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Opinião| Como a ditadura chavista se consolida de vez na Venezuela

A consolidação de um regime totalitário coloca um dilema para a oposição: insistir na estratégia eleitoral ou encontrar uma nova abordagem astuta

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Por Benigno Alarcón Deza*

CARACAS — No momento, a Venezuela vive em meio à angústia e à incerteza. O exílio na Espanha de Edmundo González Urrutia, reconhecido amplamente como vencedor da eleição de 28 de julho, afetou a atmosfera de um país que sente que sem democracia não haverá futuro, enquanto o regime de Nicolás Maduro tenta consolidar seu poder de um jeito ou de outro.

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Para deixar para trás seu desastre eleitoral, o governo está buscando “normalizar” a nova situação e, a partir de Miraflores, o palácio presidencial, Maduro e seu círculo interno ditatorial estão intensificando a repressão. Parece improvável que o regime seja dissuadido por sanções internacionais mais rigorosas dos EUA e de outros países, que parecem semelhantes à política de “pressão máxima” de anos anteriores.

Até agora, Maduro efetivamente desencorajou a oposição e a comunidade internacional democrática recorrendo à perseguição política, prendendo mais de 2.400 pessoas em conexão com protestos após a eleição e instigando o medo naqueles que ousam discordar. No mês passado, em meio a críticas à repressão do governo, a Assembleia Nacional aprovou uma lei que concede ao regime amplos poderes para controlar e fechar organizações não governamentais (ONGs). Para a liderança da oposição na Venezuela e no exterior, apesar da coordenação próxima entre González Urrutia e María Corina Machado, o tempo para reverter as expectativas em relação ao futuro da democracia na Venezuela pode estar se esgotando.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Wilton Junior/Estadão

Internacionalmente, o governo está fortalecendo seu relacionamento com seus parceiros, como Cuba, Nicarágua, Rússia, China, Irã e Turquia. Ao mesmo tempo, Maduro está tentando desencorajar sanções ou uma reação linha-dura de governos democráticos como EUA, Brasil e Colômbia apelando para interesses compartilhados como energia, comércio, imigração e investimentos, bem como a preservação de atividades consulares e diplomáticas.

Se Maduro conseguir o que quer e assumir o cargo em janeiro, o resultado será um governo radicalizado com um núcleo menor e mais unido, que busca a consolidação como um novo autoritarismo hegemônico na região. Em um continente em que a qualidade e a estabilidade das democracias estão em evidente declínio, a Venezuela se juntaria formalmente aos regimes totalitários de Cuba e Nicarágua.

Desafios maiores

O cenário coloca um dilema para a oposição da Venezuela: persistir na luta eleitoral ou considerar novas formas de enfrentar o regime.

Por enquanto, a estratégia central é continuar defendendo a vitória de González Urrutia. É possível supor que o governo concedeu passagem segura a González Urrutia para fora do país, esperando que sua saída desmoralizasse a oposição. Mas o que o governo Maduro não contava é que González Urrutia poderia ressurgir encorajado, como parece ter ocorrido desde sua chegada a Madri, graças a uma diáspora que exigia seu reconhecimento. Enquanto o Congresso espanhol aprovou uma resolução não vinculativa reconhecendo-o como presidente eleito, e o primeiro-ministro Pedro Sanchez se encontrou com González Urrutia no Palácio de Moncloa em 12 de setembro, a Espanha continua se recusando a aceitar os resultados de 28 de julho e está pedindo ao governo de Maduro que divulgue a contagem oficial dos votos.

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O candidato presidencial da oposição venezuelana, Edmundo González Urrutia, acena durante um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

A pergunta que todos querem responder é se González Urrutia conseguiria retornar à Venezuela em janeiro como presidente eleito. Não há dúvida de que Machado permanecerá no local, liderando uma maioria que não desistiu e continuando a exigir o reconhecimento dos resultados das eleições para iniciar uma transição democrática. É justo esperar que Machado permaneça engajada nessa estratégia atual pelos próximos meses. Uma possível mudança de liderança na Casa Branca, com Donald Trump no comando, pode aumentar as tensões entre Washington e Caracas, reacendendo sua luta e reforçando seu papel na crise atual. Um cenário com Kamala Harris liderando o novo governo pode trazer uma recalibração das sanções, mantendo Machado como uma figura crítica nos passos futuros dos EUA.

