Como a Rússia transformou o inverno em arma de guerra na Ucrânia

Ataque de mísseis russos miram infraestrutura energética e hídrica do país à medida que o inverno se aproxima; regiões do país sofrem com apagões forçados, dificultando aquecimento de casas

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Por Marc Santora

A Rússia está transformando o inverno do Hemisfério Norte em uma arma na guerra na Ucrânia, mesmo quando seus soldados estão fora de controle no campo de batalha. À medida que a estação se aproxima, o uso de mísseis em navios, artilharia na terra e aviões no céu por parte dos russos destrói a infraestrutura da Ucrânia para privar milhões de calor, luz elétrica e água potável.

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Manter as luzes acesas para as milhões de pessoas que vivem em cidades e vilas longe do front – e manter esses lugares funcionando durante o inverno – é agora um dos maiores desafios que a Ucrânia enfrenta. “Se sobrevivermos a este inverno, e definitivamente sobreviveremos a ele, definitivamente venceremos esta guerra”, disse o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, na quarta-feira, 16.

Segundo as autoridades ucranianas, os ataques russos deixaram cerca de 40% da infraestrutura energética da Ucrânia danificada ou destruída. Alguns locais chegaram a ser atingidos cinco ou seis vezes. Somente na terça-feira, 15, cerca de 100 mísseis caíram em território ucraniano, parte de um padrão que muitas autoridades ocidentais e especialistas dizem ser crime de guerra.

Trabalhadores públicos instalam tubulação de água entre Kiev e Hostomel, na Ucrânia, após infraestrutura sofrer danos de ataque da Rússia, em imagem do dia 4 deste mês Foto: Brendan Hoffman / NYT

Nesta quinta-feira, 17, outra saraivada de mísseis russos atingiu sistemas de energia e outros alvos civis em diversas cidades. A Naftogaz, produtora estatal de petróleo e gás, afirmou que uma instalação de produção de gás natural no leste ucraniano sofreu um “ataque maciço”. Na cidade de Vilniansk, no sul do país, um míssil atingiu um prédio residencial e matou três pessoas.

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Os ataques também danificam sistemas de abastecimento de água que são essenciais para a produção de energia e para a sobrevivência diária e comprometeram a conexão de duas usinas nucleares à rede nacional da Ucrânia – o que forçou os operadores nucleares a reduzir drasticamente a quantidade de energia que produzem. A concessionária nacional de energia já impôs apagões abrangentes, mas controlados, que incluem todas as regiões do país, deixando milhões sem energia por 6 a 12 horas por dia.

Iuri Levitski, chefe de reparos de uma subestação de energia no centro da Ucrânia, descreveu a situação dos funcionários públicos como “a linha de frente do setor de energia”. Em uma recente visita à subestação, Levitski se deparou com um transformador de 200 toneladas que converte eletricidade de alta tensão em uma potência mais baixa, utilizada em residências e empresas.

Segundo Levitski, o míssil que atingiu o local explodiu com tanta força que quebrou janelas de uma escola localizada a mais de um quilômetro de distância, provocou um incêndio que queimou por quatro dias e acabou com a energia de mais de meio milhão de pessoas. “Um míssil”, enfatizou Levitski.

Desde o início da guerra na Ucrânia, a Rússia disparou mais de 4,5 mil mísseis em toda o país, disseram autoridades ucranianas. Nas últimas seis semanas, a grande maioria foi direcionada para a infraestrutura civil. “A situação é séria, a mais grave da história”, disse Volodmir Kudritski, chefe da Ukrenergo, a concessionária nacional de energia elétrica, na quarta-feira. “Desde o início de outubro, este já é o sexto ataque maciço à infraestrutura energética do país, desta vez o maior.”

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Em uma entrevista antes da última onda de ataques, Kudritski disse que os militares russos estavam sendo guiados por engenheiros elétricos familiarizados com a rede de energia do país, já que grande parte dela foi construída quando a Ucrânia fazia parte da União Soviética. A subestação do Levitski é um exemplo disso, tendo sido construída em 1958.

