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Como a agressividade chinesa aumenta o risco de guerra no Estreito de Taiwan

As provocações militares dos chineses estão se tornando existenciais para Taiwan, ilha que Pequim reivindica como sua, embora o Partido Comunista Chinês nunca a tenha governado

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Por Christian Shepherd e Vic Chiang

TAIPÉ, Taiwan — As atividades cada vez mais agressivas da China em torno de Taiwan — e sua recusa em conversar com militares dos Estados Unidos por meio de canais designados para evitar o conflito — estão alimentando temores de os americanos poderem ser atraídos para um terceiro grande conflito no planeta.

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O restabelecimento desses canais de comunicação será prioridade na agenda do presidente Joe Biden quando ele conversar com o líder chinês, Xi Jinping, em sua primeira reunião em um ano. Mas a China tem sido deliberadamente imprevisível e incomunicável, afirmam analistas, para despistar os militares americanos no Pacífico e alertar contra as tentativas dos EUA de ajudar Taiwan a se defender.

“A coisa alcançou um nível muito, muito alto de tensão”, afirmou Lyle Goldstein, diretor de engajamento com Ásia do instituto de análise Defense Priorities. Sem algum avanço que abrande a desconfiança, a atual “crise bastante aguda” continuará. “A guerra pode essencialmente ocorrer a qualquer momento”, afirmou ele.

O destroier de mísseis guiados classe Arleigh Burke USS Ralph Johnson (DDG 114) conduz operações de rotina no Estreito de Taiwan, em 9 de setembro de 2023 Foto: Marinha dos EUA via AP

Xi e Biden tiveram um encontro em San Francisco, paralelamente à cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, como parte de um esforço mais amplo para retomar relações que se deterioraram rapidamente em meio a uma acalorada competição tecnológica, o balão-espião e uma atividade militar chinesa crescentemente escancarada no Mar do Sul da China e em torno de Taiwan.

Ao mesmo tempo, conforme tentam intimidar Taiwan, as Forças Armadas chinesas conduziram mais de 180 interceptações arriscadas de aeronaves de vigilância dos americanos nos últimos dois anos, mais do que em toda a década anterior.

O general Charles Brown Jr, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, afirmou que tinha escrito para seu homólogo chinês pedindo a retoma dos canais de comunicação que Pequim rompeu em retaliação à visita da ex-presidente da Câmara dos Deputados Nancy Pelosi a Taipé no ano passado. “É enormemente importante garantir que não haja nenhum erro de cálculo entre os exércitos, afirmou ele.

O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, reiterou a afirmação no domingo. “O presidente está determinado em ver o restabelecimento dos laços intermilitares porque acredita que isso atende ao interesse nacional dos EUA”, afirmou ele no programa “Face the Nation”, da rede CBS.

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As provocações militares dos chineses estão tornando-se existenciais para Taipé. Pequim reivindica Taiwan, uma ilha que nunca foi governada pelo Partido Comunista Chinês, como seu território, a graduadas autoridades de segurança afirmam que Xi ordenou aos seus militares que estejam prontos para invadir a ilha até 2027.

Essa narrativa tem se tornado mais que teórica ao longo dos últimos 14 meses, desde que Pelosi visitou Taiwan e louvou a democracia da ilha, o que Pequim interpretou como um estímulo a “forças separatistas” em Taiwan.

A China retaliou rompendo importantes canais de comunicações intermilitares e ordenando que grandes quantidades de seus caças de combate e navios de guerra ameaçassem Taiwan. Isso continuou por mais de um ano. Somente em setembro, Pequim acionou 336 aeronaves até o limite do espaço aéreo da Taiwan, fazendo com que o ministro da Defesa taiwanês alertasse que a escala e a frequência dos exercícios estavam “saindo do controle”.

Edifícios em Xiamen, na China continental, ficam do outro lado do Estreito de Taiwan, em frente às barreiras anti-desembarque em uma praia em Kinmen, Taiwan, em 21 de agosto de 2023 Foto: An Rong Xu/Bloomberg via W.Post

Caças de combate da China que anteriormente voavam apenas do lado chinês do Estreito de Taiwan têm atravessado a linha mediana, uma fronteira não oficial no meio do canal de 177 quilômetros de largura, com maior frequência e se aventurado através da ponta sul até a costa oriental da ilha, relativamente menos fortificada. Em 17 de setembro, 103 aeronaves chinesas, um recorde, voaram próximo ao espaço aéreo taiwanês em 24 horas.

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A China lançou um drone que contornou completamente Taiwan em abril pela primeira vez, e isso rapidamente se tornou uma manobra regular — os chineses mandaram veículos aéreos não tripulados contornar a ilha outras cinco vezes desde então.

Aeronaves chinesas circulam livremente do outro lado da ilha, no Oceano Pacífico, que os EUA consideram há muito seu quintal militar. Por lá, os chineses lançam caças na direção da costa leste de Taiwan e praticam manobras para repelir os EUA, caso os americanos venham algum dia defender a ilha de uma invasão da China.

Os exercícios de setembro foram os maiores nas águas a leste de Taiwan em quase uma década, com 17 navios de guerra, incluindo o porta-aviões Shandong, realizando manobras em grande escala entre o Mar da Filipinas até as proximidades do território americano de Guam.

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Um mês depois, o grupo de ataque Shandong navegou novamente pelo Canal de Bashi, entre Taiwan e as Filipinas, marcando sua terceira entrada no Pacífico este ano.

