Opinião | Como Donald Trump vence (e Kamala Harris e os democratas estragam tudo)

Trump tem vários temas fundamentais que lhe atraem apoio, não importa quão idiótico ele possa ser, e sua vitória em 2024 depende de cinco turbinas do trumpismo

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Por David Brooks (The New York Times)

Os indivíduos que trabalham na campanha de Donald Trump devem estar contando com a sorte para reeditar uma vitória apertada em 2024 dada a incompetência que demonstraram em julho e agosto. Nas seis semanas entre 21 de julho, quando Joe Biden abandonou a disputa, e o Dia do Trabalho nos EUA, eles tiveram uma só missão: definir Kamala Harris como uma progressista da elite de San Francisco antes que ela pudesse se definir como uma moderada de classe média. Mas a campanha de Trump quase não se mexeu. Tudo o que os republicanos precisavam fazer era exibir clipes de Kamala soando como uma lacradora clichê, mas eles não conseguiram nem sequer produzir alguma discussão, muito menos atuar em cima disso. E Kamala definiu a si mesma brilhantemente em meio a esse vácuo.

Esse erro pode ter sido fatal para os republicanos, porque Trump é o homem dos 46%. Foi essa aproximadamente a votação popular que ele obteve em 2016 e 2020. Ele nunca conquistaria uma margem ampla para vencer em 2024, portanto teria sido útil fazer sua oponente baixar alguns pontos.

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Mas esse é o padrão-Trump. Ele parece fazer todo o possível para sabotar suas próprias campanhas, mas ainda assim desempenha supreendentemente bem nas eleições. Mesmo com as semanas fantásticas que teve anteriormente ao Dia do Trabalho, Kamala não figurou numa posição tão boa quanto Hillary Clinton em 2016 ou Biden em 2020. Kamala registrou uma vantagem de 2 pontos no fim de semana do Dia do Trabalho; Clinton, no mesmo estágio da campanha, estava 4 ou 5 pontos à frente e acabou derrotada. O que ocorreu em parte porque as pesquisas subestimaram repetidamente o apoio a Trump — em cerca de 2,2% em 2016 e 3,3% em 2020.

Basta olhar para os Estados indefinidos. De acordo com as pesquisas de 2016, Hillary liderava no Michigan e em Wisconsin com 4 a 8 pontos de vantagem no início do outono (Hemisfério Norte), mas ainda assim perdeu no dia da eleição. Em 2016, Hillary liderava na Pensilvânia no fim do verão, e em 2020 Biden também liderava no Estado por cerca de 3 ou 4 pontos, mas Trump derrotou Hillary por lá e ficou a 1 ponto de derrotar Biden.

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A maioria dos modelos eleitorais definiu a campanha de 2024 corretamente no Dia do Trabalho: trata-se basicamente de uma disputa apertada, mesmo que a exuberância democrata passe a impressão de que Kamala conta com algum impulso inefável.

Candidato presidencial republicano, ex-presidente Donald Trump, discursa na reunião de outono da Ordem Fraternal Nacional da Polícia, na Carolina do Norte. Foto: AP Photo/Evan Vucci

O que implica numa questão central: é sempre capcioso acompanhar o noticiário da campanha dia a dia. Efemeridades nos distraem do que realmente importa. Eleições são guiadas por algumas realidades básicas. Trump tem vários temas fundamentais que lhe atraem apoio, não importa quão idiótico ele possa ser. A vitória de Trump em 2024 depende de cinco turbinas do trumpismo. São elas:

Pessoas preferem o modelo republicano ao modelo democrata

Os Estados cujas populações crescem mais rapidamente são em sua maioria governados por republicanos, incluindo Flórida, Texas, Idaho e Montana. Os Estados cujas populações encolhem mais rapidamente ou com índices populacionais estagnados são em sua maioria governados por democratas, incluindo Nova York, Illinois, Califórnia, Pensilvânia e Havaí. O modelo republicano oferece habitações de baixo custo, impostos mais baixos e vitalidade empresarial. O modelo democrata oferece habitação de alto custo, impostos mais altos e grande desigualdade.

Os democratas querem expandir a seguridade social para que nosso sistema de assistência se pareça mais com o europeu. Mas a Europa está estagnada economicamente e ficando para trás. Em 2021, os lares da União Europeia contavam, em média, com apenas 61% da renda disponível dos americanos. Segundo esta medida, países europeus ricos, como a Noruega, ficam atrás de Estados americanos pobres, como o Mississippi. De acordo com o McKinsey Global Institute, as grandes corporações europeias investiram 60% menos do que as americanas em 2022 e cresceram a dois terços do ritmo americano. Por uma década, a Europa tem ficado para trás em desenvolvimento de capital, pesquisa e desenvolvimento e crescimento de produtividade. Até o crescimento da celebrada economia alemã está basicamente estagnado desde 2018.

