Este artigo foi originalmente publicado na revista online israelense Mosaic.
O texto foi dividido em três partes para facilitar a leitura. A primeira parte está aqui. A terceira parte está aqui.
A amplitude e a profundidade das mudanças forjadas pela revolução judicial são a razão crítica que explica por que a batalha a respeito da atual reforma proposta pelo governo parece tão existencial para tantos israelenses. A esquerda, que liderou o país ao longo das três primeiras décadas de sua existência, perdeu o poder em 1977; desde então, ainda que o poder tenha mudado de mãos várias vezes, a direita tem vencido com mais frequência que a esquerda, especialmente nos 15 anos recentes.
Portanto, para a esquerda, a Suprema Corte se tornou garantidora crucial da manutenção de valores e políticas progressistas mesmo durante governos direitistas. Para a direita, a Suprema Corte é a razão crucial para seus valores e políticas terem sido repetidamente combatidos, não importando quantas eleições seus representantes vencessem. Nenhuma destas visões é completamente acurada, mas ambas possuem algo de verdade. E é fácil perceber por que tais convicções alimentam essas paixões. Em suma, é a própria magnitude do poder da Suprema Corte que engendra tanto a reforma quanto a oposição à mudança de arranjo.
O que pode ser menos óbvio é o motivo da reforma ter emergido subitamente neste momento, três décadas depois da revolução judicial. A resposta é que se trata meramente da culminação de um processo muito longo. Apesar de juristas conservadores terem expressado oposição à revolução desde o começo, assim como alguns políticos, a maioria dos eleitores não se interessou na questão abstrata a respeito da maneira que a divisão do poder entre os diferentes ramos do Estado dialogaria com a teoria democrática.
Foi necessário um acúmulo de decisão após decisão, ano após ano, em relação a temas importantes para os eleitores direitistas se darem conta de que essa questão abstrata afeta concretamente a vida nacional e tem de ser solucionada. Levou ainda mais tempo até que essa questão deixasse de ser uma entre tantas e se tornasse prioridade, o tipo de questão política que influencia desfechos eleitorais, conforme descobriu Kahlon, que no passado se opôs à reforma. Após seu partido perder 6 dos 10 assentos que detinha na eleição de 2019, ele disse a jornalistas que seus eleitores citaram repetidamente uma razão principal para a mudança no voto: ele era contra a reforma no Judiciário.
Mas mesmo quando o desejo de reforma se cimentou, levou tempo até uma oportunidade política emergir. Apesar de Binyamin Netanyahu ocupar o poder quase continuamente desde 2009, o atual governo é o primeiro em que todos os partidos da coalizão apoiam a reforma judicial, porque o primeiro-ministro sempre priorizou política externa em detrimento de assuntos domésticos e portanto preferiu que seus governos incluíssem ao menos um partido à sua esquerda, para obter mais espaço de manobra em relação a essas questões.
E já que acordos de coalizão costumam conceder poder de veto a respeito de temas determinados, esses partidos à esquerda tiveram capacidade de vetar e vetaram a reforma. Desta vez, em razão de todos os partidos à sua esquerda o estarem boicotando por causa de seus indiciamentos criminais, Netanyahu não teve escolha a não ser formar uma coalizão exclusivamente direitista-religiosa. O que também explica por que os legisladores estão tratando a reforma como uma questão de tamanha urgência: eles reconhecem esta oportunidade política como algo que dificilmente poderá se repetir.
Num esforço para evitar que as reformas sejam derrubadas pela Suprema Corte, que se opõe expressamente a elas, a maioria das medidas está sendo introduzida como emendas à Lei Básica: O Judiciário. Isso significa que a Suprema Corte poderá derrubá-las somente se, pela primeira vez, derrubar uma Lei Básica, em vez de meramente declarar competência para tanto. Ninguém sabe se a Suprema Corte fará isso, desencadeando, portanto, uma crise constitucional sem precedentes.
Como tudo isso em mente, é hora de examinar cada reforma individualmente, incluindo qualquer preocupação específica, antes de considerar as objeções ao pacote como um todo.