Para Taipé, a frequência dos exercícios chineses ao longo do ano passado confirma o menosprezo de Pequim por normas antigas de padrão de comportamento militar na região. Sem esses acordos tácitos, é mais fácil que acidentes ocorram e mais difícil de conter repercussões se acidentes ocorrem.

Uma vista das corvetas da classe Lung Teh Shipbuilding e Tuo Chiang em Yilan, Taiwan, 28 de novembro de 2023 Foto: Ann Wang/Reuters

“Eles não querem que nós possamos passar a mão no telefone e dizer, ‘Ei, o que vocês estão fazendo?’”, afirmou Michael Allen, diretor-gerente da consultoria Beacon Global Strategies. “Eles certamente querem que nós fiquemos mais nervosos, mais desestabilizados e que entremos em pânico.”

Há também um componente político em toda essa coerção militar: além de desgastar as defesas taiwanesas, isso cria uma pressão psicológica sobre os 23 milhões de habitantes da ilha para ceder a respeito das demandas de Pequim por unificação.

Pequim está exibindo força, afirmam analistas, em parte para tentar influenciar a eleição presidencial taiwanesa, em janeiro. Lai Ching-te — vice-presidente do Partido Democrático Progressista, que governa a ilha e historicamente apoia a independência em relação à China — lidera as pesquisas. O Partido Nacionalista da China, ou Kuomintang, favorável a relações comerciais mais próximas com Pequim, está atrás.

E há também o problema de tentar interpretar as intenções da China, quando seus enormes exercícios se parecem cada vez mais com o estágio inicial de um ataque contra Taiwan.

Uma análise da inteligência americana, revelada nos vazamentos no Discord, descreve como o Comando dos EUA no Indo-Pacífico passou a considerar mais difícil distinguir entre a coerção militar da China e uma mobilização em escala total que prenunciaria uma invasão.

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As manobras cada vez mais frequentes da China têm como objetivo erodir a capacidade da Marinha dos EUA de acudir em defesa de Taiwan caso a ilha seja atacada pela China — algo que Biden tem afirmado repetidamente que a força naval americana deverá fazer. Washington não tem um acordo formal de defesa com Taipé, mas compromete-se em fornecer a Taiwan, por meio de vendas e ajuda militar, armamentos para os taiwaneses se defenderem.

Os exercícios chineses destinam-se a demonstrar para os EUA e seus aliados que a China está pronta para combater e repelir a Marinha americana na região, afirmou Chieh Chung, pesquisador associado do instituto de análise taiwanês National Policy Foundation. As manobras são projetadas para “transmitir uma forte sensação de protestos” contra o envolvimento americano com a defesa de Taiwan, afirmou ele.

Enquanto Washington pressiona Pequim para restabelecer comunicações militares, afirmam analistas, a China pode resistir ao diálogo como parte de uma estratégia para exaurir Taiwan e deixar os EUA no vazio, imaginando o que pode ou não estar ocorrendo.

Residentes de Taiwan assistem a um noticiário sobre um exercício militar conduzido pelos militares chineses ao redor do Estreito de Taiwan em 19 de agosto de 2023  Foto: Ritchie B. Tongo/EPA/EFE

“É quase como se eles quisessem nos deixar com a pulga atrás da orelha”, afirmou Allen, que integrou a Comissão de Inteligência da Câmara entre 2011 e 2013.

Uma maneira pela qual a China tem injetado ainda mais incerteza é incorporando cada vez mais embarcações civis, incluindo barcos de transporte e carga, aos exercícios militares. Analistas afirmam que a China precisaria desses navios para transportar o grande contingente de soldados necessário para uma invasão.

No fim de setembro, Taiwan deu um passo incomum ao anunciar que monitora ativamente um exercício “anormal” no lado chinês do Estreito.

O exercício envolveu pelo menos 12 embarcações comerciais que tiveram suas rotas comuns alteradas para praticar embarques e desembarques de forças anfíbias na costa de Fujian, a província chinesa mais próxima a Taiwan,de acordo com J. Michael Dahm, pesquisador residente do Instituto Mitchell para Estudos Aeroespaciais, um grupo de análise.

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Imagens de satélite analisadas por Dahm sugeriram que o exercício deste ano envolveu significativamente mais navios de carga do que no passado. As manobras tiveram foco no embarque e desembarque de forças anfíbias de embarcações ancoradas longe da costa, uma prática que permitiria a invasão de tropas sem a necessidade de atracar em Taiwan.

Contudo, a China provavelmente ainda precisará de anos até ser capaz de usar embarcações civis para dar apoio a uma invasão bem-sucedida através do Estreito de Taiwan, afirmou Dahm.

Apesar dos esforços chineses de imprevisibilidade, a escala da mobilização necessária para invadir Taiwan significa que seria muito difícil ocorrer um ataque sem que a inteligência dos EUA captasse os planos da China.

Mas Pequim pode esperar dessensibilizar Taiwan e inquietar os EUA praticando constantemente exercícios em cenários de invasão cada vez mais realistas.

“Esses exercícios ficam cada vez maiores”, afirmou Tom Shugart, pesquisador-adjunto sênior do Center for a New American Security. “Conforme seu número e frequência continuam a crescer, naturalmente fica muito mais difícil saber se da próxima vez será de verdade.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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