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Muitos eleitores americanos podem invejar as longas férias europeias, mas eles gostam mais de dinamismo econômico. Por anos, os eleitores dos Estados indefinidos têm afirmado em pesquisas que a economia e a inflação são os principais problemas. Eles olham para o país e concluem que o modo republicano parece desempenhar melhor na geração de dinamismo e crescimento, ou pelo menos melhor do que a proposta de Harris e sua defesa das políticas econômicas de Biden.

Democratas são o partido da classe dominante

A divisão mais importante na vida americana é a educacional. Quem fez faculdade tende a votar nos democratas, e quem se formou apenas no ensino médio tende a votar nos republicanos. Portanto, lugares mais ricos tendem a ser democratas. Os democratas dominam os meios de comunicação, as universidades, as instituições culturais e o governo. Até as grandes corporações, com sedes em lugares como Nova York e San Francisco, tendem a apoiar os democratas.

Os democratas da classe dominante vivem em mundos muito diferentes dos republicanos formados apenas no ensino médio. Em geral, quem se forma apenas no ensino médio morre nove anos mais cedo do que um indivíduo com grau superior, tende a ser mais obeso, tende muito menos a se casar e muito mais a se divorciar. O índice de mortes por overdose entre pessoas cuja escolaridade não passou do ensino médio é cerca de seis vezes mais alto em comparação aos formados na faculdade. Evidentemente, eleitores de classe trabalhadora se ressentem em razão dessas desigualdades.

Pior, pessoas com educação superior manipulam o jogo. Filhos de famílias ricas tendem a frequentar escolas públicas e privadas com muito dinheiro, filhos da classe trabalhadora, não. No 8.º ano, os filhos das famílias ricas desempenham quatro níveis acima dos filhos das famílias pobres. De acordo com Daniel Markovits, de Yale, no Teste de Aptidão Escolar, “estudantes de famílias com renda superior a US$ 200 mil ao ano (aproximadamente os 5% mais ricos) obtêm notas 388 pontos mais altas do que estudantes de famílias com renda inferior a US$ 20 mil ao ano (aproximadamente os 20% mais pobres).” De acordo com um estudo de 2017 liderado por Raj Chetty, de Harvard, os estudantes das famílias mais ricas (1%) têm 77 vezes mais chance de entrar em alguma universidade da Ivy League em comparação a estudantes de famílias com rendas inferiores a US$ 30 mil ao ano. Naquele ano, os estudantes do extremo de renda mais alta eram cerca de 16 vezes mais numerosos na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill do que os estudantes do extremo mais baixo.

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O populismo global é uma revolta contra esse tipo de iniquidade — motivado pela sensação de que a classe mais escolarizada tem demasiado poder cultural, acadêmico, político e econômico. A revolta é alimentada quando profissionais altamente escolarizados condescendem com ou simplesmente nem veem as massas sobre as quais eles pairam e quando estudantes de universidades de elite que lhes custam mais de US$ 100 mil por ano fingem ser vítimas marginalizadas da opressão.

Democratas altamente escolarizados, como Harris, consideram a si mesmos pessoas que pretendem aumentar o tamanho do governo para ajudar os desfavorecidos. Mas muitos americanos olham para esses esforços e veem apenas pessoas ricas acumulando mais poder para si mesmas em Washington. Eles concluem: as elites escolarizadas fazem sempre mesmo; prometem fazer coisas para a gente, mas acabam beneficiando apenas a si mesmas.

Coesão social e moral

Os republicanos podem ser individualistas brutos em relação à economia, mas os democratas podem ser individualistas brutos em relação à moralidade. Eles tendem mais a moldar um código de liberdade moral que sustente que os indivíduos são livres para viver segundo seus próprios valores. As pessoas podem escolher sua própria definição a respeito de quando a vida humana se inicia. Qualquer forma de família e vida social é boa contanto que os participantes deem seu consentimento. É a privatização da moralidade.

Mas na maioria dos lugares os indivíduos são formados dentro de comunidades moralmente coesas. Eles derivam de uma sensação de pertencimento e solidariedade oriunda de valores morais em comum. Suas vidas têm significado e propósito porque eles consideram a si mesmos pessoas que vivem dentro de uma ordem moral universal com padrões permanentes sobre o que é certo ou errado, dentro de estruturas familiares que resistiram ao teste do tempo, com entendimentos em comum sobre, digamos, masculino e feminino.

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Adesivo na porta de uma loja em apoio a Trump em Sparta, Wisconsin. Foto: SCOTT OLSON/Getty Images via AFP

A moralidade privatizada deixa muitos progressistas inseguros existencialmente. Quarenta e um por cento dos homens muito progressistas e 60% das mulheres muito progressistas relatam que sua saúde mental vai mal mais que a metade do tempo.

Mas a falta de ordem social e moral é uma calamidade prática para os cidadãos menos escolarizados. Para eles, políticas econômicas não se separam de temas sociais e valores morais. As coisas que tiram suas vidas dos trilhos são relacionamentos partidos, infidelidades, bebês nascidos fora de casamentos, vícios em substâncias, conflitos familiares e criminalidade. Quando falam de imigração, crime, fé, família e pátria, os republicanos discutem maneiras de preservar a ordem social e moral. Os democratas são ótimos em falar a respeito de solidariedade econômica, mas não sobre solidariedade moral e cultural.