Por sua vez, os partidos democráticos de oposição — aqueles não cooptados pelo governo — estão cientes de que não podem operar sob um regime autoritário hegemônico. Não há incentivo significativo para se organizar para a próxima eleição. Se os resultados das eleições não forem reconhecidos e as vitórias legítimas não trouxerem mudanças, esses partidos não terão futuro.

Alguns setores da oposição, especialmente aqueles sob o guarda-chuva do governo, podem estar considerando participar das eleições regionais no final do ano que vem, o que pode ser apresentado como um mecanismo de apaziguamento após a posse de Maduro em 10 de janeiro de 2025. Mas o que aconteceu depois de 28 de julho tirou toda a credibilidade do sistema eleitoral venezuelano e, por isso, o mais provável é um baixo nível de participação. Em outras palavras, o processo eleitoral perdeu valor como um mecanismo de renovação política, possivelmente agravando o conflito político do país ao “justificar” o uso de outros meios para sua resolução.

A líder da oposição da Venezuela, María Corina Machado, participa de um protesto em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

Semanas atrás, Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional, anunciou que aqueles que não reconhecessem o veredito oficial da autoridade eleitoral (CNE) e do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) em relação ao pleito de 28 de julho não poderiam participar de futuras eleições. Essa ameaça confirma o caráter excludente das eleições que virão, o que acaba com qualquer possibilidade de disputas concorridas e livres. Esse é um resultado previsível do controle do governo sobre as instituições e sua incapacidade de competir e se legitimar eleitoralmente. É também o que aconteceu em outras autocracias eleitorais em circunstâncias semelhantes, como Rússia, Belarus e Nicarágua.

O papel das vozes estrangeiras

Nesse cenário, a comunidade internacional pode desempenhar um papel duplo, que pode parecer contraditório, mas é, na verdade, complementar: pressionar o governo e, ao mesmo tempo, facilitar um possível processo de negociação. Portanto, enquanto parte essencial da comunidade internacional avança com pressão diplomática pela publicação da contagem dos votos e respeito aos resultados, países mais próximos do governo Maduro, como Brasil e Colômbia, poderiam ter maior influência em uma negociação.

Mas enquanto as circunstâncias atuais forem sustentáveis para o governo, as chances de uma solução negociada são praticamente nulas.

A verdade é que Miraflores enfrenta o isolamento internacional, o que incentiva suas ações ao mesmo tempo em que limita sua margem de manobra. Maduro vem aprofundando uma aproximação com regimes não democráticos, como China, Rússia, Irã, Cuba e Nicarágua, entre outros, aumentando as expectativas — talvez excessivamente — em relação à reunião dos BRICS na Rússia em outubro, para a qual Maduro foi convidado.

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O novo contexto traz questões críticas para a liderança da oposição, a sociedade venezuelana e a comunidade democrática internacional. Cabe às lideranças montar uma estratégia que promova a participação de todos os setores da sociedade para impedir a consolidação de um regime totalitário na Venezuela. Ao mesmo tempo, os líderes exilados na Espanha desempenharão um papel essencial nos próximos meses, convencendo e instando o Parlamento Europeu a seguir o que o Congresso espanhol fez dias atrás e apoiando González Urrutia como um ator relevante do exterior. Uma mudança de destino para o país depende da sociedade venezuelana e da comunidade internacional. O futuro de milhões de venezuelanos depende do que acontecer a seguir.

Opinião por Benigno Alarcón Deza*

*Alarcón Deza é o Diretor do Centro de Estudos Governamentais e Políticos da Universidad Católica Andrés Bello, em Caracas

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