Como Charles e Camilla reconstruíram imagem após Diana e se tornaram rei e rainha

Casamento dos dois aconteceu sob a memória do divórcio e da morte da princesa Diana; com morte de Elizabeth II, os dois ganham protagonismo

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Por Monica Hesse
Atualização:

Se ainda permanecem dúvidas a respeito da vocação do rei Charles III para o trono, elas podem remontar a uma entrevista de TV concedida em 1981 em celebração ao seu noivado com Diana Spencer.

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Quando a pergunta foi se o casal se amava, Diana, então com 19 anos, respondeu visivelmente contrariada: “É claro”. Seu noivo, novinho em folha, sorria arreganhando os dentes para a câmera: “Seja qual for o significado de ‘amar”, afirmou. Foi a resposta de um fanfarrão — ou talvez de um calouro de universidade chapado de maconha durante a primeira aula de filosofia do curso; exceto pelo fato que Charles tinha 32 anos na época.

Mais importante, foi uma fraseologia não muito inteligente de alguém em quem dificilmente confiaríamos enquanto pilar da diplomacia internacional, sem mencionar seu tato interpessoal. Qual homem que tenha noivado recentemente não se dá conta de que só existe uma resposta aceitável para a indagação “Você ama a sua noiva?”. Um príncipe imprestável dá essa resposta. Um soberano esclarecido, não — e foi nesse momento que alguns observadores da realeza começaram a se perguntar se a coroa deveria pular uma geração.

Imagem do dia 9 de abril de 2005 mostra o então príncipe Charles e a esposa Camilla Parker Bowles após a cerimônia de casamento na Capela de St. George, em Windsor. União dos dois foi marcada pela memória de Diana Foto: Alastair Grant / AP

O problema, evidentemente, é que Charles sabia o significado de estar apaixonado. A questão é que ele sentia esse amor por uma outra pessoa: uma aficcionada por cavalos sem rodeios chamada Camilla Parker Bowles, que ele conhecera em uma partida de polo nos anos 70, e que o conquistou com a seguinte pérola: “Minha bisavó foi amante do seu trisavô. Sinto que temos algo em comum”.

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Mas ela também se casou com outra pessoa — e, ao fazê-lo, inaugurou um triângulo amoroso dos infernos.

Pouco antes do casamento de Diana e Charles, a então futura princesa encontrou joias que ele havia comprado para Camilla com inscrições gravadas; anos depois, o príncipe foi flagrado em uma gravação telefônica fantasiando a respeito de reencarnar como um absorvente íntimo de Camilla. “Éramos três no casamento. Portanto, havia gente demais”, afirmou Diana certa vez em entrevista. Mesmo depois de seu divórcio, em 1996, da morte terrível de Diana, em 1997, e durante a prolongada espera de Charles para formalizar sua relação com Camilla — eles só se casaram em 2005 — a nova mulher do príncipe-herdeiro sempre foi considerada sua antiga amante.

Quando a rainha Elizabeth II morreu, na semana passada, e Charles ascendeu ao trono, o desdobramento evidenciou quão pouco alguns de nós deixaram para trás aquele triângulo amoroso. “Para todas as amantes: Tenham fé”, afirmou um meme popular em letras maiúsculas grafadas abaixo de uma sinistra foto de Camilla usando tiara.

A ideia era de que ela havia esperado pacientemente, ficado de canto, aguentado firme e agora havia conseguido o título (“rainha-consorte”) e o cara, mesmo que o cara fosse um sujeito chato e sem graça, cuja ideia de conversa sexy envolve produtos de higiene feminina.

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O Reino Unido só ungiu este ramo particular da linhagem real porque, oito décadas atrás, o rei Edward VIII abdicou do trono. Ele queria se casar com uma mulher americana e divorciada — e quando se viu forçado a escolher entre a coroa e o amor, escolheu o amor. E eis que temos aqui o rei Charles III, um homem divorciado, que se casou com uma mulher divorciada depois de um affair de décadas — e, de algum modo, ele e sua rainha tiveram a chance de escolher ficar com tudo.

