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Comissão que investiga ataque ao Capitólio já fracassou; leia artigo

EUA precisam de uma comissão que detecte debilidades no sistema democrático e na sociedade americanos e encontre maneiras de solucioná-las

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Por David Brooks*

THE NEW YORK TIMES - Para que serve a comissão que investiga a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021? Membros da comissão e operadores do Partido Democrata têm dito a repórteres o que esperam alcançar com as audiências que começaram na noite de quinta-feira. Meus colegas do Times Annie Karni e Luke Broadwater escreveram uma reportagem intitulada, Audiências sobre o 6 de Janeiro darão aos democratas chance de realinhar sua mensagem para as eleições de meio de mandato.

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Os democratas, noticiaram os repórteres, esperam usar as audiências para mostrar aos eleitores das eleições de meio de mandato o quão absolutamente culpados os republicanos são pelo que aconteceu naquele dia.

Outras reportagens sugeriram outros objetivos. Os membros da comissão estão tentando provar o grau do envolvimento de Donald Trump nos esforços para reverter o resultado da eleição presidencial, para que ele seja desacreditado definitivamente. Espera-se que eles usem testemunhas como o ex-assessor da Casa Branca Cassidy Hutchinson para revelar exatamente o que aconteceu dentro do gabinete do governo naquele dia e no período que o antecedeu.

Um congressista disse ao Washington Post que os eleitores estão com a atenção voltada para temas como inflação e pandemia, então será crucial contar uma história cativante, que “realmente arrebente com tudo”.

Não quero ofender ninguém, mas esses objetivos são patéticos.

Sla é preparada para as audiências do comitê que investigou o ataque ao Congresso americano  Foto: J. Scott Applewhite/AP

Usar os eventos de 6 de janeiro de 2021 como matéria-prima para a campanha é pensar pequeno — e provavelmente não funcionará. Se vocês acham que serão capazes de descobrir o momento mágico que finalmente desacreditará Donald Trump diante do eleitorado, vocês não têm estado atentos aos últimos seis anos. Desculpa aí, pessoal, mas este caso não é como o escândalo de Watergate, sobre o qual precisemos de uma investigação para descobrir quem disse o que e para quem dentro do Salão Oval. Os horrores do 6 de Janeiro transcorreram publicamente. A chocante verdade desse evento foi o que todos nós vimos naquele dia e o que aprendemos a respeito da violência em seu estado bruto desde então.

Nós não precisamos de uma comissão para simplesmente vomitar nos nossos ouvidos o que aconteceu em 6 de janeiro de 2021. Precisamos de uma comissão que preserve a democracia em 6 de janeiro de 2025 — e em 6 de janeiro de 2029. Precisamos de uma comissão que detecte debilidades no sistema democrático e na sociedade americanos encontre maneiras de solucioná-las.

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O problema central aqui não é o minuto a minuto sobre quem mandou que mensagem de texto para o então chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, em 6 de janeiro do ano passado. O problema central é que milhões de americanos possuem três convicções: que a eleição de 2020 foi roubada; que a violência se justifica para retificá-la; e que as regras e normas que sustentam e mantêm unida nossa sociedade não têm importância.

Esses milhões de americanos estão por aí neste exato momento. Preocupo-me mais com suas atividades atuais e futuras do que com seu passado. Muitos deles estão concorrendo a cargos estaduais, para se colocar em posições que lhes permitam interferir em eleições futuras. Eu gostaria que a comissão descrevesse quem eles são, o que os motiva e quanto poder eles já têm em mãos.

Nesta foto de 12 de outubro de 2021, manifestantes pedem uma "auditoria forense" da eleição presidencial de 2020, durante uma manifestação de um grupo em Lansing, Michigan  Foto: Jeff Kowalsky/AFP

Trata-se de um movimento, não de uma conspiração. Nós não precisamos de uma investigação criminal em busca de organizadores ou arquitetos, precisamos que historiadores, estudiosos e jornalistas nos ajudem a entender por que o Partido Republicano dos EUA, da mesma maneira que o partido Lei e Justiça da Polônia, ou que o Partido Justiça e Desenvolvimento da Turquia, se tornou uma facção predatória e semidemocrática.

Precisamos de uma comissão que analise quão perto os EUA estão de uma irrupção de violência política. Discordei em alguns pontos do livro mais recente de Barbara Walter, How Civil Wars Start (Como as guerras civis começam), mas eu acharia ótimo que todos os membros da comissão o lessem, mesmo que meramente para expandir suas imaginações.

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Walter demonstra que as condições para a violência política já estão entre nós: declínio da eficiência do Estado e das regras democráticas; ascensão de facções políticas que não se agrupam em torno de temas, mas se baseiam, em vez disso, em identidade étnica e na preservação de privilégios fundados em raça e etnia; existência de ferozes diferenças entre cidadãos urbanos e rurais; existência de empreendedores do conflito — líderes políticos e personalidades da mídia que lucram com a disseminação de frenesis apocalípticos; e o sentimento disseminado de que nossos oponentes políticos pretendem destruir nosso estilo de vida.

Precisamos de uma comissão que constate quais condições nos EUA se comparam a condições de outros países do mundo que já viram suas democracias descambarem para autocracia e violência.

Apoiadores do então presidente Donald Trump invadem o Congresso americano em 6 de janeiro de 2021  Foto: Leah Millis/Reuters

Precisamos de uma comissão que mostre a cara da violência política neste país. Em um artigo publicado na revista Foreign Affairs, Steven Levitsky e Lucan Way preveem um futuro de “instabilidade de regime endêmica”: crises constitucionais frequentes; eleições contestadas ou roubadas; e períodos de democracia disfuncional seguidos de governos autoritários.

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Em um artigo publicado na revista The Atlantic, George Packer imagina o que poderia acontecer se uma eleição contestada fosse finalmente decidida pela Suprema Corte ou pelo Congresso: metade do país explode em fúria; protestos ficam violentos; edifícios são atacados com bombas incendiárias; e forças de segurança participam dos confrontos e escolhem lados.

Estou tentando entender por que os membros da comissão não estão acometidos por essas realidades. Depois de mais de um século de relativa estabilidade democrática, talvez seja difícil para algumas pessoas imaginar precisamente de que maneira as ondas de violência política que atormentam outras nações poderiam atingir nosso país. Talvez os membros da comissão estejam aprisionados pelas categorias estabelecidas por investigações de comissões passadas — sobre o Watergate e o 11 de Setembro.

De qualquer modo, precisamos de uma comissão que tenha foco não em ações específicas deste ou daquele indivíduo, mas nas condições gerais presentes na sociedade que ameaçam deixar a democracia americana de joelhos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*É COLUNISTA

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