Como a Índia vai superar a população da China até o fim de abril

Explosão demográfica indiana é acentuada por contraste entre sul desenvolvido e norte empobrecido

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Por Gerry Shih e Karishma Mehrotra

NOVA DÉLHI — Nas semanas mais recentes, duas gestantes na Índia — Vaishnavi Logabiran e Malika Begum — deram à luz um menino e uma menina, somando dois recém-chegados a uma população indiana de 1,4 bilhão que, de acordo com funcionários das Nações Unidas, estaria agora ultrapassando a da China para se tornar a maior do mundo.

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Os bebês nasceram em um intervalo de duas semanas. Mas, sob muitos aspectos, nasceram em duas Índias diferentes.

Ainda que a população total da Índia não esteja mais crescendo vertiginosamente, apresentando na verdade uma rápida tendência à estabilização, especialistas da ONU projetam que, em algum momento desse mês, ela vai finalmente superar a da China, que encolhe gradualmente (não sabem dizer exatamente quando). Mas este marco demográfico oculta trajetórias dramaticamente diferentes dentro da Índia, com a taxa de natalidade apresentando grande variação de um estado para o outro.

No sul do país, em Tamil Nadu, o estado de Vaishnavi, repleto de fábricas que produzem carros e iPhones, cada mulher terá em média 1,8 filho em sua vida — número comparável ao observado nos Estados Unidos e na Suécia. Mas, em Bihar, onde reside Malika, uma vastidão agrícola cortada pelo Rio Ganges, cada mulher terá em média três filhos, de acordo com o mais recente Levantamento Nacional de Saúde da Família da Índia, realizado entre 2019 e 2021.

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Parveen Begum, mãe de 11 filhos, cuida de seu último bebê: natural de um Estado do norte do país, ela nunca teve acesso a contraceptivos nem a planejamento familiar  Foto: Karishma Mehrotra / The Washington Post

As vidas de Vaishnavi e Malika — e as histórias de seus estados natais — ilustram a transformação desigual do norte e do sul da Índia, um abismo que aumentou desde os anos 1980 e continua constrangendo lideranças e responsáveis pelas políticas públicas no país. De acordo com os especialistas, os estados do sul oferecem às mulheres mais acesso a contraceptivos e serviços de planejamento familiar, e também um ensino melhor, mais empregos e um status social relativo mais elevado — fatores intangíveis e cruciais que levaram a famílias menores e mais prosperidade.

“Do ponto de vista demográfico, temos duas Índias”, disse Arvind Subramanian, principal assessor econômico do governo indiano entre 2014 e 2018. “A Índia do sul já se parece com o Leste Asiático. Na verdade, está nos primeiros estágios do envelhecimento. Mas o interior dos hindus segue crescendo com força.”

A filha de Vaishnavi nasceu em um hospital de Tamil Nadu, a cerca de 50 quilômetros da Baía de Bengala. O filho de Malika nasceu em uma clínica do vilarejo no norte de Bihar, perto de onde começa o Himalaia. Os lares de Vaishnavi e Malika geram aproximadamente a renda média de seus respectivos estados, mas as vidas das duas mães seguiram trajetórias dramaticamente diferentes: Vaishnavi se casou depois de formada em comércio; Malika, como 40% das mulheres em Bihar, casou-se na adolescência, e nunca esteve na escola.

Hoje, Vaishnavi, 27 anos, tem dois filhos; Malika, 22 anos, tem quatro. “Dois é o bastante”, disse Vaishnavi, descansando em uma arejada ala pós-natal onde ela e muitas outras mulheres aguardavam pela cirurgia de esterilização. “Foi uma decisão coletiva da família.”

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Atualmente, a diferença econômica e demográfica entre as duas Índias está “se tornando uma questão cada vez mais tensa”, disse Subramanian. “Mas é também uma oportunidade.”

A diferença entre norte e sul em se tratando da taxa de natalidade e do desenvolvimento em geral está despertando frequentes debates a respeito de como distribuir os gastos federais e os assentos no parlamento. Incitou também iniciativas de lideranças do governo e especialistas em desenvolvimento para oferecer empregos suficientes para os estados do norte, mais pobres — e melhorar a vida de mulheres como Malika, que seguem deixadas para trás mesmo enquanto a dinâmica economia da Índia parece destinada a ultrapassar a da Alemanha ainda nesta década.

Sentada no calor seco de abril no norte da Índia, Malika disse que nunca aprendeu a ler porque os pais, trabalhadores imigrantes, levaram a família para o distante Punjab. Ela disse que nunca desejou o quarto filho, mas engravidou porque ela e o marido temiam que o uso de preservativos pudesse causar tumores nele.

“É muito estressante ter tantos filhos”, disse Malika, enquanto a segunda filha, Roza, segurava sua perna chorando por atenção. “O que aconteceu já aconteceu. Pelo menos foi um menino.”

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Nusrat Jahan e sua colega, Nasiba Jahan, caminham pela vila de Sontha, no norte do país, tentando educar e convencer mulheres a fazer um planejamento familiar Foto: Karishma Mehrotra / The Washington Post

Alertas de uma ‘bomba populacional’

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Pouco depois de a Índia obter sua independência, em 1947, suas lideranças adotaram medidas para limitar a taxa de natalidade, então na casa de seis crianças por mulher. Os demógrafos alertaram para a formação de uma “bomba populacional”.

Em 1952, a Índia deu início a um programa nacional de planejamento familiar e lançou um slogan que se tornou onipresente: “hum do, hamare do” — algo como, “somos dois, teremos apenas dois filhos”. Nas décadas seguintes, a questão se tornou uma prioridade, e a primeira-ministra Indira Gandhi chegou a supervisionar a esterilização forçada de milhões de homens, levando à instabilidade política e ao pânico em massa.

Mas, com uma onda de liberalização econômica varrendo a Índia no fim dos anos 1980, o pesadelo malthusiano nunca se materializou. A manufatura e o setor de serviços cresceram muito no sul e, nos anos 1990, os estados de Kerala e Tamil Nadu já cruzaram a chamada “taxa de substituição” necessária para manter uma população estável: 2,1 filhos por mulher. Como um todo, a Índia está abaixo da taxa de substituição desde 2021, e espera-se que sua população chegue ao auge em algum momento perto de 2060.

“Onde a governança tem sido boa, onde a alfabetização e o ensino das mulheres são melhores, onde os serviços públicos de saúde são melhores, veremos uma taxa de crescimento populacional naturalmente mais baixa”, disse Poonam Muttreja, diretora executiva da ONG Fundação Populacional da Índia.

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Em Tamil Nadu, as autoridades e os especialistas em saúde pública dizem que a origem do seu sucesso pode ser encontrada no início do século 20, quando o ativista e político Erode Venkatappa Ramasamy, amplamente conhecido como Periyar, lançou um movimento social e político contra a desigualdade entre castas e gêneros. O movimento de Periyar enfatizava o ensino das mulheres e segue influenciando os administradores do estado.

“Damos 1.000 rúpias a cada universitária em Tamil Nadu que tiver concluído seu ensino em uma escola do governo”, disse S. Senthilkumar, membro do parlamento de Tamil Nadu. “Isso porque queremos que elas estudem, e não se casem.”

Embora o norte tenha obtido grandes avanços nos anos mais recentes, a diferença regional ainda é significativa. De acordo com o levantamento familiar nacional de 2021, 84% das mulheres de Tamil Nadu são alfabetizadas atualmente, em comparação a 55% em Bihar, a taxa mais baixa da Índia. Quarenta e seis por cento das mulheres casadas em Tamil Nadu estiveram empregadas nos 12 meses mais recentes, em comparação a 19,2% das mulheres casadas em Bihar.