1) Comecemos pela provisão eu eu considero a mais autoevidente: impedir a Suprema Corte de derrubar Leis Básicas. Conforme notado, foi o próprio tribunal que considerou as Leis Básicas uma constituição — o que torna sua afirmação repetida de que tem capacidade de derrubar Leis Básicas completamente absurda. Em democracias, tribunais não derrubam constituições, são subordinados a elas. Parece óbvio ser desnecessário uma legislação explícita proibindo isso.
Uma séria objeção a codificar neste ponto em lei é que, em razão das Leis Básicas poderem ser aprovadas por maiorias simples na Knesset, que por definição todas as coalizões de governo possuem, governos teriam capacidade de garantir imunidade em relação a revisão judicial a qualquer legislação simplesmente chamando-a de Lei Básica. Mas a Suprema Corte não pode ter tudo. Se Leis Básicas são aprovadas facilmente demais para ser consideradas constituição e imunes à revisão judicial, elas não podem conceder poder à Suprema Corte de derrubar leis ordinárias aprovadas frequentemente por maiorias muito mais contundentes.
Ou elas são constituição ou não são; elas não podem ser constituição somente em certas ocasiões que o tribunal considere conveniente. Consequentemente, a solução correta para este problema não é dar poder para a Suprema Corte derrubar Leis Básicas, mas finalmente fazer vigorar procedimentos rigorosos para aprovação de Leis Básicas — o que o ministro da Justiça, Yariv Levin, segundo relatos, planeja fazer mais adiante. Além disso, o fato de tais procedimentos serem necessários é um raro ponto de acordo entre a coalizão governante e a oposição. O governo poderá, portanto, conseguir abrandar as preocupações em relação a este tema revelando a Lei Básica proposta por Levin: legislando agora, buscando colaboração da oposição e tentando garantir consenso em relação a uma versão acordada.
2) O que leva diretamente ao que, à primeira vista, representa o elemento mais ultrajante da reforma: conceder a 61 dos 120 membros da Knesset poder de derrubar decisões da Suprema Corte. Em democracias com constituições formais, geralmente é considerado prerrogativa do tribunal superior interpretar a constituição e determinar a maneira como ela é aplicada, incluindo por meio de indeferimentos de leis. Mas esta provisão efetivamente esvazia o poder da Suprema Corte de derrubar leis por permitir que qualquer governo derrube qualquer decisão do tribunal, incluindo indeferimentos de leis, já que todos os governos, por definição, detêm ao menos 61 assentos na Knesset.
Portanto, se Israel tivesse uma constituição formal, eu consideraria esta provisão inaceitável. E há um bom argumento a ser sustentado, de qualquer maneira, em defesa da necessidade de uma maioria mais qualificada do que 61 legisladores para derrubar uma decisão da Suprema Corte, conforme muitos juristas, mesmo conservadores, têm notado. Mas a ideia geral faz sentido. Conforme notado acima, nunca foi intenção da Knesset transformar as Leis Básicas de 1992 numa constituição, e essas leis foram aprovadas por meras frações da legislatura. Consequentemente, a Suprema Corte nunca teve fundamento para afirmar que essas leis lhe davam poder para derrubar legislações ordinárias aprovadas pela Knesset.
Acima de tudo, ao fazê-lo, o tribunal violou a prerrogativa fundamental da Knesset de promulgar — ou, neste caso, não promulgar — uma constituição e determinar o conteúdo da carta. A lei de anulação essencialmente restauraria a situação ao que vigorou até 1995, quando a Suprema Corte não tinha capacidade de derrubar leis. E ainda que a maioria das democracias possuam constituições que capacitam tribunais a derrubar leis, esta situação não é de nenhuma maneira inédita. O Reino Unido também não possui uma constituição que conceda à sua mais alta corte derrubar leis, mas é universalmente considerado uma democracia; o Estado de Israel, similarmente, também foi considerado uma democracia nas cinco décadas em que sua Suprema Corte não derrubava leis.
