Com a Rússia atolada numa guerra prolongada na Ucrânia e cada vez mais dependente da China para obter suprimentos, Pequim se movimenta rapidamente para expandir sua influência na Ásia Central, uma região que no passado pertenceu à esfera do Kremlin.
A Rússia, de sua parte, tem reagido contundentemente.
Enquanto os líderes dos países centro-asiáticos encontraram-se com os presidentes chinês e russo na semana passada em Astana, capital do Casaquistão, a crescente presença da China é visível na região. Novas ferrovias e outras infraestruturas estão em construção, à medida que o comércio e o investimento chineses aumentam.
Crianças casaquistanesas agitando bandeirinhas receberam o presidente da China, Xi Jinping, cantando em língua chinesa quando ele desembarcou em Astana, no dia 2 de julho. Xi qualificou as relações entre China e Casaquistão como uma amizade que “perdura há gerações”.
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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chegou na quarta-feira passada, 3, para o início do evento em Astana, uma cúpula anual da Organização para Cooperação de Xangai, um grupo regional dominado por Pequim. Há anos o fórum tem foco em questões de segurança. Mas conforme o grupo expandiu seu quadro de membros, China e Rússia o têm usado como plataforma para expor suas ambições de reformular a ordem global dominada pelos Estados Unidos.
O grupo, estabelecido originalmente por China e Rússia em 2001 com os países centro-asiáticos Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão, expandiu-se nos anos recentes, passando a incluir Paquistão, Índia e Irã.
Mesmo ampliando sua influência econômica por toda a Ásia Central, a China ainda enfrenta desafios à sua diplomacia, conforme a Rússia busca cooptar membros do fórum de Xangai em seu favor.
O líder de Belarus, Alexander Lukashenko, também compareceu à cúpula deste ano. Ele é o aliado estrangeiro mais próximo de Putin e depende pesadamente do apoio econômico e político da Rússia para permanecer no poder. A Belarus foi declarada membro pleno da Organização para Cooperação de Xangai na cúpula deste ano, o que representa uma vitória diplomática menor para o Kremlin.
Um revés maior para Pequim é o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, não ter comparecido ao evento deste ano. Modi visitou Moscou nesta semana para reunir-se exclusivamente com Putin e enviou seu ministro de Assuntos Externos, Subrahmanyam Jaishankar, à cúpula em Astana.
Ocorrendo após as recentes viagens de Putin a dois outros vizinhos, Coreia do Norte e Vietnã, essa viagem de Modi a Moscou indica que Putin ainda é capaz de tecer suas próprias relações diplomáticas separadamente de Pequim, afirmou Theresa Fallon, diretora do Centro de Estudos de Rússia, Europa e Ásia, em Bruxelas.
“Ele está dizendo, ‘Tenho outras opções’”, disse Fallon.
A Índia aderiu à Organização para Cooperação de Xangai a pedido da Rússia, em 2017, quando o Paquistão também aderiu encorajado pela China. Mas as relações entre indianos e chineses congelaram desde então, após trocas de hostilidades de seus soldados na fronteira entre os países em 2020 e 2022.
Ainda que Modi tenha favorecido relações mais próximas quando assumiu a função, uma década atrás, Índia e China deixaram até de permitir voos comerciais diretos entre os países.
A Índia tem se preocupado mais a respeito do equilíbrio de poder geopolítico na região conforme a influência da China aumenta e a da Rússia declina, afirmou o professor de relações internacionais Harsh Pant, da King’s College London. China e Rússia também têm forjado relações cada vez mais amigáveis com o governo do Taleban no Afeganistão, que controla o país desde a partida das forças americanas, em 2021, e há muito tempo se alia ao Paquistão contra a Índia.
“Enquanto a Rússia era a potência dominante, a Índia não via problema”, afirmou Pant. “Mas à medida que a China assume mais importância econômica e ganha mais força na Ásia Central e a Rússia se torna sua parceira menor, as preocupações da Índia deveriam aumentar.”
