Como a China transforma chineses no exterior em espiões

Os Estados Unidos estão em busca desses agentes não tradicionais. Mas seus esforços podem ter efeito oposto ao desejado

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Por The Economist

Entre os dissidentes chineses exilados, Tang Yuanjun era bem conhecido. Ele participou dos protestos da Praça da Paz Celestial em 1989 e, como resultado, foi parar na prisão. Mais tarde, ele desertou para Taiwan, nadando de um barco de pesca até uma de suas ilhas periféricas. Os Estados Unidos concederam asilo e ele se estabeleceu em Nova York, tornando-se uma liderança dos grupos pró-democracia chineses. Mas, em agosto de 2024, foi preso pelo FBI. Ele admite ter usado sua posição para coletar informações para o governo chinês e informar sobre seus colegas ativistas. Ele fez isso para que o governo permitisse seu retorno à China para visitar os pais doentes.

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A invasão de redes de computadores americanas por parte da China e seus esforços para roubar segredos militares e comerciais ocidentais ganharam manchetes nos anos mais recentes. Mas o país também conduz uma campanha mais sutil, que envolve suborno, chantagem e acordos secretos, e que usa pessoas como Tang e outros membros da diáspora chinesa para realizar operações de vigilância, coleta de informações e influência ao redor do mundo. Recentemente, o Reino Unido provou um gostinho de tudo isso quando as autoridades acusaram Yang Tengbo, um empresário chinês, de cultivar laços com o príncipe Andrew, irmão do rei, como parte de uma operação de influência.

Os EUA, no entanto, são o alvo mais importante da China. Esses tipos de atividades se enquadram no Foreign Agents Registration Act (FARA), uma lei americana que exige que aqueles envolvidos em projetos políticos em nome de uma força estrangeira se registrem e divulguem o que estão fazendo. Nos anos mais recentes, o Departamento de Justiça intensificou sua aplicação dessa lei. O departamento conduziu 25 inspeções ligadas ao FARA em 2023, o maior número desde 1985. Neste ano, foram vários os casos de destaque envolvendo a China. Ao divulgar essas investigações, o governo americano está enviando um aviso aos agentes em potencial, dizem os especialistas.

O presidente da China, Xi Jinping, acena após chegar a um evento em Macau  Foto: Tyrone Siu/AFP

Um caso importante envolve Linda Sun, uma ex-assessora do governador de Nova York que foi presa em setembro por trabalhar como uma “agente não revelada” da China e seu Partido Comunista (PCC). Sun teria impedido reuniões entre autoridades taiwanesas e lideranças estaduais, removido referências a Taiwan das comunicações estaduais e atrapalhado os esforços para divulgar a perseguição da China aos uigures e outras minorias étnicas. Em troca, ela teria recebido milhões de dólares em propinas e presentes, incluindo vários pedidos de pato salgado ao estilo de Nanquim para a casa de seus pais.

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As acusações contra Sun são diretas. Mas as operações de influência da China geralmente ocorrem em uma área cinzenta. Tomemos como exemplo os grupos da diáspora chamados tongxianghui, ou associações de cidades natais, que reúnem imigrantes de partes específicas da China. Eles são onipresentes nas cidades americanas — e estão cada vez mais sob escrutínio do Departamento de Justiça. As lideranças das associações geralmente mobilizam os eleitores antes das eleições nos EUA e constroem relacionamentos com autoridades locais. Alguns também fazem viagens à China e se encontram com autoridades do Departamento de Trabalho da Frente Unida, o braço do Partido Comunista com a função de impulsionar a influência da China no exterior. Lideranças de associações organizam atividades políticas nos EUA, como comícios em apoio a Xi Jinping ou protestos contra visitas de autoridades taiwanesas.