Crescendo no vilarejo de Veppambattu nos arredores de Chennai, os pais de Vaishnavi — um motorista de riquixá e uma dona de casa — tinham quatro e seis irmãos, respectivamente. Mas eles mandaram Vaishnavi para a escola com o irmão, com as despesas pagas integralmente pelo governo do estado, e Vaishnavi seguiu até obter um diploma de mestrado, que ela converteu em um emprego de meio período como contadora de uma pequena empresa de substâncias químicas.

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Vaishnavi Logabiran segura seu bebê recém-nascido: aos 27 anos, natural de Tamil Nadu, no sul do país, ela fez uma operação paga pelo Estado para não ter mais filhos  Foto: Gerry Shih / The WashingtonPost

Assim que Vaishnavi engravidou pela primeira vez, aos 24 anos, o sistema público de saúde do estado entrou em ação. Uma “enfermeira do vilarejo” — dentre milhares de outras instaladas nos chamados Centros de Saúde Primária espalhados pelo interior — registrou Vaishnavi no sistema de saúde do estado. A enfermeira fez o acompanhamento com ela regularmente e levou Vaishnavi a um hospital regional quando ela entrou em trabalho de parto.

Mesmo antes de Vaishnavi dar à luz, enfermeiras do vilarejo e conselheiras de planejamento familiar no hospital começaram sua campanha: não tenha mais do que dois filhos, não os tenha com intervalo inferior a três anos. Se as mães não optassem pela esterilização, era apresentado a elas um “menu” de alternativas anticoncepcionais temporárias, distribuídas gratuitamente em clínicas de saúde primária e em ônibus, disse S. Shobha, ex-diretora do Instituto de Obstetrícia e Ginecologia em Chennai e assessora do governo.

Em Tamil Nadu, as mulheres que aceitam dispositivos intra-uterinos recebem cerca de US$ 2 como recompensa. As que aceitam uma laqueadura recebem aproximadamente US$ 8. Como as famílias ainda manifestam uma preferência tradicional por meninos, o governo oferece uma recompensa substancial para as mulheres que concordam com a esterilização depois de ter duas filhas. A recompensa equivale a cerca de US$ 240 e é depositada em um fundo destinado às filhas.

A preferência por meninos levou a um desequilíbrio entre os gêneros na Índia. A desproporção entre meninos e meninas começou a aumentar bastante nos anos 1970 com a introdução de testes pré-natais e abortos legalizados. Mas os dados nacionais mostram que o desequilíbrio esteve finalmente recuando nos dez anos mais recentes, conforme o governo Modi implementou uma campanha massiva contra os abortos decorrentes da escolha do gênero do bebê. De acordo com levantamentos entre as famílias, a desproporção tem caído constantemente: em 2006, nasceram 918 meninas para cada 1.000 meninos, e em 2021 foram 928 meninas nascidas para cada 1.000 meninos.

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Programas que estimulam a formação de famílias menores também existem em Bihar. Mas os dados mostram que o estado, carente de recursos, ficou para trás. O levantamento das famílias de 2021 mostrou que Bihar tinha uma das porcentagens mais altas da Índia de mulheres que não queriam ter filhos, mas não conseguiam obter contraceptivos.

Há muito sob a liderança de Nitish Kumar, Bihar enfatizou a melhoria do ensino das mulheres como solução de longo prazo. Em 2007, Kumar anunciou um plano para dar às garotas do oitavo ano bicicletas para enfrentar o custo e os perigos do caminho até a escola — reduzindo muito a evasão escolar nas áreas rurais. Kumar também começou a distribuir uniformes escolares gratuitos e absorventes às meninas.