Em termos mais amplos, porém, a participação da Rússia na Organização para Cooperação de Xangai é principalmente um movimento de retaguarda para contrabalançar a proximidade aparentemente inexorável da região com a China. Putin depende pesadamente dos chineses para manter sua economia e sua manufatura militar vivas em meio às sanções do Ocidente — e ao longo dos anos seu governo passou a aceitar as relações cada vez mais próximas entre Pequim e as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central. A tremenda diferença entre as forças econômicas de Rússia e China torna uma competição direta do Kremlin na Ásia Central inútil.
Em vez disso, o Kremlin tem buscado manter um grau de influência em seus ex-Estados satélites em temas que seguem vitais aos interesses russos — incluindo ao estar presente em eventos amplamente simbólicos como a cúpula em Astana. No dia 3 de julho, Putin participou de seis reuniões com chefes de Estado asiáticos na capital do Casaquistão, de acordo com a imprensa estatal russa.
A Rússia quer manter seu acesso aos mercados centro-asiáticos para contornar as sanções do Ocidente. Desde a invasão à Ucrânia, a Rússia tem adquirido bilhões de dólares em mercadorias ocidentais usando intermediários na Ásia Central. Os itens incluem bens de consumo como carros de luxo e componentes eletrônicos usados em manufaturas militares.
A Rússia também depende pesadamente de milhões de imigrantes centro-asiáticos para fazer funcionar sua economia e reconstruir partes ocupadas da Ucrânia.
Finalmente, a Rússia quer cooperar com os governos dos países de maioria muçulmana na Ásia Central em segurança, particularmente em relação à ameaça do terrorismo. Essas ameaças se evidenciaram neste ano, quando um grupo de cidadãos do Tajiquistão matou 145 pessoas em uma sala de concertos em Moscou, no ataque terrorista mais mortífero na Rússia em mais de uma década. O Estado Islâmico assumiu a autoria do ataque.
Rússia e China não fazem só competir na Ásia Central. Os países cooperam com frequência, pois percebem um interesse comum em haver regimes estáveis na região que mantenham pouca ou nenhuma coordenação com Forças Armadas ocidentais, afirmou Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie para Rússia e Eurásia, um grupo de pesquisa. “Eles percebem que a estabilidade regional se fundamenta em regimes autoritários seculares, não islâmicos e, em certa medida, repressores domesticamente”, afirmou ele.
William Fierman, professor-emérito de estudos centro-asiáticos na Universidade de Indiana, afirmou que Pequim também enfrenta uma profunda preocupação pública na Ásia Central sobre a China usar sua enorme população e migrações para dominar a região escassamente povoada. Autoridades soviéticas ventilaram essas suspeitas por décadas, e mesmo as gerações mais jovens, que não cresceram sob o controle soviético, parecem compartilhar dessas preocupações atualmente, disse ele.
Xi também usará sua visita para promover sua visão sobre a construção de melhores ligações de transporte em toda a região, afirmou Wu Xinbo, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade Fudan, em Xangai. Depois da cúpula, Xi tinha uma visita de Estado marcada ao Tajiquistão, onde o Departamento de Estado americano estimou recentemente que mais de 99% do investimento estrangeiro vem da China.
Muitos dos investimentos chineses na Ásia Central são em infraestrutura. A China assinou contratos com o Quirguistão e o Uzbequistão no mês passado para a construção de uma nova ferrovia através de ambos os países. A linha férrea fornecerá à China um atalho para o comércio por via terrestre com Irã, Afeganistão e Turcomenistão, chegando até o Oriente Médio e a Europa. A China tentou ao longo dos 12 anos recentes expandir o tráfego ferroviário através da Rússia para transportar suas exportações para a Europa, mas agora deseja acrescentar uma rota mais ao sul.
“De uma perspectiva estratégica a longo prazo, essa ferrovia é muito importante”, afirmou Niva Yau, pesquisadora especializada nas relações da China com a Ásia Central do Atlantic Council, um grupo de pesquisa em Washington./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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