Alguém pode imaginar que a opinião pública a respeito de Camilla poderia ter sido diferente se Diana não tivesse morrido — se ela também tivesse tido a chance de se casar novamente, tivesse sobrevivido para se assentar na meia-idade em uma vida de bailes de gala para arrecadação de fundos para caridade ou aparecesse como jurada no “Britain’s Got Talent”. Em vez disso, ela terá 36 anos para sempre, sempre encantadora e profundamente, profundamente ludibriada.

O então príncipe Charles com Diana Spencer após o anúncio de noivado, em 24 de fevereiro de 1981. Casamento foi marcado por cobertura incessante da imprensa sobre atitudes de Charles Foto: AP

Eu tinha acabado de entrar no ensino médio quando Diana morreu. Despertei naquele dia depois de dormir na casa de uma amiga, em seu aniversário, e vi a notícia. O restante da manhã descambou em seis ou sete meninas adolescentes com os olhos grudados na TV, imaginando se o príncipe William ficaria bem e se ele precisaria de seis ou sete meninas adolescentes para consolá-lo. Tudo era culpa de Charles — já sabíamos mesmo naquela época. Charles e Camilla, ao partir o coração da princesa do povo, abandonaram-na sozinha na selva com os furiosos paparazzi.

Depois que Elizabeth morreu, voltei ao passado e assisti imagens antigas de Diana e Charles, incluindo aquela antiga entrevista para TV em 1981, gravada antes de eu nascer. Foi impressionante perceber que Charles — aquele ardiloso homem mais velho da minha memória — era, naquela entrevista, mais jovem do que sou hoje.

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“Seja qual for o significado de ‘amar’”, ele tinha dito. Em retrospecto, talvez aquele quase jovem ainda estivesse tentando descobrir isso. Ele já tinha idade suficiente para saber das coisas, é claro, mas vários homens de 32 anos ainda não sabem das coisas.

E agora, bem, agora ele está incontestavelmente envelhecido. Olheiras, cabelo fino e completamente branco. A coroa não pulou uma geração, mas, aos 73 anos, Charles já tem mais idade do que teve a maioria dos monarcas.

O poder da monarquia britânica não reside na maneira que ela governa — já que ela não governa de nenhuma maneira — mas em suas histórias. Que mitologia ela é capaz de nos dar? Quais arquétipos, quais finais felizes? Com sua vida romântica, Charles III sempre pareceu decepcionar em sua única função verdadeira: nos dar um maldito conto de fadas.

Rei Charles III e a rainha consorte Camilla no salão de Westminster, em Londres, para recepcionar caixão da rainha Elizabeth II, em imagem do dia 14 deste mês Foto: Jessica Taylor/Parlamento britânico/Reuters

Mas, enquanto eu assistia às imagens dele nesta semana, dele e ao lado de Camilla, discursando ao Parlamento, acenando para quem o saudava e chegando em palácios, toda uma narrativa começou a tomar um outro tipo de forma.

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Imagine como se essa história fosse um filme de Nancy Meyers. Imagine algo em um cenário fabuloso e fastio pós-menopáusico. Um menino famoso e rico se encontra com uma menina desengonçada e sem frescuras. Quando ele parte com a Marinha, ela se casa com outra pessoa, e com o tempo, ele também se casa — com uma garota mais jovem e mais bonita que ela; e, segundo todas as métricas tradicionais, mais adequada.

Passam-se os anos: filhos, divórcios, morte. Finalmente, com as bênçãos de seus igualmente ricos e famosos filhos, o homem rico e famoso se reconecta com a menina desengonçada e a pede em casamento. É que ele nunca deixou de amá-la. Sem se importar com quanto desgosto ou embaraço isso lhe causasse ou do quanto ele deveria ter preferido a jovem princesa que o mundo quis que ele quisesse. Ele havia ansiado por aquela menina desengonçada por décadas.

Quem sabe se o rei Charles III será um “bom rei”, seja o que for que isso possa significar. Enquanto marido jovem, ele certamente não foi nenhum príncipe. Mas se Nancy Meyers tivesse dirigido esse filme, você assistiria. No mundo dos contos de fadas modernos, você saberia por qual história de amor deveria torcer. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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