Os Estados Unidos enfrentaram um aumento da ação militar pelo Irã e seus aliados na terça-feira, 16, em uma ameaça crescente aos esforços do governo de Joe Biden para conter a violência no Oriente Médio, após o surgimento da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
Uma série de incidentes de retaliação entre as forças dos Estados Unidos e dos grupos apoiados pelo Irã, incluindo uma nova rodada de ataques na terça-feira contra rebeldes houthis no Iêmen na terça-feira e ataques iranianos contra Iraque e Síria na segunda-feira, 15, serviram como teste para a tentativa de Washington de limitar a instabilidade regional e evitar um confronto direto com Teraã.
Os incidentes também evidenciaram o potencial de erros de cálculo à medida que as ações militares são aceleradas e os Estados Unidos continuam apoiando seu aliado próximo, Israel, cuja resposta aos ataques do Hamas em 7 de outubro já deixaram mais de 24 mil pessoas mortas na Faixa de Gaza, sendo a maioria palestinos civis, e estimulou a oposição em todo o mundo árabe contra Israel e seu principal apoiador.
O ataque de terça-feira ao grupo Houthi, ligado ao Irã, no Iêmen — que foi o terceiro nesta semana — teve como alvo quatro locais onde rebeldes estava preparando para lançar mísseis contra navios comerciais, de acordo com o Comando Central dos Estados Unidos, em comunicado.
Os houthis, uma poderosa facção do Iêmen na guerra civil em curso no Iêmen, enquadraram sua campanha contra navios mercantis atravessando a região, o que inclui mais de 30 ataques de drones e mísseis desde novembro, como uma retaliação a guerra de Israel em Gaza.
O grupo quase imediatamente cumpriu sua promessa de continuar sua campanha, lançando um míssil balístico que atingiu o navio M/V Zografia, de bandeira maltesa. Ninguém ficou ferido e o navio continuou sua viagem.
A violência recente também reascendeu preocupações sobre as redes militantes não envolvidas na reação de grupos ligados ao Irã perante o conflito entre Israel e Hamas. O raro ataque aéreo à Síria realizado pela Guarda Revolucionária do Irã na segunda-feira teve como alvo o que Teerã disse serem locais ligados ao Estado Islâmico, o grupo extremista que assumiu a responsabilidade por um atentado duplo mortal este mês na cidade iraniana de Kerman.
Embora essas ações não pareçam relacionadas à recente violência que opôs Israel e os Estados Unidos contra grupos patrocinados pelo Irã, o Irã também conduziu um ataque contra o que as autoridades iranianas descreveram como um local de espionagem israelense no Curdistão iraquiano. A medida provocou protestos por parte de autoridades em Bagdad e Irbil, a capital da região semiautônoma norte.
Guerra Israel-Hamas
Gerald Feierstein, ex-embaixador dos Estados Unidos no Iêmen e agora membro sênior do Middle East Institute, disse que o Irã parece determinado, assim como os Estados Unidos, a permanecer fora de um conflito direto com os militares estadunidenses e seus aliados. Ele apontou para o fato de o grupo radical islâmico Hezbollah, o maior e mais poderoso representante do Irã, não ter liberado todo o poder do seu vasto arsenal de mísseis contra Israel nos últimos meses. Na terça-feira, o exército de Israel conduziu dezenas de ataques ao longo da fronteira com o sul do Líbano.
Da mesma forma, embora as milícias apoiadas pelo Irã no Iraque e na Síria tenham lançado ataques regulares contra instalações militares dos EUA em ambos os países, muitas vezes esses ataques caem longe dos seus alvos pretendidos e causam danos limitados. No que parece ser uma tentativa paralela de contenção dos EUA, os ataques retaliatórios dos EUA tiveram um alcance limitado, embora um ataque aéreo em Bagdá no início deste mês tenha matado um comandante de milícia acusado de orquestrar a violência contra americanos destacados naquela região.
Feierstein disse que enquanto o Irã parece determinado a se abster de um envolvimento direto no conflito em Gaza, o atual confronto EUA-Houthi pode servir os interesses de Teerã.
