Como a Força Aérea dos EUA usou o Tinder do Oriente Médio para amedrontar o Líbano

Um anúncio alertando que caças dos EUA estavam prontos para responder a provocações apareceu em um aplicativo de namoro no Líbano.

PUBLICIDADE

Por Ellen Nakashima (The Washington Post) e Alex Horton (The Washington Post)

O aviso apareceu online na semana passada em árabe, abaixo de fotos de aviões de guerra dos EUA: “Não peguem em armas contra os Estados Unidos ou seus parceiros”, dizia, observando que os EUA “protegerão seus parceiros diante das ameaças do regime iraniano e seus representantes”.

PUBLICIDADE

E para enfatizar a mensagem: o Comando Central está “totalmente preparado” e pronto para empregar aeronaves F-16 e A-10 “atualmente na região”.

Conforme crescem os temores de um conflito mais amplo entre o Irã e seus representantes contra Israel e seus apoiadores, o aviso, aparentemente direcionado a jovens descontentes no Oriente Médio, talvez não seja tão surpreendente.

O que chamou a atenção foi a plataforma em que foi exibido: o Tinder.

Publicidade

Anuncio da Força Aérea dos EUA na plataforma Tinder tenta amedrontar libaneses durante escalada de tensões de Israel com Irã e Hezbollah  Foto: Tinder/Reprodução

O anúncio no aplicativo de namoro americano que deu ao mundo as expressões “arrastar para a direita” (para aprovar um match) e “arrastar para a esquerda” (para rejeitar) levantou novas questões a respeito das operações de informação online do Exército dos EUA, que visam influenciar as opiniões de públicos estrangeiros e combater o que o governo percebe como narrativas enganosas de adversários estrangeiros.

Ameaça

Parte de uma campanha mais ampla no que é comumente chamado de operações psicológicas ou operações de suporte de informação militar, o anúncio pertencia ao Centcom, de acordo com um oficial dos EUA familiarizado com o assunto, que como várias outras fontes falou sob condição de anonimato por causa da sensibilidade do assunto.

Foi uma ameaça explícita de que o Pentágono tomaria medidas se o Irã ou seus representantes ameaçassem os EUA ou seu aliado Israel, um aviso extraordinário — que alguns especialistas viram como desajeitado — e um lembrete de que as forças americanas ajudaram a derrubar dezenas de drones e mísseis iranianos em um ataque em abril.

A Força Aérea dos EUA publicou uma série de flyers na plataforma Tinder com ameaças ao Líbano durante um aumento nas tensões no Oriente Médio  Foto: Tinder/Reprodução

O Comando Central se recusou a comentar o caso, dizendo que geralmente não discute operações de informação. O Pentágono não fez comentários a respeito da publicação específica.

Publicidade

Mas, separadamente, um oficial de defesa disse ao Washington Post que “em termos gerais e por determinação de nossas políticas, o Departamento de Defesa conduz operações de informação militar em apoio às nossas prioridades de segurança nacional. Essas atividades devem ser realizadas em conformidade com a lei dos EUA e as políticas do Departamento de Defesa e temos o compromisso de aplicar essas salvaguardas”.

Violação

O Tinder removeu o anúncio depois que o Post perguntou a respeito dele na quinta feira. Philip Fry, um porta-voz da empresa, disse que ele “violava nossas políticas” a respeito de mensagens violentas e políticas.

Séamus Malekafzali, um jornalista freelancer residente no Líbano, disse que encontrou o anúncio quando abriu o Tinder na quinta feira passada. Arrastar para a direita o redirecionou para uma publicação do Comando Central no X, disse ele ao Post, com uma mensagem semelhante escrita em árabe descrevendo a presença de aeronaves de ataque na região.

Ele publicou capturas de tela do anúncio no X. A publicação viralizou. “Quem diabos aprovou isso e qual era o nível de cada um na hierarquia de comando?” Timothy Kaldas, vice-diretor do Instituto Tahrir para Política do Oriente Médio, publicou no X.

