Por oito anos, Donald Trump dominou singularmente o panorama político americano. Mas enquanto se prepara para debater com a vice-presidente Kamala Harris pela primeira vez na semana que vem, o ex-presidente está enfrentando um raro momento em que os holofotes estarão muito mais voltados para sua oponente do que para ele.
A corrida para definir Kamala surgiu como um campo de batalha político central da disputa de 2024 desde a entrada surpresa dela, substituindo o presidente Biden em julho.
Os sentimentos dos eleitores em relação a Trump endureceram após uma década de exposição aos olhos do público. Esses sentimentos foram efetivamente congelados mesmo após impeachments, indiciamentos, uma condenação por crime grave e uma tentativa de assassinato. Em comparação, o apoio a Kamala tem sido volátil. As opiniões dos eleitores quanto à vice-presidente melhoraram repentina e acentuadamente nas quase sete semanas de sua candidatura, fortalecendo sua posição contra Trump.
Para Kamala, o debate nesta terça feira, 10, é sua melhor chance de consolidar esses ganhos. Para Trump, é sua maior oportunidade de miná-los, ou revertê-los.
O evento será a sétima vez que Trump subirá ao palco em um debate presidencial eleitoral — o maior número de vezes de qualquer candidato na era moderna — ao mesmo tempo em que será a estreia de Kamala. Estrategistas aliados de cada campanha disseram que isso significa que há pouca informação nova a ser coletada a respeito dele e muito para os eleitores aprenderem sobre ela.
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“Os eleitores decidiram por Donald Trump em 2016 e não mudaram de ideia”, disse Robert Blizzard, um veterano pesquisador republicano. “A diferença é que os eleitores começaram a mudar de ideia em relação a Kamala Harris.”
A briga envolvendo quem é Kamala — e o que ela representa — já vem dominando as transmissões nos principais estados indecisos. Das cerca de 325.000 exibições de anúncios de televisão que Trump, Kamala e seus principais aliados dos super PACs pagaram desde que ela entrou na corrida, cerca de 95% delas se concentraram nela, de acordo com uma análise de dados de rastreamento de anúncios da AdImpact feita pelo New York Times.
A campanha de Trump tentou rotular Kamala com um ataque triplo: “fracassada, fraca, perigosamente liberal”, e vincular a vice-presidente às partes mais impopulares do histórico de Biden-Kamala, especialmente quanto à imigração à economia. A campanha de Kamala a apresentou como uma ex-promotora dura em relação à fronteira que entende as necessidades da classe média e que ofereceria ao país um novo começo, mesmo que seu partido já tenha a Casa Branca.
Uma peculiaridade do calendário abreviado trouxe outro benefício a Kamala: os democratas conseguiram usar sua convenção para apresentá-la favoravelmente ao longo de quatro dias, mas os republicanos concentraram sua convenção anterior em seu rival na época: Biden. Os democratas apresentaram Kamala como a candidata da mudança que poderia recuperar o terreno tradicional do Partido Republicano de patriotismo e liberdade, retratando o aborto como um direito fundamental.
Em junho, a campanha de Biden havia telegrafado que os planos de debate do presidente incluíam atacar Trump como concorrendo apenas para defender a si mesmo e seus amigos bilionários. Mas Biden nunca executou totalmente essas linhas de ataque. Kamala terá a chance de fazer isso na terça feira.
Dos 84.937 anúncios que a campanha de Trump transmitiu desde o momento em que Kamala surgiu como candidata até o meio da semana, todos, exceto 189, apresentaram Kamala com destaque, de acordo com os dados da AdImpact. Mais de 90% dos anúncios que Kamala veiculou, enquanto isso, se concentraram fortemente em sua biografia, sua pauta ou ambos. O principal super PAC pró-Kamala, Future Forward, não veiculou nenhum anúncio puramente anti-Trump desde que ela começou a campanha de anúncios.
A importância de um debate presidencial — com dezenas de milhões de americanos assistindo — foi ressaltada em junho, quando o desempenho sinuoso e hesitante de Biden levantou questões relacionadas à sua idade e, por fim, o tirou da disputa menos de um mês depois.
O debate na Filadélfia na terça feira será, de longe, o momento não roteirizado mais longo para Kamala em sua candidatura — um encontro de alto risco contra um oponente com pouca consideração pelo decoro.
Apresentado pela ABC News, o debate de 90 minutos terá as mesmas regras e formato do debate de junho entre Trump e Biden, incluindo o silenciamento dos microfones quando não for a vez de um candidato falar, uma disposição que a equipe de Kamala tentou eliminar.
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A equipe de Kamala esperava recriar um momento como o que ela teve em 2020, quando sua resposta “Estou falando” às interrupções do ex-vice-presidente Mike Pence se tornou um dos momentos mais memoráveis daquele encontro.
A equipe de Trump está ansiosa para afastar Kamala de seus argumentos. Mas o próprio Trump tem tido dificuldade para definir uma mensagem anti-Kamala eficaz, passando por uma série de ataques em entrevistas e discursos a respeito do caráter de Kamala, seu histórico, sua identidade racial e suas mudanças de posição em questões-chave.
“Ele tem tentado defini-la e, de uma forma nada trumpiana, não tem tido sucesso”, disse Jennifer Holdsworth, uma estrategista democrata. “Primeiro, ele tentou transformá-la em Biden. Depois, tentou retratá-la como uma promotora liberal de São Francisco. Ele até tentou o caminho do racismo abominável. Mas não conseguiu atingi-la.”
O salto nas opiniões favoráveis a Kamala tem sido um dos elementos mais notáveis de sua breve candidatura. Ela passou de uma opinião geral desfavorável — a diferença entre os eleitores que não gostavam dela e os que gostavam dela no início de julho era de 17 pontos percentuais, de acordo com a média de pesquisas da 538 — a um virtual empate entre os eleitores que a aprovam e desaprovam agora.
Talvez a tarefa mais urgente para Trump seja garantir que Kamala permaneça intimamente associada a Biden em questões nas quais ele é impopular. O anúncio de TV mais exibido de Trump até agora, de acordo com os dados da AdImpact, mostra Kamala promovendo as “Bidenomics” três vezes em meio a uma onda de estatísticas econômicas negativas envolvendo preços da gasolina, inflação crescente e altas taxas de juros.
Por enquanto, Kamala não parece estar sobrecarregada com a bagagem do descontentamento dos eleitores com as políticas do governo Biden-Kamala. Uma pesquisa do Washington Post/ABC News no mês passado mostrou que apenas 11% dos eleitores achavam que Kamala tinha muita influência dentro do governo Biden na política econômica e 15% disseram o mesmo quanto à imigração — apesar dos esforços da equipe de Trump para rotulá-la como a “czar da fronteira”.
“Ela está recebendo todo o benefício de fazer parte do governo, sem nenhuma das desvantagens”, disse Blizzard, o pesquisador republicano. “Ela não está assumindo as falhas enxergadas no governo Biden.”
Celinda Lake, uma pesquisadora democrata que trabalhou na campanha de Biden em 2020, disse que a campanha de Trump estava atolada fazendo argumentos contraditórios ao chamar Kamala de ineficaz e influente.
“Você não pode dizer que ela não fez nada e ainda assim foi a condutora da Bidenomics”, disse Lake. “Você não pode afirmar as duas coisas.”
Em um evento na última quarta feira no Arizona, o senador J.D. Vance, companheiro de chapa de Trump, antecipou o número de equilibrismo da mensagem da campanha de Trump, rotulando Kamala como “radical” e uma inautêntica vacilante que agora estava se voltando para o centro após uma primária presidencial de 2020 na qual ela virou para a esquerda.
“Ela queria reduzir o financiamento da polícia. Agora, diz que não. Ela queria proibir o fracking. Agora diz que não. Ela era a czarina da fronteira que abriu a fronteira sul americana. Mas agora, de repente, ela diz que acredita na segurança da fronteira”, disse Vance.
Vance acrescentou que brincou com Trump que Kamala poderia aparecer com uma gravata vermelha comprida agora que ela está imitando a plataforma de Trump.
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Tanto a equipe de Trump quanto a de Kamala, e seus aliados, gastaram muito em anúncios de televisão sobre imigração, com um comercial de Trump listando vários crimes cometidos por imigrantes liberados quando Kamala era promotora distrital. “O sangue da vítima está em suas mãos”, conclui o anúncio.
A equipe de Kamala usou seu mandato como procuradora-geral da Califórnia para reforçar suas credenciais de durona com o crime, chamando-a de “promotora de estado fronteiriço” em um anúncio.
Claro, os debates geralmente são uma questão de impressões tanto quanto de temas políticos, da percepção dos eleitores em relação à força ou fraqueza de um candidato, sua prontidão e temperamento.
Na quinta feira, Kamala chegou a Pittsburgh para vários dias de preparativos rigorosos para o debate. Mas ela começou a planejar o debate meses atrás — antes mesmo de ser candidata presidencial.
Ela montou uma equipe de debate, liderada por Karen Dunn, uma advogada democrata veterana. Philippe Reines, que interpretou Trump na preparação para o debate de Hillary Clinton há oito anos, foi recrutado como substituto de Vance quando ele era seu esperado oponente no debate. Agora, Reines está reprisando o papel de Trump.
Em uma aparição na CNN este ano, Reines se descreveu como um “cara como Daniel Day-Lewis” em termos de um ator que interpreta seu personagem. O post fixado no topo de sua conta do X é um ensaio para um debate de 2016, onde, enquanto interpretava Trump, ele tentou abraçar Hillary Clinton.
“Queremos jogar tudo contra eles”, disse Reines na CNN, enfatizando a importância de preparar o candidato para qualquer eventualidade.
Trump tende a preferir um formato mais improvisado para se preparar para os debates, debatendo ideias e linhas de ataque com seus conselheiros e amigos. Trump continua amargurado por estar concorrendo contra Kamala, a quem ele deixou claro não respeitar.
“Ele estava muito controlado no debate com Biden e se beneficiou disso”, disse Lake a respeito de Trump. “O risco é a capacidade de Trump de se controlar.”
Há uma última razão pela qual o debate de terça feira pode parecer especialmente importante. Até agora, é o único debate com o qual os dois lados concordaram em participar, embora tenha havido conversas com a NBC sobre a realização de mais um./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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