“O parceiro deles no chamado ‘eixo da resistência’ permanece defendendo os palestinos, mas não está ultrapassando as linhas vermelhas americanas”, disse, referindo-se à coalização de grupos que, juntamente com o Irã, procura resistir contra a influência dos Estados Unidos na região. “Não é provável que entremos diretamente em um conflito com o Irã, e então todos podem viver neste nível em que se encontram agora.”
Ainda não é claro quanto tempo o esse status quo pode ser mantido. Os Estados Unidos posicionaram meios militares adicionais no Oriente Médio em sequência ao ataque do Hamas em Israel, esperando deter grupos armados ligados ao Irã de aproveitarem uma oportunidade para atacar o seu inimigo comum, Israel, e seu patrocinador, os EUA. O exército dos EUA também estabeleceu um esforço multinacional intensificado para dissuadir ataques marítimos que têm prejudicado significativamente o transporte comercial no Mar Vermelho.
John Kirby, um porta-voz do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca, disse na terça-feira que quando os Estados Unidos lançaram dezenas de ataques no Iêmen, na última semana, autoridades americanas “anteciparam totalmente” que os houthis iriam “provavelmente conduzir alguns ataques retaliatórios”. “Nós não estamos buscando expandir isto”, disse Kirby. “Eles ainda têm tempo para tomar a decisão correta, que é parar esses
Ele disse que embora os Estados Unidos acreditassem que não poderiam permitir os ataques a navios comerciais, também não buscariam a guerra com os Houthis. “Não pretendemos expandir isso”, disse Kirby. “Eles ainda têm tempo para fazer a escolha certa, que é parar estes ataques imprudentes.”
Como parte de sua resposta evolutiva às ações Houthi, o governo de Biden está planejando colocar o grupo iemenita de volta em uma lista de organizações terroristas globais. A decisão de nomear os houthis como “terroristas globais especialmente designados” marca uma reversão de uma medida que a administração tomou no início de 2021 devido à preocupação com o agravamento de uma situação humanitária já terrível no Iêmen.
As forças dos Estados Unidos também procuraram travar a campanha houthi, em parte, interditando o fornecimento de armas do Irã ao Iêmen. Na última quinta-feira, 11, os Navy SEALs abordaram um pequeno navio no Mar da Arábia, encontrando ogivas de mísseis de fabricação iraniana e componentes de armas relacionados. Dois membros foram perdidos no mar durante a operação, desencadeando uma operação de busca e resgate que ainda estava em andamento nesta terça-feira.
Os ataques do Irã no Iraque atingiram o “quartel-general de espionagem” da agência de inteligência israelense Mossad, que tinha sido usada para planejar “atos “terroristas” contra o Irã, de acordo com a Guarda Revolucionária. Autoridades iraquianas e curdas negam as alegações. A assessoria de imprensa do primeiro-ministro israelense recusou-se a comentar as afirmações do Irã.
O conselheiro nacional de segurança do Iraque disse que ele visitou a casa de uma das vítimas do ataque. “Foi revelado que as alegações sugerindo que o ataque foi a uma sede da Mossad não têm base na verdade”, disse Qasim al-Araji numa publicação no X.
O Iraque chamou de volta seu embaixador em Teerã após os ataques, disse o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado na terça-feira. O ministério também afirmou que o principal diplomata iraniano em Bagdá foi convocado por causa do ataque e recebeu uma “nota de protesto”.
Autoridades dos EUA disseram que nenhum pessoal americano ficou ferido nos ataques, mas condenaram as ações do Irã. “Somos contra os ataques de mísseis imprudentes do Irã, que minam a estabilidade do Iraque”, disse Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado, em um comunicado.
Os riscos de uma conflagração regional ficaram ainda mais evidentes na terça-feira por uma série de ataques aéreos israelenses no Líbano, marcando uma escalada no confronto em curso entre Israel e o Hezbollah apoiado pelo Irã. Também na terça-feira, o Irã conduziu ataques aéreos contra o que disse serem alvos militantes no Paquistão. O governo do Paquistão condenou a ação do seu vizinho, dizendo que civis foram mortos.
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