Para atingir o transformador a centenas de quilômetros de distância, os russos tinham que saber exatamente onde atacar para causar o maior dano. É por isso que, mesmo que as defesas aéreas ucranianas melhorem - derrubando 75 dos 96 mísseis de cruzeiro disparados contra a Ucrânia na terça-feira - os mísseis russos que conseguem passar continuam a destruir a rede já combalida.

Bairro residencial em Kiev, capital da Ucrânia sem energia na terça-feira, 15. Ondas de ataques russos deixaram cerca de 40% da infraestrutura energética crítica do país danificada ou destruída Foto: Brendan Hoffman / NYT

A precisão dos ataques à infraestrutura contrasta com a desordem que caracterizou grande parte do esforço militar russo. A cada perda no campo de batalha, Moscou intensificou a campanha militar para subjugar a Ucrânia, visando a infraestrutura civil. Até agora, a Ucrânia conseguiu encontrar uma maneira de resistir aos ataques com esforços públicos para restaurar a infraestrutura.

As autoridades ucranianas afirmam que um dos objetivos do Kremlin com os ataques a infraestruturas é causar uma nova saída em massa do país, mas não há evidências que isso ocorra no momento.

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Segundo Levitski, os apagões controlados - que cresceram após cada ataque sucessivo - permitiram que os engenheiros estabilizassem a rede. Os trabalhadores de serviços públicos ucranianos também conseguiram manter a água fluindo, apesar das interrupções temporárias.

Consequências da interrupção de água

O controle é crucial para a Ucrânia, um país 70% urbano, onde as consequências de um colapso energético podem se desencadear rapidamente, especialmente se a infraestrutura hídrica for comprometida. “As pessoas realmente não entendem completamente isso, mas a água e a energia estão incrivelmente entrelaçadas e interconectadas”, disse Peter Gleick, membro da Academia Nacional de Ciências dos EUA e co-fundador do Pacific Institute, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos que aborda os desafios globais da água.

“É preciso uma tremenda quantidade de energia para operar qualquer sistema de água moderno”, explicou. “Também é preciso muita água para operar sistemas de energia. Como resultado, qualquer coisa que afete diretamente o sistema de energia afeta diretamente nossa capacidade de fornecer a água que é essencial para a sobrevivência humana”, acrescentou.

Danos na subestação elétrica de alta tensão no centro da Ucrânia que Iuri Levitski e a equipe pretendem reparar Foto: Brendan Hoffman / NYT

Sem eletricidade, a purificação da água se torna não confiável e o esgoto não é coletado ou precisa ser descartado sem tratamento em rios e lagos, o que pode levar a surtos de doenças como a cólera e a desastres ecológicos. Enquanto as pessoas podem viver no escuro, quando a água para de fluir, a vida da cidade pode se desfazer.

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E, para agravar os riscos ucranianos, a Rússia também ataca diretamente a infraestrutura hídrica. Segundo um trabalho desenvolvido por Gleick, ao lado de colegas ucranianos e europeus, mais de 60 ataques à infraestrutura relacionada à água foram realizados pelos russos nos primeiros meses de guerra e documentados posteriormente. Os principais alvos são barragens, segundo autoridades ucranianas.

Gleick observa que tais ataques são diretamente proibidos pelos protocolos das Convenções de Genebra, que considera ataques a infraestruturas civis, incluindo “instalações de água potável e suprimentos e obras de irrigação”, como crimes de guerra.

No último ataque com mísseis, os trabalhadores tiveram 13 minutos para fugir do momento em que o alarme soou até o primeiro míssil atingir a infraestrutura que estavam, em uma subestação de energia no centro da Ucrânia. No local, um ônibus é mantido constantemente para transportá-lo até um bunker sempre que o alarme de ataque soar. Todos escaparam ilesos. “Estávamos mentalmente preparados, sabendo que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde”, disse Levitski.

Enquanto sofre os ataques, eles também precisam lidar com as limitações materiais para reparar a infraestrutura. Até o momento, ao que tudo indica, eles conseguem resitir. “Putin é um monstro”, diz Levitski. “Mas toda vez que a Rússia atacar, a Ucrânia se reconstruirá”.

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