Aqui, também, uma alternativa possível seria a Knesset finalmente estabelecer requerimentos estritos para a adoção de Leis Básicas e então declarar que qualquer legislação que não atenda a esses requerimentos não poder virar Lei Básica.
Mas há um bom motivo para Levin e Rothman terem optado pela rota da anulação neste momento. Fazer vigorar requerimentos procedimentais estritos furtaria imediatamente o status de Lei Básica das duas principais legislações de direitos humanos de Israel. Consequentemente, conforme reconheceu Levin, aprovar uma Lei Básica: Legislação requereria simultaneamente a aprovação de novas legislações de direitos humanos pelas maiorias necessárias para torná-las Leis Básicas. Desafortunadamente, isso também será bastante difícil, porque as interpretações imensamente expansivas da corte sobre as Leis Básicas existentes deixou muitos legisladores apreensivos em relação a fornecer novamente códigos tão abrangentes para o tribunal trabalhar.
O que, contraintuitivamente, torna a lei de anulação a melhor maneira de proteger direitos humanos ao mesmo tempo sustentando o princípio vital de que em democracias constituições não são aprovadas clandestinamente por minorias legislativas nem impostas por decreto judicial; devem, em vez disso, ser redigidas por representantes do povo e adotadas abertamente por meio de um processo que garanta amplo apoio. A lei de anulação deixaria as Leis Básicas intactas, possibilitando que a Suprema Corte continue revisando tanto decisões do governo quanto leis com base em suas provisões. E exceto em casos raros em que a Knesset escolha exercer seus poderes de anulação aprovando leis para restituir certas leis ou decisões, essas leis seguirão de pé.
3) A terceira reforma também pretende dificultar que o Judiciário derrube leis, especifica que o plenário da Suprema Corte, não meramente pequenos painéis de seus ministros, têm de decidir a respeito desses casos e que uma supermaioria desse plenário do tribunal tem de concordar para derrubar uma lei. A supermaioria proposta atualmente se situa em 12 dos 15 ministros (Rothman propôs originalmente exigir-se unanimidade, mas posteriormente adotou a posição de Levin), o que vai muito além da maioria simples que quase todas as democracias exigem e que, considero, estabeleceria uma exigência elevada demais. Numa Suprema Corte diversa ideologicamente — que outra parte do pacote de reformas pretende criar por maio de uma Comissão de Nomeações Judiciais revisada — alcançar uma maioria tão qualificada seria quase impossível. Mas tamanha reformulação não seria necessária se o objetivo fosse simplesmente garantir que leis não fossem derrubadas por maiorias simples na corte; uma proporção menor — de dois terços, digamos — seria suficiente.
Por que evitar maiorias simples? Porque a interpretação da lei não é uma ciência exata; raramente existe apenas uma resposta possível em relação à maneira que qualquer lei ou constituição se aplica a qualquer dada situação ou caso judicial, e até mesmo os juristas mais experientes discordam com frequência entre si a respeito da interpretação correta. É exatamente por este motivo que decisões por maiorias qualificadas são comuns em tribunais superiores de todo o mundo.
Se os ministros da Suprema Corte não puderem formar maiorias qualificadas, eu argumentaria que o tribunal deveria submeter a decisão à Knesset por duas razões: primeiramente, legislaturas eleitas deveriam contar com o máximo de liberdade de ação dentro dos limites da constituição para que, se os principais juristas do país se dividirem em relação à constitucionalidade de alguma lei, sua consideração deva ser submetida ao julgamento da legislatura eleita; em segundo lugar, derrubar leis sempre é controvertido politicamente, porque contradiz um número considerável de legisladores e eleitores; é, portanto, crucial que essas decisões sejam ao menos juridicamente incontroversas; de outro modo, a corte arrisca ser considerada politizada. E esse ponto pacífico jurídico é mais fácil atingir quando os ministros da Suprema Corte não se dividem por pouca margem; decisões de tribunais superiores tomadas por maiorias simples tendem a ser consideradas politizadas em qualquer país e portanto contribuem para a desconfiança do público em relação à imparcialidade das cortes. Essa desconfiança, conforme notado, é um grande problema em Israel hoje, com consequências potencialmente graves para sua democracia. Portanto, exigir supermaiorias na Suprema Corte não protegeria apenas a capacidade da Knesset de aprovar leis, protegeria também o status do tribunal enquanto autoridade jurídica, cujas decisões são amplamente aceitas por governo e oposição, contribuindo, portanto, para a democracia de Israel.
