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Como as falas de Lula ameaçam ofuscar o brilho do Brasil no G-20

As relações do país com o Ocidente estão cicatrizando, mas o Brasil ainda não decidiu que tipo de país será

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Por The Economist

A cúpula será apenas em novembro, mas as reuniões já começaram. Os ministros das relações exteriores chegaram ao Rio de Janeiro no dia 21 de fevereiro para o início da presidência do Brasil à frente do G20, grupo intergovernamental de debates para países que representam mais de 80% do PIB global. Os ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais tiveram seu próprio debate de abertura em São Paulo nos dias 28 e 29 de fevereiro. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, pretende usar seu ano no comando do G20 para convencer o mundo da promessa que ele mais repete, “O Brasil voltou”.

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Nona maior economia do mundo, o Brasil passou os quatro anos anteriores à posse de Lula como uma espécie de pária internacional. Seu antecessor, o populista de extrema direita Jair Bolsonaro, permitiu a exploração destrutiva da Floresta Amazônica e alinhou-se a autocratas. Disse aos brasileiros para “deixar de ser maricas” durante a pandemia de covid-19, estimulou-os a tomar hidroxicloroquina, um remédio contra a malária, e associou as vacinas à AIDS (não há relação entre elas). Bolsonaro fez poucas viagens internacionais e desistiu de receber a COP25, a cúpula das Nações Unidas sobre o clima.

Depois de governar de 2003 a 2010, o primeiro ano do terceiro mandato de Lula tem sido, principalmente, um repúdio às conspirações e à insularidade. Ele já fez 27 viagens ao exterior, mais do que Bolsonaro durante todo o seu governo, incluindo visitas ao G7 no Japão, à Assembleia Geral da ONU em Nova York, e visitas bilaterais de destaque a Washington e Pequim.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, em Brasília, em fevereiro Foto: Evaristo Sá / AFP

As relações com os Estados Unidos melhoraram, ainda que principalmente na base da boa vontade do que de uma cooperação substancial. Lula e o presidente Joe Biden se aproximaram por causa dos ataques a edifícios públicos promovidos por eleitores de seus antecessores, e também da sua defesa dos direitos trabalhistas. Autoridades brasileiras desejam imitar a política industrial de Biden. Falando no Rio no dia 21 de fevereiro, o secretário de estado dos EUA, Antony Blinken, declarou que os laços entre os dois países são “mais fortes do que nunca”.

Uma retomada econômica após uma década de estagnação deu a Lula mais margem. Inicialmente, os analistas previram um crescimento do PIB de apenas 0,8% em 2023, ano em que ele assumiu a presidência. Números oficiais, a serem publicados em breve, devem mostrar que o crescimento foi de 3%.

É provável que esse crescimento enfraqueça em 2024 por causa de uma safra fraca, mas Elijah Oliveros-Rosen, da agência de classificação S&P, acredita que a posição do Brasil é relativamente sólida para se alcançar um bom desempenho nesta década. Recentes reformas estruturais, incluindo do sistema tributário, estão estimulando o investimento.

É provável que o Brasil seja beneficiado com a transição energética. Tecnologias sustentáveis de todo o tipo estão chegando da China, bem como o dinheiro, investido em empreendimentos que vão da infraestrutura de telecomunicações até a mineração e a geração de energia hidroelétrica. De acordo com a OCDE, clube de países geralmente ricos, o Brasil foi o segundo maior destino mundial do investimento estrangeiro direto no primeiro semestre de 2023, o período mais recente para o qual há dados disponíveis.

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Lula (à direita) com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em Brasília, em 2023  Foto: Wilton Júnior / ESTADÃO

E o retorno de Lula ao governo trouxe avanços naquela que é provavelmente a maior responsabilidade global do Brasil, a proteção da Floresta Amazônica. O desmatamento da Amazônia caiu pela metade em 2023 se comparado a 2022. O Brasil buscará capitalizar nesse sucesso quando receber a COP30 no ano que vem, na cidade amazônica de Belém (embora os esforços de Lula para transformar o Brasil em um grande exportador de petróleo devam enfraquecer suas credenciais).

Mas Lula sabotou os sucessos do seu governo com comentários improvisados, e um ingênuo desejo de parecer próximo tanto de autocratas quanto de democratas.

Pouco antes da reunião de ministros no Rio, Lula visitou o Egito e a Etiópia. Os dois países entraram recentemente para os BRICS, um grupo de economias emergentes, e Lula estava promovendo o Brasil enquanto líder do sul global. Mas foi a sua fala incendiária em uma entrevista coletiva em Adis Abeba, no dia 19 de fevereiro, que ganhou as manchetes. “O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico”, disse ele, acrescentando equivocadamente, “aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus”.

Israel imediatamente declarou Lula “persona non grata” e convocou o embaixador do Brasil ao Museu do Holocausto em Jerusalém para ser repreendido. O Hamas, grupo islamista palestino que governa Gaza, elogiou os comentários como “fidedignos”.

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Ele se mostra muito menos disposto a julgar outros países. Na mesma entrevista coletiva, ao ser indagado a respeito de Alexei Navalny, líder da oposição russa que morreu em 16 de fevereiro em uma colônia penal no Ártico para onde Putin o tinha banido, ele desconversou. “Por que a pressa em acusar alguém? Um cidadão morreu na prisão; não sei se ele estava doente ou tinha algum problema.”

Não foi a primeira demonstração de solidariedade de Lula em relação ao regime de Putin. Ele culpou a Ucrânia por ser invadida pela Rússia. Em setembro, disse que Putin não poderia ser detido se participasse da cúpula do G20, mas posteriormente desmentiu o comentário (um mandado da Corte Criminal Internacional obrigaria os tribunais brasileiros a deter Putin). Sua atitude difere pouco da de seu antecessor, que visitou Putin uma semana antes da Rússia invadir a Ucrânia. O Brasil se tornou o maior comprador mundial do diesel russo.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante reunião com o secretário de estado dos Estados Unidos, Antony Blinken , realizada na manhã desta quarta-feira 21 de fevereiro no Palácio do Planalto em Brasília-DF.  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO CONTEUDO

A dádiva da gafe

A interpretação mais generosa diz que comentários desse tipo são um recurso cínico para mobilizar a base esquerdista do Partido dos Trabalhadores, de Lula. Mesmo se estiver funcionando, há efeitos colaterais graves. Além de irritar os aliados ocidentais, Lula criou uma plataforma comum para reunir a direita e os centristas isolados no Brasil.

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No dia 25 de fevereiro, Bolsonaro convocou seus apoiadores para uma manifestação em São Paulo contra a investigação de sua participação nos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, quando seus eleitores tentaram reverter o resultado da eleição presidencial. Bolsonaro e milhares de seus seguidores, muitos deles cristãos evangélicos que defendem Israel, vieram à manifestação envoltos em bandeiras israelenses. Senadores e congressistas que tentavam evitar uma associação com Bolsonaro se sentiram motivados a participar na esteira dos comentários de Lula.

Essas inconsistências trazem o risco de enfraquecer o efeito geral da política externa de Lula, diz Rubens Ricupero, ex-embaixador brasileiro. Lula quer que o Brasil seja todas as coisas para todas as pessoas: amigo do Ocidente e líder do sul global, defensor do meio ambiente e potência global do petróleo, defensor da paz e aliado dos autocratas. O Brasil pode estar de volta, mas está desempenhando no cenário global um papel muito mais ambíguo do que deveria. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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