Essas atividades estão dentro da lei, desde que os organizadores atuem de forma independente. Mas a linha entre ação voluntária e trabalho como agente é tênue. Muitos chineses no exterior são apoiadores genuínos do Partido Comunista ou, pelo menos, estão dispostos a promover seus interesses porque isso ajudará seus negócios em casa ou manterá em segurança suas famílias na China. É somente quando recebem financiamento secreto, instruções ou supervisão de autoridades chinesas que eles cruzam a linha e se tornam agentes estrangeiros. Em 2022, por exemplo, o FBI prendeu o chefe de uma associação da cidade natal de Shandong — não por causa de suas viagens frequentes à China ou da amizade com autoridades chinesas, mas porque suspeitavam que ele estava trabalhando com a polícia chinesa para repatriar à força outro imigrante. Da mesma forma, em 2023, dois homens chineses foram indiciados por supostamente trabalhar com a polícia chinesa para operar uma “delegacia clandestina” dentro de uma associação da cidade natal de Fujian, em Nova York. Um deles se declarou culpado em 18 de dezembro.

Um edifício de seis andares com fachada de vidro, no centro, supostamente o local de um posto avançado da polícia da China, no bairro de Chinatown, em Nova York Foto: Bebeto Matthews/AP

As autoridades americanas têm lutado para combater esses esforços sem afastar a diáspora chinesa. Um programa antiespionagem lançado em 2018, chamado China Initiative, teve como objetivo impedir o país de usar “coletores não tradicionais”, como acadêmicos e cientistas, para roubar segredos comerciais e tecnológicos dos EUA. Quase 90% dos réus acusados pela iniciativa eram de ascendência chinesa, de acordo com um banco de dados compilado pelo MIT Technology Review. Muitos dos casos envolveram questões de “integridade de pesquisa”, com acadêmicos acusados de não revelar completamente suas afiliações chinesas (se isso foi deliberado é altamente contestado). Apenas um quarto de todos os casos apresentados pela iniciativa terminaram em condenação.

Os esforços de contrainteligência dos EUA tentam fazer a diáspora chinesa se sentir segura, diz um ex-funcionário que trabalhou na China Initiative. “Estamos sinalizando para eles: nós estamos com vocês”, diz ele. “O que não queremos é exagerar na resposta e criar uma situação em que ser chinês é igual a ser um espião.” Mas a iniciativa deixou muitos acadêmicos sentindo que o governo os via com suspeita simplesmente por causa de sua ascendência chinesa, diz Gang Chen, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Em 2021, ele foi acusado de não revelar conexões com programas educacionais chineses ao enviar um pedido de bolsa federal. A acusação foi duramente criticada (a divulgação de tais informações não era realmente necessária). Um ano depois, as acusações foram retiradas.

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De acordo com uma pesquisa realizada em 2022, mais de 60% dos acadêmicos sino-americanos pensaram em deixar os EUA. Mais de 70% disseram que se sentiam inseguros lá. “Isso não é apenas um tiro no próprio pé. É um tiro no próprio cérebro”, diz Chen, que parou de se candidatar a bolsas governamentais ou de trabalhar em áreas potencialmente sensíveis.

Outros membros da diáspora chinesa acolhem os esforços para impedir a influência do Partido Comunista. Zhou Fengsuo, do Human Rights in China, um grupo ativista em Nova York, elogia as prisões de pessoas como Sun. Mas ele alerta que a mão pesada e a inconsistência da abordagem americana levaram à desconfiança do governo na diáspora. E ele reclama que dissidentes chineses exilados recebem pouca proteção das autoridades, tornando-os alvos mais fáceis para a coerção chinesa.

Em 2022, o Departamento de Justiça encerrou a China Initiative, admitindo que ela levou a uma “percepção prejudicial” de discriminação racial. Mas, em setembro, a Câmara dos Representantes aprovou um projeto de lei para reanimá-la com um novo nome, CCP Initiative, com todos os republicanos votando a favor. Tais esforços parecem propensos a se intensificar sob o presidente eleito Donald Trump, que deu cargos importantes às vozes mais aguerridas em relação à China. O risco é que, em seus esforços para combater o Partido Comunista, os EUA empurrem mais membros da diáspora para as mãos deles. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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