4) Restituir a deferência devida à legislatura eleita é também a razão para impedir a Suprema Corte de derrubar decisões do governo que considere irrazoáveis, em vez de justificar as medidas em razão de violações de alguma lei específica. Aqui, o governo deu um tiro no pé ao transformar em garoto propaganda do assunto o líder do partido Shas, Aryeh Deri, caído em desgraça, que foi desqualificado pelo tribunal para ocupar funções no gabinete. Deri era o indicado da atual coalizão de governo para servir como ministro da Saúde e do Interior e posteriormente como ministro das Finanças, até que a Suprema Corte impediu o acerto. É difícil imaginar uma decisão mais irrazoável do que colocar um criminoso financeiro em série a cargo de três dos ministérios mais importantes do governo, todos com orçamentos imensos. Se a corte limitasse seu uso do argumento da razoabilidade a temas tão ultrajantes quanto o caso de Deri, poucos israelenses se oporiam à sua aplicação (e abolir a razoabilidade realmente não ajudaria Deri, já que, como notaram vários ministros do tribunal, havia outros fundamentos legais para desqualificá-lo).
Mas conforme notado anteriormente, a Suprema Corte não limita a doutrina da razoabilidade a casos ultrajantes como o de Deri; o tribunal a tem usado para derrubar políticas do governo em uma ampla gama de assuntos centrais às responsabilidades do Executivo, incluindo muitas políticas que a maioria dos israelenses considera eminentemente razoáveis. Ao substituir o julgamento do governo pelo seu próprio, a corte despiu o Executivo de sua principal prerrogativa, de estabelecer políticas, e também furtou os eleitores de sua principal prerrogativa, de decidir por conta própria se o governo age ou não com razoabilidade.
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O principal temor que tem sido expressado a respeito da abolição da doutrina da razoabilidade é que isso reduziria proteções para os direitos humanos, já que o argumento também é usada para derrubar decisões de burocratas específicos que afetam indivíduos em particular. E de fato este era seu objetivo original e como o princípio foi usado anteriormente à revolução. Neste sentido, o problema da razoabilidade é consequência direta da abolição das restrições sobre posição e justiciabilidade, já que abolir tais restrições foi o que permitiu à corte começar a aplicar a razoabilidade a temas relacionados a políticas. Consequentemente, restaurar o status quo ante a respeito de posição e justiciabilidade — o que alinharia estas questões mais às normas estrangeiras — poderia ser uma alternativa viável para abolir a doutrina da razoabilidade.
Não obstante, abolir a doutrina da razoabilidade não abolirá o poder da Suprema Corte de proteger indivíduos de abusos da burocracia. Todas as leis de garantia a direitos dos israelenses — da ampla e abrangente Lei Básica: Dignidade e Liberdade a legislações mais específicas, como a Lei dos Direitos dos Pacientes e a Lei dos Direitos dos Estudantes — continuam a vigorar, deixando os tribunais livres para derrubar decisões que violem esses direitos. Muitas decisões que prejudicam indivíduos específicos se enquadrarão nessa categoria.
Também vale notar que esta mudança pode muito bem impulsionar um direito humano em particular: o direito a um julgamento célere. Casos cíveis e criminais em Israel com frequência se arrastam por anos porque tribunais de todas as instâncias estão sobrecarregados. E uma razão para as cortes estarem sobrecarregadas é seus magistrados gastarem tanto tempo considerando condições de razoabilidade em políticas do governo, em vez de julgar processos cíveis e criminais. Reduzir seu envolvimento nas minúcias das políticas lhes daria tempo para julgar os outros casos.
5) A mudança proposta no papel dos conselheiros jurídicos do governo é uma mistura entre passado e novidade, por tornar as decisões dos conselheiros jurídicos dos ministérios não vinculantes e restabelecer, portanto, o status quo ante pré-revolução judicial. Mas também permite aos ministros do gabinete escolher seus próprios conselheiros jurídicos em vez de recebê-los do serviço público civil. Alguns poderão argumentar que seria preciso apenas uma das alterações, mas eu considero que ambas são necessárias. Tornar as decisões não vinculantes é importante para restabelecer o papel devido dos conselheiros enquanto conselheiros, não árbitros; permitir aos ministros do gabinete escolher seus próprios conselheiros torna mais provável que eles busquem contribuir para as agendas dos ministérios, em vez de tolhê-las. Em qualquer caso, deveria ser óbvio que nenhuma das mudanças possibilitaria aos ministros do gabinete violar a lei. Se uma determinada política for de fato ilegal — em vez de meramente irrazoável sob os olhos do Judiciário — as cortes terão capacidade para derrubá-la. E quase certamente terão chance de fazê-lo, já que a reforma não reinstitui restrições sobre posição nem justiciabilidade.
6) O que nos traz a uma das poucas provisões que é uma inovação completa em vez de mera restauração das normas subvertidas pela revolução judicial: a mudança na composição da Comissão de Nomeações Judiciais. Segundo a proposta de Levin, a comissão de 9 membros seria expandida para uma composição de 11 integrantes: o ministro da Justiça mais outros dois ministros do gabinete; três ministros da Suprema Corte, como antes; os presidentes de três comissões da Knesset, duas controladas pela coalizão de governo e uma pela oposição; e dois representantes da sociedade civil escolhidos pelo ministro da Justiça. Rothman propôs manter a composição da comissão em nove membros, mas compreendendo três ministros do gabinete, dois legisladores da coalizão de governo, um legislador da oposição, o presidente da Suprema Corte e dois juízes aposentados escolhidos pelo titular do tribunal e pelo ministro da Justiça.
De qualquer modo, a alteração concede à coalizão de governo uma maioria clara no painel, em vez da atual situação, em que um lado — o progressista — quase sempre detém maioria independentemente de quais partidos estejam no poder. Os representantes da Ordem dos Advogados sairão de cena, e ainda que os ministros da Suprema Corte ainda terão capacidade de opinar a respeito da conformidade dos candidatos, eles deixarão de ter poder de veto. (Esta é uma das razões para os representantes da Ordem dos Advogados terem sido removidos; se eles permanecessem, combinando ainda com o legislador de oposição, o bloco dos ministros da Suprema Corte ainda deteria maioria.
A outra é que permitir advogados promover juízes de instâncias inferiores diante de eminências do Judiciário engendra um conflito de interesses inerente, porque dá aos juízes incentivo a favorecer os clientes desses advogados.) Qualquer governo poderá nomear ministros de ideologia similar na Suprema Corte — e já que nas democracias o poder muda de mãos periodicamente, o tribunal superior logo terá ministros progressistas e conservadores. A qualquer dado momento haverá mais ministros de um campo do que outro, mas esse equilíbrio será alterado à medida que novos governos nomeiem novos magistrados, portanto ambos os lados se alternarão entre a maioria e a minoria da corte. Na realidade, é precisamente por este motivo que quase todas as democracias têm algum arranjo entre o Executivo e o Legislativo para a nomeação de ministros da Suprema Corte — é a melhor maneira de assegurar que o tribunal que detenha o poder maior para decidir sobre temas controvertidos e contenha pontos de vista variados, em vez de posições somente de um lado.
