Já faz séculos desde que a Polônia foi uma grande potência armada, mas os hussardos estão de volta. Quando a Rússia tomou a Crimeia em 2014, as forças armadas da Polônia eram as nonas maiores da Otan. Hoje, elas estão em terceiro lugar, depois dos Estados Unidos e da Turquia, tendo dobrado em mão de obra e chegando a mais de 200 mil membros. O orçamento triplicou em termos reais, para US$ 35 bilhões; na Europa, apenas o Reino Unido, a França e a Alemanha gastam mais. Como porcentagem do PIB, a Polônia está bem à frente.
Este mês, a Polônia assumiu a presidência rotativa do Conselho da UE por seis meses. Seu tema, sem surpreender, é segurança. Com a Rússia avançando no campo de batalha e a incerteza no compromisso de Donald Trump com a Otan, a fronteira oriental da Europa parece instável. A Polônia tem uma economia em rápido crescimento e um primeiro-ministro capaz na pessoa de Donald Tusk. Poderá a Polônia se tornar a nova âncora de segurança oriental da Europa?
Wladyslaw Kosiniak-Kamysz, ministro da Defesa e vice-primeiro-ministro, pensa assim. “Estamos enfrentando uma ameaça enorme. Se não aproveitássemos esta oportunidade para desenvolver nossa segurança, seria um fracasso histórico e trágico.” A Polônia está comprando da Coreia do Sul centenas de novos tanques, obuses e sistemas de foguetes de lançamento múltiplo. Mas o ministro dá destaque a quase US$ 60 bilhões em compras dos Estados Unidos, incluindo um acordo de US$ 10 bilhões para 96 helicópteros de ataque Apache e US$ 2,5 bilhões para o Integrated Battle Command System, um hub digital para mísseis de defesa aérea Patriot.
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Se Kosiniak-Kamysz enfatiza o kit americano, é porque seu verdadeiro público está na Casa Branca. Trump propôs uma meta de gastos com defesa de 5% do PIB para os membros da Otan; a Polônia, observa o ministro, é o único membro que já planeja atingi-la. Ela calcula que gastou 4,1% em 2024 e atingirá 4,7% este ano. “Fizemos o que Trump esperava”, diz Kosiniak-Kamysz. A Polônia pode ser “uma ponte entre a União Europeia e os EUA”.
Apesar de toda a força recém-descoberta da Polônia, sua prioridade é manter o envolvimento dos EUA. Um dos membros mais pró-Otan da UE, a Polônia há muito tempo rejeitou iniciativas de autonomia estratégica europeia, especialmente sob o partido Lei e Justiça (PiS), que governou entre 2015 e 2023 (em 2018, esse governo tentou em vão fazer os EUA construírem uma base militar na Polônia, prometendo chamá-la de “Forte Trump”). Tusk é mais voltado para a UE, e os comentários de Trump convenceram os poloneses de que o continente deve fazer mais por si mesmo. Mas eles ainda veem isso como uma maneira de manter os ianques dentro. “Sem os EUA, a Otan não funciona”, diz Kosiniak-Kamysz.
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Tropas
A hesitação da Polônia tem sido mais clara na questão de receber tropas da Otan na Ucrânia, se um cessar-fogo puder ser alcançado. Emmanuel Macron, presidente da França, propôs a ideia, e ela ganhou força em dezembro, quando Trump prometeu acabar com a guerra rapidamente. O Reino Unido e a Alemanha não a endossaram nem rejeitaram. Mas Tusk estava relutante, dizendo que a Polônia “não estava planejando” enviar soldados — uma atitude aparentemente em desacordo com as aspirações por maior peso nas questões de segurança. Kosiniak-Kamysz diz que qualquer decisão teria que ser tomada pela Otan como um todo.
O principal motivo para a cautela é político. Uma eleição presidencial de dois turnos começa em 18 de maio, e o destino do governo de Tusk depende disso. O primeiro-ministro tem tentado erradicar o legado autocrático do PiS, que distorceu o equilíbrio dos tribunais, inseriu comparsas no governo e transformou a mídia estatal em propaganda. Mas o atual presidente vem do PiS e tem vetado os esforços de Tusk.
Se a eleição for vencida por Rafal Trzaskowski, o prefeito liberal de Varsóvia e candidato da Coalizão Cívica centrista de Tusk, as reformas podem avançar. Se o vencedor for Karol Nawrocki, o historiador conservador nomeado pelo PiS (que é cético quanto à adesão da Ucrânia à UE e à Otan), o impasse continuará. As pesquisas dão a Trzaskowski uma liderança apertada.
Saiba mais
A coalizão governante é frágil. Tusk falhou em liberar o aborto, uma de suas principais promessas de campanha. Isso decepcionou os partidos de esquerda aliados a ele. O partido de centro-direita Polônia 2050 tem visões conservadoras em relação ao aborto e desacelerou a reforma. O membro da coalizão mais à direita é o pequeno Partido Popular Polonês agrário, liderado por Kosiniak-Kamysz. Este mês, ele ajudou a igreja católica a restringir a educação sexual nas escolas.
Um segundo motivo para a relutância da Polônia em se comprometer com uma mobilização hipotética na Ucrânia é a tensão bilateral. Os dois países têm uma longa discussão a respeito de massacres ocorridos em Volhynia durante a 2.ª Guerra, quando guerrilheiros ucranianos levaram a cabo uma campanha de limpeza étnica que matou cerca de 100.000 poloneses. Pesquisadores históricos poloneses querem permissão para exumar vítimas. Mas muitos ucranianos consideram os guerrilheiros heróis, e as autoridades irritaram os poloneses ao minimizar as atrocidades.
A Ucrânia concordou neste mês em permitir exumações. Mas, em um nível mais profundo, a ambivalência polonesa decorre de uma percepção de ingratidão. Muitos poloneses sentem que os ucranianos não os agradeceram o suficiente por acolherem mais de um milhão de refugiados e agirem como o principal centro logístico para ajuda militar. Mais importante é a sensação de que, ao lidar com aliados, a Ucrânia ignora a Polônia. Volodmir Zelenski, presidente da Ucrânia, prefere falar com os EUA, Reino Unido, França, Alemanha e a Comissão Europeia. Seu governo entende pouco seu vizinho ocidental.
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Zelensky ilustrou este ponto em uma visita a Varsóvia em 15 de janeiro, irritando o PiS ao dizer que se Nawrocki se opuser à adesão da Ucrânia à Otan, o candidato deve começar o treinamento militar para se preparar para uma guerra com a Rússia. Justyna Gotkowska, especialista em defesa do Centro de Estudos Orientais em Varsóvia, diz que a Polônia teria dificuldade em implantar uma brigada na Ucrânia de qualquer maneira. As novas capacidades do Exército estarão totalmente operacionais apenas em 2026-27.
A visita de Zelensky supostamente teve como objetivo encontrar maneiras de persuadir Trump a manter o compromisso com a Otan. A principal oferta da Polônia é seu crescente orçamento de defesa. Ao contrário de outros membros da Otan, talvez o país não precise cortar em outros lugares: novos gastos com defesa são financiados pelo crescimento do PIB de quase 3% no ano passado, diz Michal Baranowski, vice-ministro do desenvolvimento econômico. O governo de Tusk pressionará para colocar a Ucrânia na Otan e na UE, por mais distantes que sejam as perspectivas — mesmo que apenas por interesse próprio. “A estratégia do Exército polonês é manter a Rússia o mais longe possível”, diz Kosiniak-Kamysz. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL