Como a Flórida deixou de ser um Estado-pêndulo e se tornou ‘trumpista por natureza’

No passado um dos principais palcos da disputa presidencial, o Estado foi perdido pelos democratas. Equívocos do partido e uma mudança demográfica fizeram com que todos os 67 condados da Flórida ficassem mais republicanos

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Por Patricia Mazzei (The New York Times)

Os dias da Flórida como Estado indefinido em eleições presidenciais ficaram no passado. Os candidatos deixaram de aparecer por lá semanalmente durante as campanhas. Os eleitores deixaram de ser bombardeados por seus anúncios. E não resta nem sombra de dúvida de que o Estado favorecerá os republicanos.

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Eleições presidenciais na Flórida costumavam ser decididas por margens mínimas — nenhuma menor do que os 537 votos que, após uma infame recontagem, permitiram a entrada de George W. Bush na Casa Branca, em 2000. Republicanos e democratas fizeram campanhas ferozes durante as duas décadas que se seguiram, conforme a Flórida, abundante em votos eleitorais, tornava-se o maior Estado indefinido.

Mas nos últimos quatro anos o Partido Democrata na Flórida definhou — e enfrenta dificuldades para se reerguer. Os democratas perderam a vantagem que possuíam no número de eleitores registrados e agora são superados por mais de 1 milhão de republicanos. Os Democratas não ganham cargos que abrangem inteiramente o Estado desde 2018. As arrecadações de recursos para eleições nacionais secaram quase completamente.

O Partido Republicano da Flórida é um dos partidos estaduais mais bem financiados do país, devido a 25 anos de controle do governo estadual republicano Foto: Scott Mcintyre/NYT

A perda da Flórida enquanto fonte de votos eleitorais emerge à medida que os democratas disputam até o último voto os eleitores dos sete Estados indefinidos na eleição presidencial de 2024.

As razões são, em alguns casos, estruturais e antigas: demografia, manipulações partidárias de circunscrições eleitorais e limitações de mandatos legislativos. Mas outras foram fabricadas pelos próprios democratas: por uma indisposição de investir o suficiente nas engrenagens das vitórias eleitorais; divisões na arrecadação; e percepções equivocadas sobre o crescente eleitorado hispânico, de acordo com uma análise de números de registros de eleitores, gastos de campanha e mais de uma dúzia de entrevistas com operadores políticos de ambos os partidos.

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O que acontecer em 5 de novembro e nos ciclos eleitorais seguintes na Flórida será um teste para a política do país, à medida que mais pessoas se mudam para Estados do Cinturão do Sol e esses Estados obtêm mais votos eleitorais. Os democratas precisarão abrir caminhos por lá — e muitos — para chegar à presidência.

“A história da Flórida não é apenas a história da Flórida”, afirmou Raymond Paultre, diretor-executivo do grupo Alliance, de doadores democratas no Estado. “É a história de um movimento progressista com dificuldades para avançar no Sul, competir entre os eleitores mais jovens de cor e conquistar os jovens brancos.”

Os percalços na Flórida ficaram evidentes em 2020, quando o diretório nacional do Partido Democrata deixou em grande medida de direcionar recursos para campanhas no Estado.

Dois anos antes, os democratas tinham lançado um incumbente moderado, Bill Nelson, para disputar uma vaga no Senado, e um progressista, Andrew Gillum, para governador, cobrindo todas as suas bases políticas. Ambos perderam após recontagens. Nelson perdeu para o senador Rick Scott, um republicano cuja vasta fortuna o ajudou a vencer três eleições estaduais por 1 ponto porcentual de vantagem ou menos.

A Flórida começou a parecer impossível de conquistar para os democratas. Enquanto os democratas perderam terreno, os republicanos aproveitaram oportunidades para reorganizar o eleitorado do Estado para sua vantagem. Uma torrente de políticas conservadoras se seguiu, destinadas a cimentar a Flórida enquanto bastião do poder republicano.

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Os resultados forçaram os democratas a tentar reabrir caminhos eleitorais para a vitória à medida que a Flórida se afastava deles.

Em 2020, Joe Biden conquistou a Casa Branca, mas a Flórida votou pelo ex-presidente Donald Trump, colocando fim a uma sequência de eleições presidenciais em que os eleitores do Estado determinaram o vencedor iniciada em 1996. A vitória de Trump na Flórida em 2020, por pouco mais de 3 pontos porcentuais, foi a maior margem em disputa presidencial no Estado desde 2004.

Neste ano, as pesquisas mostram Trump em média sete pontos à frente da vice-presidente Kamala Harris na Flórida.