Publicidade

Um oficial de operações psicológicas militares dos EUA zombou do esforço. “Não pareceu que seria muito eficaz”, disse o funcionário, que trabalhou em campanhas de operações de informação e não estava autorizado a falar oficialmente. “Qual é a mensagem que eles acham que vai ecoar daqui?”, disse o funcionário. “É apenas um recado bem claro do tipo ‘não se metam comigo’.”

Quanto ao anúncio que aparece no Tinder, outro oficial dos EUA brincou: “O nome disso é ‘ir ao encontro das pessoas onde elas estão’”.

Para Gittipong “Eddie” Paruchabutr, um oficial da reserva de operações psicológicas do Exército que trabalhou em política de operações de informação, a mensagem em si pode ser eficaz se “fizer parte de uma campanha de longo prazo apoiando uma política contínua, e não uma compra de anúncio avulsa”.

Mas, ele acrescentou, o Tinder provavelmente foi uma escolha ruim de canal. “Estou supondo que o beligerante médio provavelmente está entre um subconjunto muito pequeno de usuários do Tinder”, disse Paruchabutr, agora um membro sênior não residente do Atlantic Council.

Publicidade

Força Aérea dos EUA tenta reduzir as tensões no Líbano por meio de publicações na plataforma Tinder  Foto: Tinder/Reprodução

Abordagem

Uma abordagem mais eficaz, disse ele, seria procurar identificar os locais ou plataformas online frequentados pelo público-alvo, que neste caso, podem ser “homens em idade militar”, disse. Isso pode incluir um grupo fechado do Facebook ou uma conta do Telegram, completou.

O Centcom frequentemente usa terceiros para criar e disseminar a mensagem para um público específico, usando várias ferramentas para ajudar a identificar plataformas, ele disse.

Em 2022, o chefe de políticas do Pentágono ordenou uma auditoria abrangente de operações psicológicas militares clandestinas depois que empresas de mídia social removeram contas com base em personas falsas que suspeitava-se terem sido criadas pelos militares dos EUA. O Post verificou que as contas eram de fato obra dos militares, incluindo o Centcom. Uma conta falsa alegou que os afegãos receberam os corpos sem órgãos de parentes que fugiram do Irã, de acordo com um relatório publicado pela Universidade Stanford. Algumas das contas retiradas incluíam um site de mídia em língua persa inventado que compartilhava conteúdo republicado da Voice of America Farsi e da Radio Free Europe, financiadas pelos EUA. As contas foram removidas em 2020.

A revisão resultou em políticas mais rígidas em relação ao uso de operações clandestinas de informação, que agora exigem a aprovação de funcionários de alto escalão do Pentágono, da CIA e do Departamento de Estado, informou o Post no ano passado. Após essa mudança de política, a prática de implantar contas falsas para influenciar públicos estrangeiros foi drasticamente reduzida, disseram autoridades.

Publicidade

Separadamente, os militares conduziram uma campanha secreta de operações de informação no auge da pandemia de covid-19 durante o governo Trump, criando contas falsas para conter os esforços de influência chinesa nas Filipinas, informou a Reuters em junho.

Um oficial de defesa disse ao Post em uma declaração que o governo atual, quando foi informado da campanha em 2021, “pausou as atividades, promoveu uma revisão completa de nossas operações de informação e interrompeu todas as operações de informação relacionadas à vacina contra a COVID. Continuamos a refinar nossos processos para melhorar a responsabilização e a supervisão das operações de informação”.

O anúncio do Tinder, por outro lado, aparentemente não é uma campanha clandestina: o logotipo do Centcom estava claramente visível.

Todas as campanhas de operações psicológicas militares, sejam abertas ou clandestinas, estão sujeitas a um processo de aprovação regido por uma política definida pelo Pentágono. Essa política aborda os objetivos, potenciais públicos-alvo e circunstâncias sob as quais uma campanha deve ser coordenada com outra agência do governo dos EUA e em qual nível. As aprovações para campanhas abertas geralmente são tratadas no nível de comando combatente.

Publicidade

O anúncio do Tinder “é um erro não forçado ou fruto da preguiça”, disse Paruchabutr. “Para combater os adversários no espaço da informação, precisamos de profissionais de influência mais treinados e precisamos responsabilizar seus líderes quando eles erram.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.