Avisos em hospital de Tamil Nadu, no sul do país, alertam para benefícios fiscais pagos para mulheres que aceitarem tomar contraceptivos ou fazerem operação para não ter mais filhos  Foto: Gerry Shih / The Washington Post

“Todos os avanços que conseguimos foram consequência disso”, afirmou Mohammed Sajjid, funcionário do programa encarregado de supervisionar o planejamento familiar em Bihar, em relação ao ensino das mulheres. Ainda assim, ele acrescentou que novos ganhos “exigirão mais tempo”.

Em um estado em que predominam as atitudes conservadoras, os funcionários de saúde de Bihar dizem que os comportamentos mudam devagar. No hospital do governo em Kishanganj, o doutor A.K. Dubey disse que as mulheres costumam pedir injeções hormonais contraceptivas para evitar que suas famílias saibam que elas estão usando métodos anticoncepcionais. Em outras ocasiões, Dubey viu maridos furiosos chegarem ao hospital exigindo saber por que os médicos ofereceram dispositivos intra-uterinos sem a permissão deles.

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Ainda assim, ele observou uma diminuição no tamanho das famílias em relação a cinco anos atrás, quando o comum era mais de seis filhos por família, disse Dubey. “As mulheres são mais conscientes do que seus maridos”, disse ela.

Uma divisão perigosa

Cada vez mais, o fracasso da Índia em acabar com as divisões demográficas e econômicas entre norte e sul está trazendo consequências políticas.

Em Bihar, a pressão sobre o funcionalismo público é tão forte que cortes nas vagas de trabalho governamentais ou no recrutamento do exército costumam desencadear distúrbios. Enquanto isso, estados do sul como Tamil Nadu, que espera ver um declínio populacional em algum momento da próxima década, viram a chegada de um grande número de trabalhadores imigrantes vindos do norte, levando a ocasionais atritos.

No mês passado, youtubers em Bihar foram detidos por terem criado um vídeo falso alegando que trabalhadores imigrantes eram espancados em Tamil Nadu. Os vídeos desencadearam uma indignação nacional, e representantes do partido que governa a Índia, Bharatiya Janata, desmentiu que imigrantes do norte seriam perseguidos.

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De sua parte, os estados do sul têm se irritado cada vez mais com a fatia de sua arrecadação fiscal destinada aos estados do norte, que formam o núcleo do apoio ao partido Bharatiya Janata.

Se o norte da Índia espera superar essa diferença, a tarefa deve recair sobre trabalhadores da linha de frente como Nusrat Jahan, 32 anos, que integra com muita energia o programa governamental de Ativistas Sociais de Saúde Cadastrados (ASHA).

Em uma tarde recente, Jahan percorria as ruas do vilarejo de Sontha, em Bihar, tentando convencer as mulheres a usarem contraceptivos. Parveen Begum, que já tem 11 filhos, explicou que não conseguia se afastar das crianças por tempo suficiente para fazer a cirurgia de esterilização. A sobrinha de Parveen, Ruby, que tem cinco filhos, disse ter medo de ser esterilizada.

No fim de um beco lamacento, Jahan teve mais sucesso com a família que vivia atrás de paredes desgastadas, construídas pela metade.

Sentada no pátio estava Malika, que recebeu um dispositivo intra-uterino no mês passado depois de ter o quarto filho. Ao lado dela estava a cunhada, Guljari, que fez a cirurgia de esterilização depois do segundo filho. Malika explicou que, durante anos, ela nem soube onde obter as pílulas anticoncepcionais. Ela e Guljari jamais usavam camisinha, disse Malika, porque “isso pode matar os homens”.

Jahan fez uma expressão exasperada. Finalmente, Guljari intercedeu para dizer que não são as mulheres que não desejam famílias menores. Elas simplesmente não sabem como fazer isso.

“Sabemos que famílias menores, com dois ou três filhos, são felizes”, disse Guljari. “Com quatro ou cinco filhos, a vida é arruinada. Não conseguimos alimentá-los, nem educá-los, e nossa vida fica encalhada na pobreza. Queremos que nossos filhos se tornem algo na vida.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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