O governador Ron DeSantis, um republicano eleito em 2018 com menos de 0,5 ponto porcentual de vantagem, ganhou o crédito pela transformação da Flórida, apesar de ter tardado anos para o fenômeno ser construído. DeSantis foi reeleito em 2022 com mais de 19 pontos de vantagem, um marco que ele tinha esperança que alimentasse sua campanha presidencial e esmagasse qualquer projeção sobre os democratas poderem se tornar competitivos novamente no futuro próximo.

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“Ao longo de todo este século, em eleições presidenciais nós andamos sobre o fio da navalha na Flórida”, disse DeSantis a colegas republicanos de seu Estado durante um jantar do partido, no mês passado. Agora, acrescentou ele, a vitória “vem de bandeja”.

“Vocês estão satisfeitos por sermos um Estado solidamente republicano?”, perguntou ele. A multidão aplaudiu.

Democratas afirmam que a transformação política da Flórida ocorreu gradualmente, e depois de uma vez.

Em 2012, o último ano que um candidato democrata à presidência, Barack Obama, venceu na Flórida, os democratas superaram os republicanos no Estado por cerca de 1,5 milhão de votos. Desde então, todos os 67 condados da Flórida ficaram mais republicanos.

Em 2020, o número de eleitores democratas registrados no Estado tinha caído para cerca de 97 mil. Até 1.º de setembro, a Flórida, com cerca de 16,1 milhões de eleitores, tinha aproximadamente 1 milhão de republicanos “ativos” registrados a mais do que democratas. O Estado listou desproporcionalmente mais democratas como eleitores “inativos”, afirmou o especialista em eleições Daniel Smith, da Universidade da Flórida. Eleitores são classificados como inativos se não votam, não solicitam cédulas postais ou não atualizam seus registros em duas eleições gerais.

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O governador republicano da Flórida, Ron DeSantis Foto: Charlie Neibergall/AP

Alguns novos republicanos são vira-casaca — ex-democratas registrados de longa-data que provavelmente votavam há anos nos republicanos — um realinhamento que ocorreu em todo o Sul. Outros se mudaram para a Flórida como parte de um movimento migratório que começou no passado mas se intensificou durante a pandemia de coronavírus.

Mas os partidos políticos e seus líderes também desempenharam uma função. O Partido Republicano da Flórida é uma das legendas estaduais mais bem financiadas graças a 25 anos de controle republicano sobre o governo do Estado. Crucialmente, o partido administra seu próprio programa de registro de eleitores.

Os democratas não vencem uma disputa para o governo da Flórida desde 1994. Os republicanos desenham circunscrições legislativas e têm supermaiorias na Câmara dos Deputados e no Senado do Estado.

Incapaz de empunhar muito poder, o Partido Democrata da Flórida terceirizou cada vez mais o registro de eleitores na década passada para grupos sem fins lucrativos. Descentralizar o partido tinha objetivo de criar uma duradoura infraestrutura progressista, mas, apesar de arrecadar milhões de dólares, os grupos externos não conseguiram registrar grandes números de eleitores. Novas leis estaduais dificultaram ainda mais seu trabalho.

A descentralização também ocasionou divisões na arrecadação de recursos. Depois do sucesso de Obama na Flórida, um grupo de doadores democratas buscou mais discrição em seus gastos. Imitando um modelo bem-sucedido no Colorado, eles formaram o grupo Alliance, que destina recursos a causas progressistas, mas não para o partido.

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Essa mudança prejudicou o Partido Democrata da Flórida que, sem um governador para impulsionar a arrecadação de recursos, dependeu pesadamente de doadores individuais, afirmou o estrategista democrata Steve Schale.

“Sem dúvida há lugar para os grupos externos”, disse ele. “Mas nós simplesmente seccionamos completamente o partido ao fazer isso.”

Mas Carlos Odio, ex-diretor-executivo do Alliance, afirmou que essa crítica é equivocada, notando que, “em Estados que têm uma infraestrutura bem articulada, um partido forte coexiste com o ambiente externo.”

Odio acrescentou, “Para derrotar um inimigo mais poderoso a gente constrói uma coalizão maior”.

A Flórida foi para Barack Obama em 2012, a última vez que um candidato presidencial democrata venceu o Estado. Obama em um evento de campanha em julho de 2012 Foto: Richard Perry/NYT

Os democratas da Flórida pensaram que sua coalizão cresceria conforme o Estado ficasse mais hispânico, uma antiga previsão que se repetia em vários Estados. Em 2012, cerca de 14% dos eleitores registrados na Flórida se identificavam como hispânicos, em comparação a mais de 18% este ano.