A nomeação determinada pela política de ministros da Suprema Corte interferiria na separação entre os poderes ou despiria os magistrados de sua independência, conforme temem os indivíduos contrários à reforma? Dificilmente, porque, uma vez nomeados, os ministros do tribunal só podem ser removidos por flagrante de má conduta ou, no caso de Israel, quando chegam aos 70 anos, sua idade de aposentadoria compulsória. Isso lhes permite decidir como lhes compraz, sem medo, conforme amplamente comprovado pela experiência de outros países: muitos ministros da Suprema Corte dos EUA, por exemplo, já decepcionaram os políticos que os nomearam. É verdade que juízes de instâncias interiores terão de agradar à comissão para ser promovidos, mas isso também é verdadeiro hoje, já que magistrados que não se alinham com o molde de ativismo progressista da Suprema Corte têm pouca chance de promoção. Consequentemente, a reforma deverá de fato incrementar a independência do Judiciário: com promoções abertas para progressistas ou conservadores de acordo com a orientação política do governo que ocupar o poder, os magistrados se sentirão mais livres para julgar de acordo com sua consciência.
Apoiadores do atual sistema argumentam que ele garante que apenas os indivíduos mais qualificados tornem-se ministros da Suprema Corte, enquanto políticos escolheriam candidatos inferiores. Mas historicamente isso não tem se mostrado nem mesmo meia-verdade. Em 2005, por exemplo, os ministros da Suprema Corte vetaram a candidatura da falecida Ruth Gavison, que era amplamente reconhecida dentro de Israel e no exterior como uma das juristas mais exemplares de sua geração e proeminente defensora dos direitos humanos. Apesar de se posicionar à esquerda politicamente, Gavison considerava que a Suprema Corte vinha excedendo suas atribuições enormemente por intervir com tanta frequência em questões políticas e foi vetada explicitamente em razão dessa “agenda”, conforme definiu o então presidente do tribunal, Aharon Barak.
Este exemplo gritante de um ministro da Suprema Corte colocando sua própria agenda progressista acima das qualificações de um candidato desempenhou um grande papel em convencer os conservadores de que o atual sistema está viciado em seu desfavor. Em contraste, a experiência de outros países mostra que políticos frequentemente nomeiam os juristas mais qualificados, porque isso lhes oferece a melhor esperança de avançar sua própria agenda jurídica, seja ela progressista ou conservadora. Por exemplo, ainda que muitos americanos desgostem da atual Suprema Corte de seu país, poucos argumentam que ministros como John Roberts ou Amy Barrett não são juristas de primeiro nível.
Um argumento mais sério é que, já que as outras provisões da reforma reduzirão significativamente o poder da Suprema Corte sobre as políticas do governo, os pontos de vista dos ministros do tribunal não importarão tanto, tornando as mudanças na comissão de nomeações desnecessárias. Mas a longo prazo, a revisão judicial não vai a lugar nenhum; até mesmo Levin afirma que sua planejada Lei Básica: Legislação autorizará a Suprema Corte a derrubar legislações. E no curto prazo, após décadas de domínio, um tribunal acostumado com o ativismo não desaparecerá simplesmente; seu papel será menos relevante do que é hoje, mas há limites para o retorno ao passado. Consequentemente, diversificar a composição da corte é essencial — e requer mudanças na composição da comissão de nomeações.
7) A reforma final permitiria à comissão de nomeações escolher o presidente da Suprema Corte, seja entre os indicados dos ministros no exercício da função ou trazendo um candidato de fora. Trata-se, porém, de uma solução equivocada ao problema do excesso de poder do presidente. Presidentes da Suprema Corte simplesmente não deveriam ter o poder de determinar o desfecho de casos por meio da escolha dos ministros que os julgarão, independentemente da maneira que forem nomeados. Seria muito melhor continuar a atual prática de nomear presidentes segundo o princípio da antiguidade e fazer com que os casos sejam distribuídos aleatoriamente para subpainéis do tribunal. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Leia a primeira parte do texto aqui.
Leia a terceira parte do texto aqui.
* Evelyn Gordon é comentarista e ex-repórter de assuntos jurídicos, imigrou a Israel em 1987. Além de escrever no Mosaic, publicou no jornal Jerusalem Post, nas plataformas Azure, Commentary e em outros meios. O endereço de seu blog é evelyncgordon.com.
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