleitoral.

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Movimentos de oposição acreditam que forças oficialistas estão tentando evitar uma possível vitória de Arévalo no segundo turno, quem analistas consideram ter captado o voto dos cidadãos insatisfeitos com a corrupção generalizada na Guatemala e com o autoritarismo de Alejandro Giammattei, o atual presidente, que é acusado de intimidar inimigos políticos e exiliar jornalistas e ativistas pelos direitos humanos.

Na noite da quinta-feira, o Itamaraty publicou um comunicado afirmando que acompanha com atenção “o processo eleitoral em curso na Guatemala”. No comunicado, o Ministério das Relações Exteriores disse que toma nota das conclusões dos observadores internacionais enviados ao país centro-americano pela OEA, “que avaliou que eventuais irregularidades alegadas em alguns locais de votação constituem casos isolados, incapazes de alterar o resultado das urnas”.

“Em conformidade com Carta da OEA, bem como com sua Carta Democrática, o governo brasileiro reafirma que a democracia representativa é elemento indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região”, conclui a nota.

Interesses políticos e a deslegitimação do sistema

“A ação desses partidos políticos, que são a caixa de ressonância do oficialismo na Guatemala, foi causada fundamentalmente pelo medo”, afirma Renzo Rosal, cientista político guatemalteco, em entrevista ao Estadão. Para Rosal, o cenário em que um candidato como Arévalo possa chegar à presidência da República compromete os interesses de indivíduos ligados ao status quo do país, e o temor pela possível perda de impunidade e de benefícios do governo é o motivo principal pelo qual “certos agentes políticos estão buscando impedir de alguma forma a realização do segundo turno das eleições, e impedir que os resultados se tornem oficiais”.

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“Trata-se de uma estratégia política de quem busca dar continuidade à situação atual do país”, diz ele.

Em entrevistas recentes, o líder de Semilla, partido que foi fundado em 2017, tem afirmado que o governo quer remover ele da disputa eleitoral. À Reuters, Arévalo disse nesta quinta-feira que temia que “a classe política corrupta” pudesse tentar atrasar o segundo turno das eleições até 14 de janeiro, prazo que, de acordo com a constituição da Guatemala, proporciona poder ao atual Congresso para nomear um novo presidente, caso ainda não tenha sido eleito.

Apoiadores do candidato presidencial guatemalteco do partido Movimiento Semilla, Bernardo Arevalo, comemoram os resultados da eleição nacional do lado de fora do Palácio Presidencial, na Cidade da Guatemala, em 26 de junho de 2023.  Foto: Esteban Biba / EFE

“Essa classe política corrupta está enfrentando uma realidade: (meu partido) tem uma chance de vencer e isso significa que eles vão perder o controle total do sistema”, afirmou ele.

Tanto o governo atual quanto partidos políticos contrários a Arévalo negam estas acusações.

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De acordo com Rosal, a pressão da sociedade está direcionada agora para que o Tribunal Supremo Eleitoral, tendo finalizado a fase de revisão, possa declarar oficialmente encerrado o primeiro turno das eleições, oficializar quais são os dois partidos que vão concorrer à presidência e confirmar a data de 20 de agosto para a realização do segundo turno.

Na Guatemala, o voto nulo foi a opção mais popular nas eleições recentes, representando 17,4% dos votos válidos. Em 2019, o voto nulo representou 4,12% do total.

“Há um altíssimo nível de insatisfação na Guatemala, que não é novo, mas que tem adquirido uma maior amplitude nos eventos eleitorais de 2015, 2019 e deste 2023″, afirma Rosal. “É uma insatisfação geral com fenômenos como a corrupção, que tem aumentado escandalosamente no país. E essa insatisfação hoje não é manifestada nas ruas, mas é manifestada de forma eleitoral, com o voto nulo e com o voto em um candidato que não estava no ‘radar’”.

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