Com vitória de Milei, como fica o futuro do peronismo, de Massa e Cristina Kirchner?

Movimento peronista sofreu sua pior derrota em 40 anos, mostrou nestas eleições que pode estar enfraquecido, mas ainda é uma força política capaz de destruir seus opositores e se manter vivo apesar dos maus resultados

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Foto do author Carolina Marins

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Pela primeira vez desde a redemocratização, a Argentina não será governada por um peronista ou por sua oposição dos partidos Proposta Republicana (PRO) e União Cívica Radical (UCR). O libertário Javier Milei conseguiu romper a barreira da política tradicional, que ele chama de “casta”, e será o novo presidente da Argentina. A questão agora é: o que acontece com os políticos tradicionais?

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A pior derrota sofrida pelo peronismo em 40 anos de democracia e, pelo kirchnerismo, desde 2003, quando se firmou na política argentina, fez o candidato governista, Sergio Massa, ameaçar abandonar o governo antes de seu fim oficial, em 10 de dezembro. “A responsabilidade agora é do governo eleito”, foi a frase que abriu uma série de questionamentos sobre uma possível demissão. A derrota foi esmagadora, com 11 pontos de diferença entre os candidatos: Com 99,2% das urnas apuradas, Javier Milei teve 55,6% dos votos, e Massa teve 44,3%.

Embora ainda seja muito cedo para prever o futuro de uma política tão enraizada, os acontecimentos dos últimos meses dão sinais do que esperar daqui para frente. O peronismo, força que domina a política argentina há 80 anos - seja como governo seja como oposição - mostrou que tem uma enorme habilidade de sobreviver apesar da eterna crise interna e dos maus resultados econômicos dos últimos anos.

Apoiador de Sergio Massa agita uma bandeira de Cristina Kirchner do lado de fora da sede do União pela Patria Foto: Juan mabromata/AFP

A questão que fica é, agora vai sobreviver como? Ainda circulando a figura de Cristina Kirchner, ao mesmo tempo popular e impopular na sociedade argentina? Sergio Massa deve ter um novo papel dentro do peronismo? Ou podemos esperar novos nomes, como o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof? Também é válido perguntar o que acontece com a coalizão do Juntos pela Mudança, liderada por Mauricio Macri, que agora se associou a Milei.

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O fato é que, mesmo perdendo, o peronismo ainda sai como uma força política, com governadores, prefeitos e legisladores eleitos, sendo inclusive a maioria do Senado. Seu resultado no primeiro turno é considerado um trunfo por si só devido aos resultados econômicos que tiveram Alberto Fernández, Cristina Kirchner e Sergio Massa. A derrota foi contundente, mas só de haver chegado ao segundo turno já se vê a sobrevida de um movimento que muitos acreditavam estar morrendo.


O exemplo disso foi a própria recuperação que teve o União pela Pátria na Grande Buenos Aires e nas províncias do interior das primárias para as gerais. As primárias haviam sido arrasadoras para os peronistas, que perderam inclusive nos seus redutos mais tradicionais, como San Luis, Entre Ríos e Santa Cruz. Mas houve uma considerável reversão no primeiro turno, muito devido às forças adormecidas do aparato do partido, mantido na figura de seus governadores, prefeitos, deputados, senadores, vereadores, sindicalistas e militantes.

Neste segundo turno, porém, a cor violeta de Javier Milei voltou a pintar o mapa argentino quase inteiro. Sergio Massa ganhou apenas na província de Buenos Aires, Santiago del Estero e Formosa. O peronismo perdeu em seu berço Santa Cruz e até na cidade de Massa, Tigre.

Mas para além de sua própria resiliência histórica, o peronismo também sobrevive porque teve a capacidade de rachar a sua tradicional oposição. O Juntos pela Mudança, que reunia o PRO, o UCR e a Coalizão Cívica ARI, se fragmentou entre apoios a Milei, Massa e a neutralidade. Há quem diga que, no fim, os aliados do Juntos pela Mudança foram os grandes perdedores destas eleições e praticamente desaparecem agora.

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“Se você olhar os votos do peronismo, percebe que foi péssimo. O que acontece é que os outros foram piores. O Juntos pela Mudança praticamente desapareceu”, afirma o cientista político Pablo Touzon. “A perda de votos que teve o peronismo nos últimos anos é extraordinária, porém eles conseguiram romper com a oposição, e isso tem a mão direta de Sergio Massa.”

Toda a estratégia do União pela Pátria antes do primeiro turno foi justamente chegar ao segundo turno com Milei, que seria a sua polarização perfeita e com quem poderia jogar a sua campanha de medo. Nessa estratégia, a candidata Patricia Bullrich foi a mais afetada, ficando com o terceiro lugar.