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Os republicanos da Flórida priorizaram os hispânicos a partir dos anos 80, liderados por Jeb Bush, que presidiu o partido no Condado de Miami-Dade e posteriormente cumpriu dois mandatos à frente do governo do Estado. Como resultado, os hispânicos da Flórida, em sua maioria cubano-americanos, votavam normalmente nos republicanos. Os democratas pensavam que, conforme os exilados cubanos mais velhos fossem morrendo, as gerações mais jovens penderiam para o seu partido. As vitórias de Obama alimentaram essa hipótese.

Em 2016, Hillary Clinton conquistou cerca de 62% dos hispânicos na Flórida, mas ainda assim perdeu no Estado. Sua campanha recebeu apoio de eleitores de minorias mas não conseguiu limitar derrotas nos condados mais brancos, como Obama tinha feito. Os subúrbios e as localidades mais periféricas, especialmente no mercado de mídia de Tampa, tinham ficado mais republicanos. As pessoas atraídas por Trump — particularmente os brancos mais velhos e sem grau universitário — provaram-se abundantes no Estado, que tem muitos aposentados e trabalhadores do setor de serviços.

Os democratas já enfrentavam problemas em Tampa. E logo teriam problemas também na cidade de Miami.

Hispânicos compõem aproximadamente 68% da população do Condado de Miami-Dade. Clinton venceu no condado, que é o mais populoso da Flórida, com 30 pontos porcentuais de vantagem. Quatro anos depois, Biden ganhou por lá por apenas 7 pontos.

De 2016 a 2020, os republicanos cortejaram incansavelmente os hispânicos da Flórida. Trump cortou as relações que Obama tinha forjado com o governo comunista de Cuba. Quando era governador, Scott aprendeu palavras em espanhol e ofereceu ajuda aos porto-riquenhos após a passagem do furacão Maria. O senador Marco Rubio — um cubano-americano que fala espanhol fluentemente — obteve sanções contra o governo venezuelano.

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Os hispânicos de classe trabalhadora sofreram durante a pandemia. Protestos contra a violência policial expuseram uma fissura entre os hispânicos e os grupos progressistas. O trumpismo acabou atraindo mais amplamente esse eleitorado, incluindo muitos que tinham votado em democratas no passado.

Em 2020, os votos dos cubano-americanos ficaram mais parecidos com os de seus avós. Um fluxo de recém-chegados que tinham sentido pouca melhora em suas vidas durante a era Obama favoreceu Trump.

“Houve essencialmente um realinhamento no Sul da Flórida”, disse o consultor cubano-americano Giancarlo Sopo, que deixou de votar nos democratas e mudou o voto para o Partido Republicano.

Os democratas serão capazes de se reerguer?

As eleições de meio de mandato em 2022 foram o ponto mais baixo dos democratas na Flórida. Seu candidato ao governo, Charlie Crist, era um ex-republicano que não inspirava lealdade. Pouco dinheiro nacional pingou. O comparecimento às urnas desabou: cerca de 600 mil democratas a menos votaram em comparação a 2018, de acordo com o consultor de dados democrata Matthew Isbell.

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Apoiadores se inclinam para tirar fotos do ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, enquanto ele discursa durante um comício de campanha para o candidato republicano ao governo da Flórida, Ron DeSantis Foto: Scott Mcintyre/NYT

Neste ano, a presidente estadual do Partido Democrata, Nikki Fried, afirmou que a Flórida estava em jogo novamente. Mas operadores sabem que suas vitórias, se ocorrerem, deverão ser modestas: melhorar o comparecimento; ganhar alguns assentos no Legislativo; manter as disputas à presidência e ao Senado em margens de um só dígito.

“Não vamos passar de uma derrota de 20 pontos em 2022 para um clima de ‘tudo bem’”, afirmou a consultora democrata Beth Matuga, que coordena as campanhas para Câmara dos Deputados estadual.

Os democratas desbancaram os republicanos e conquistaram a prefeitura de Jacksonville no ano passado e um assento na Câmara estadual por Orlando neste ano. Aproximadamente a metade dos candidatos às diretorias de ensino apoiados por DeSantis perdeu nas primárias de agosto. A prefeita democrata do Condado de Miami-Dade, Daniella Levine Cava, conquistou com facilidade a reeleição.

Em novembro, a maior vitória dos democratas poderá decorrer da medida que garante os direitos ao aborto. Mas essa medida, conhecida como 4.ª Emenda, precisa de 60% de apoio para ser aprovada.

O Partido Democrata da Flórida gastou vários milhões de dólares a mais em anúncios em defesa da 4.ª Emenda, de acordo com a AdImpact, uma empresa que monitora a publicidade política. A Campanha “Sim na 4.ª”, contudo, enfatiza que é apartidária. E o apoio somente dos democratas não seria suficiente para sua aprovação. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO