A morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em um acidente de helicóptero no domingo, 19, deixa uma dúvida sobre os rumos da República Islâmica, principalmente em sua política externa.
Ator político importante no Oriente Médio e patrocinador de grupos armados na região, o Irã mudou a sua postura de guerra nas sombras com Israel ao atacar o país com uma saraivada de drones e mísseis no mês passado. Os próximos passos são incertos.
Apesar do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, ter o verdadeiro poder de decisão sobre as políticas de Teerã, Raisi tinha alguma margem de manobra. “O ex-presidente tinha uma boa relação com setores mais tradicionalistas do Irã e conseguia ter algum espaço na política externa, onde apostava na estabilidade”, avalia o professor de relações internacionais da ESPM-SP, Leonardo Trevisan.
Segundo o especialista, Raisi foi um dos responsáveis por uma maior aproximação entre o Irã e a China. O ex-presidente visitou Pequim com uma delegação iraniana em fevereiro do ano passado, a primeira visita de um presidente do país persa à China em 20 anos.
“Evidente que no quadro geopolítico chinês não interessava um conflito maior no Oriente Médio e Raisi cumpriu isso”, aponta Trevisan.
Para o professor de relações internacionais da ESPM, Raisi também conseguiu moderar a resposta iraniana ao ataque atribuído a Israel, que matou sete pessoas, incluindo dois oficiais da Guarda Revolucionária do Irã, no dia 1 abril na embaixada do país em Damasco.
“Raisi avisou aos americanos o que faria com antecedência, o ataque estava programado. O sucessor de Raisi pode não ter o mesmo pragmatismo no contexto externo, o que tornaria a situação mais complicada”, explica o especialista.
Israel
Mesmo que o ataque iraniano tenha sido moderado, foi preciso uma coalizão de países ocidentais para ajudar Israel a se defender. Teerã atacou o território israelense 170 drones, 30 mísseis de cruzeiro e 120 mísseis balísticos. Segundo estimativas de analistas, o ataque iraniano custou de 80 a 100 milhões de dólares aos cofres do país persa, enquanto a coalizão gastou mais de US$ 1 bilhão para defender Israel.
Não existem indícios de que os israelenses estariam por trás da morte de Raisi, mas qualquer sinalização nesta direção poderia significar uma guerra mais aberta. Teerã apoia diversos grupos armados no Oriente Médio como parte de um instrumento de política externa do país persa, por razões militares e também religiosas. A República Islâmica é xiita, assim como os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano. Já o grupo terrorista Hamas é sunita, mas se aproximou do país persa nos anos 90, por representar a maior oposição a Israel, após os Acordos de Oslo, em 1993.
“Raisi era um aliado para os grupos armados que participam desta guerra por procuração com Israel, mas mesmo para Tel-Aviv, o ex-presidente iraniano representava estabilidade e existia uma sensação de que poderia ser pior sem ele”, destaca Trevisan.
Na manhã desta segunda-feira, políticos israelenses reagiram com indiferença à morte de Raisi. Segundo informações da agência Reuters, um oficial israelense negou a participação do país na morte de Raisi. Oficialmente, o governo de Israel não se manifestou.
“Israel não faria isso, o país sabe que matar o presidente de outro país é uma declaração de guerra, isso não faria sentido”, opina o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin.
O parlamentar israelense Avigdor Liberman, líder do partido de oposição Israel Beiteinu, apontou que a morte de Raisi não mudava nada para Israel. “Não vai afetar a atitude israelense e nem as políticas iranianas, que são ditadas pelo líder supremo Khamenei”, apontou Liberman ao site Ynet.
Em um comunicado, o parlamentar Avi Maoz, do partido ultraconservador Noam, que faz parte da coalizão do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu afirmou que Raisi é um “grão de poeira no livros de história”.
Pragmatismo
Mesmo sendo considerado um ultraconservador, Raisi tinha alguma experiência no tabuleiro internacional e era pragmático, aponta Trevisan. O então chanceler do Irã, Hossein Amir-Abdollahian, também morreu no acidente de helicóptero.
Abdollahian esteve envolvido nas negociações mediadas pela China que estabeleceram relações diplomáticas entre Arábia Saudita e Irã, em 2023, após sete anos sem relacionamento.
“Não sabemos qual vai ser a postura do próximo presidente e do chanceler, sabemos que serão da linha-dura, mas eles podem não ter o mesmo pragmatismo diplomático que Raisi e Abdollahian tinham”, avalia Trevisan.
Governo de Raisi
Mesmo que a gestão de Raisi tenha mostrado algum pragmatismo e margem de manobra, seu governo também foi marcado por falhas relacionadas a economia e nas negociações para um possível retorno ao acordo nuclear estabelecido com as potências ocidentais em 2015, segundo Ali Vaez, professor de relações internacionais da Universidade de Georgetown e diretor do setor iraniano da International Crisis Group, organização independente que trabalha para prevenir guerras e moldar políticas públicas.
“O mandato de Raisi não trouxe grandes ganhos ao Irã. Ele falhou na negociação de um possível regresso ao acordo nuclear de 2015 e incrementou as relações militares com a Rússia durante a guerra na Ucrânia”, avalia Vaez.
Mesmo que tenha tentado proporcionar alívio econômico aos iranianos com uma parceria maior com a China, o governo de Raisi não conseguiu furar as sanções do Ocidente. “O país aderiu a organizações multilaterais como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e o Brics, mas a inflação elevada, uma moeda enfraquecida e casos recorrentes de corrupção mostraram os limites da economia iraniana sob sanções”.
Vaez também apontou que o chanceler iraniano Hossein Amir-Abdollahian, que também morreu no acidente de helicóptero, não era o principal diplomata do país e tinha uma função de porta-voz internacional. “As negociações de alto escalão sobre uma possível volta do Irã ao acordo nuclear e as conversas indiretas com os Estados Unidos em Omã foram conduzidas por seu vice, Ali Bagheri Kani, que se tornou chanceler interno após a morte de Abdollahian”, explica Vaez.
Eleições no irã
Com a morte de Raisi, o vice-presidente do Irã, Mohammad Mokhber, assumiu o cargo de forma interina. Segundo a Constituição do Irã, ele irá estabelecer um conselho composto pelo presidente do Parlamento e o chefe do poder judiciário iraniano e convocar novas eleições em até 50 dias para a escolha do novo presidente.
Os candidatos que podem concorrer ao pleito iraniano precisam passar pela chancela do líder supremo. Nas eleições de 2021, Raisi entrou no pleito como o favorito do regime e foi eleito com 72,35% dos votos. O pleito, no entanto, aconteceu com o menor comparecimento da história da República Islâmica — dos 59 milhões de cidadãos aptos a votar, pouco mais de 28 milhões foram às urnas. O sentimento era de que a eleição serviria apenas para coroar um candidato com vitória já esperada, o que gerou apatia generalizada entre os eleitores iranianos.
Khamenei não permitiu a candidatura de políticos que poderiam ter posições contrárias ao regime, como o ex-presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. O ex-presidente iraniano defendeu um boicote às eleições de 2021 e não reconheceu os resultados.
“É preciso entender quem o regime vai deixar concorrer”, aponta Brustolin. “O que poderia ser mais linha-dura do que Raisi seria alguém da Guarda Revolucionária do Irã, que está ganhando muito poder na cadeia de comando”.
O presidente é um escudo para as decisões tomadas por Khamenei e a Guarda Revolucionária teria que lidar com mais críticas em relação às decisões de governo, segundo o pesquisador de Harvard.
Saiba mais
Sucessor de Khamenei
O falecimento do presidente também deixa em aberto a sucessão do líder supremo Ali Khamenei. Raisi era um dos favoritos a assumir o cargo após a morte de Khamenei, que tem 85 anos.
“Uma das razões de Khamenei ter permitido que Raisi concorresse as eleições em 2021 foi porque ele não considerava Raisi uma ameaça ao seu poder”, afirma Brustolin.
O ex-presidente era uma escolha segura para o regime, explica Brustolin. O especialista aponta que, com a morte de Raisi, o filho de Ali Khamenei, Mojtaba Khamenei, passa a ser um dos favoritos para a sucessão de seu pai.
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