Mas já desde antes o Juntos pela Mudança vinha prejudicado, depois de uma interna dilacerante entre Bullrich e Horacio Rodríguez Larreta, atual prefeito sainte de Buenos Aires. Para selar o prego, Bullrich e Macri declaram apoio a Milei já no dia seguinte ao primeiro turno, sem respaldo dos demais membros da coalizão e abrindo uma fratura séria.

“A ruptura da oposição, o realinhamento da estrutura peronista e a vontade de poder de Sergio Massa conseguiu evitar o que poderia ter sido a explosão final peronista, que teria sido nem ao menos entrar no segundo turno”, diz Touzon. “O peronismo está em crise, porém, está reagindo até de forma inteligente com um chefe que se autonomeou nos últimos meses para tentar sobreviver em um contexto muito adverso.”

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Mas o cientista alerta que não será o mesmo peronismo daqui para frente. “Vai ser um peronismo super maltratado e o exemplo está nas eleições estaduais que em muitos lugares o peronismo histórico foi derrotado. O movimento já foi por muito tempo o partido da ordem no sentido de que conseguia resolver as crises, inclusive as que provocava ele mesmo. Neste sentido se vê que o peronismo está em crise. Mas o que também é verdade é que mantém uma resiliência ao dizer ' não somos os melhores, mas os outros são piores’”.

No entanto, é verdade também que a oposição é um terreno conhecido pelo peronismo e uma oposição a Milei deve ser ainda mais confortável, já que a polarização os joga em extremos. “Para o peronismo, ser uma oposição a Milei é um jogo que eles sabem jogar, como esquerda versus direita, mas também há muita rejeição ao kirchnerismo e tampouco é certeza que conseguirão se articular assim”.

Imagem dos candidatos Javier Milei e Sergio Massa durante as eleições argentinas Foto: Natacha Pisarenko/AP

Massa, Cristina e o kirchnerismo

Outra questão é como ficará a culpa pela derrota. É bem possível que Massa tente tirar a sua própria responsabilidade pela inflação de 140% e a desvalorização da moeda, até se distanciando do movimento peronista, como já fez no passado.

“Massa vai dizer que o governo foi para o ralo. ‘Agarrei a Economia, não a resolvi, mas pelo menos não serei eu mais a lidar e ainda assim chegamos ao segundo turno perdendo por muito pouco e ainda destruímos o Juntos pela Mudança no caminho’, é o que deve dizer”, aposta Pablo Touzon. “Ele vai reivindicar um lugar político ainda que tenha perdido. Mas o problema que terá Massa é que não terá poder e nem território no Parlamento.”

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Ganhando ou perdendo, o kirchnerismo seria a sua grande pedra no sapato, já que a força manterá seu peso político no Parlamento e nas províncias. O peronismo como um todo perdeu assentos no Congresso, mas avançou no Senado.

Dentro do peronismo, que é um movimento que pode ir da centro-direita para a esquerda, o kirchnerismo é o mais de esquerda e com quem Massa sempre esteve em queda de braço devido a seu alinhamento mais próximo do setor empresarial.

Além disso, já agora o nome de Axel Kicillof surge como a grande promessa para 2027 e há quem diga que ele até preferia uma derrota de Massa para pavimentar esse seu caminho rumo a uma candidatura presidencial. Kicillof não é só peronista, mas um peronista kirchnerista.

Relação de Sergio Massa com o kirchnerismo pode ser crucial para o futuro do peronismo Foto: Natacha Pisarenko/Reuters

E outro desafio virá de Córdoba, com seu governador Juan Schiaretti terminando o primeiro turno em um surpreendente quarto lugar, com 1,7 milhão de votos. “O peronismo de Córdoba foi além de sua própria província, conseguiu lançar um candidato nacional que se fez conhecido e duplicou seus números das primárias para o primeiro turno, e que também tem um governador que aspira ser presidente da república”, observa Touzon.

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Um fato é que essas mudanças no movimento dão sinais de que Cristina já não será mais a grande figura do movimento. A atual vice-presidente está desaparecida da vida pública e pela primeira vez não ocupará um cargo político. A sua rejeição a tornava tóxica na campanha e seus problemas judiciais terminam por inviabilizar sua vida política.

“Eu diria que a etapa do kirchnerismo mais centralizado em Cristina já terminou e o que vem, mesmo com Kicillof, vai ser distinto”, afirma o cientista político. “Hoje, pela primeira vez, o sistema não se define de acordo com o que diz Cristina. Claro que ainda conserva poder e tudo isso, mas estamos de longe vendo o seu momento mais baixo, inclusive comparando com quando perdeu em 2017.”

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