Insatisfação generalizada

Kamala Harris tem praticado uma política alegre nesta campanha, sobre uma plataforma solar e repleta de esperança, como qualquer partido incumbente tenta fazer. Mas muitos americanos não estão sentindo isso. Conforme a campanha eleitoral do outono iniciou-se não oficialmente após o Dia do Trabalho, somente 25% dos americanos mostraram-se satisfeitos com o rumo do país, de acordo com o instituto Gallup, enquanto 73% se disseram insatisfeitos. Numa pesquisa Ipsos, 59% dos americanos afirmaram que o país está em declínio, 60% concordaram com uma série de enunciados afirmando que “o sistema está quebrado”, 69% concordaram que as “elites políticas e econômicas não se importam com as pessoas que têm de trabalhar duro”, e 63% concordaram que “especialistas neste país não entendem como é a vida de pessoas como eu”.

Em outras palavras, muitos americanos sentem-se traídos, desconfiados e enfurecidos. Sentem que o sonho americano foi destruído. Trump, como todos os populistas globais, sabe muito bem contar suas histórias de traição.

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Os níveis tóxicos de desconfiança enfraqueceram de outra maneira a campanha de Kamala. Sua mensagem básica tem sido: vocês devem me apoiar porque eu lhes darei benefícios — subsídios para assistência infantil, subsídios para hipotecas, perdões de dívidas estudantis, etc. Mas eleitores desconfiados deixaram de votar em troca de benefícios. Trump distribuiu mais de US$ 800 bilhões em ajudas durante a pandemia e isso não lhe rendeu nenhum ganho político. O crédito tributário expandido para famílias com filhos despejou dinheiro na classe média, mas, supreendentemente, houve pouca indignação quando a ajuda foi retirada. Desconfiança corrosiva e desinteresse querem dizer que os eleitores não estão dispostos a recompensar nem mesmo os políticos que lhes enchem de dinheiro.

Kamala Harris discursa em evento de campanha.  Foto: Steven Senne/Associated Press

O problema da Bolha Democrata

Bill Clinton e Barack Obama viveram à sombra das vitórias de Ronald Reagan e George W. Bush. Clinton e Obama conheciam o problema da Bolha Democrata: se você passa a vida ouvindo o que os democratas das cidades grandes dizem uns aos outros, você não compreenderá os EUA. Clinton e Obama adotaram posições duras para mostrar que não eram oriundos da Bolha Democrata: a lei de combate ao crime, a reforma da seguridade social, as posições de Obama sobre imigração ilegal, casamento gay e combustíveis fósseis. Clinton triangulava e Obama falava em transcender a esquerda e a direita.

Clinton e Obama ainda são populares em todo o país, mas são desdenhados por muitos dos quadros que trabalham em campanhas e governos democratas. Durante a década de 2010, os populistas tomaram conta do Partido Republicano — MAGA. Populistas de esquerda, como Bernie Sanders, tentaram fazer o mesmo no Partido Democrata, mas fracassaram. Eles foram mais bem-sucedidos em conquistar os corações e mentes dos progressistas intelectuais e correligionários de cima para baixo. Em círculos progressistas, Clinton e Obama são com frequência rejeitados, classificados como neoliberais cúmplices na preservação da ordem corporativa.

Essa mudança para a esquerda produziu o frenesi de desfinanciamento da polícia/descriminalização da fronteira em 2020. E também surtiu efeitos econômicos duvidosos. Os novos quadros convenceram-se (corretamente) de que Obama não estimulou a economia o suficiente após a crise financeira. Em resposta, decidiram estimular imensamente a economia após a pandemia. E acabaram exacerbando a inflação e destruindo efetivamente as perspectivas de reeleição de Biden antes mesmo da questão de sua idade tornar-se dominante.

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Clinton e Obama essencialmente seguiram a teoria do eleitor mediano: corra para o centro, onde estão os eleitores independentes. Em contraste, os novos quadros tendem mais a acreditar na teoria “mobilize as bases”: faça uma campanha realmente progressista, para que os esquerdistas saiam para votar. Harris tem tentado uma campanha que dê algo para cada ala do partido. Que resultou num x-tudo — uma campanha que oferece uma miscelânea de gestos e políticas para todos, mas que prescinde de uma visão clara.

A Pensilvânia é o Estado mais importante nesta eleição, o eixo em torno do qual todo tipo de cenário eleitoral gravita. Mas, conforme notou Nate Silver, em agosto não havia muitas pesquisas mostrando Kamala à frente por lá. Clinton e Biden lideraram as pesquisas no Estado, e Clinton perdeu e Biden venceu por pouco. Em retrospecto, a decisão de Harris de não selecionar o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, como colega de chapa pareceu um terrível ato de autoconfiança. Mas Shapiro é percebido como um moderado. A ala progressista fez lobby contra ele. E então Harris escolheu um sujeito que a ajudaria a vencer num Estado no qual ela venceria de qualquer forma.

Eu sei quem desejo ferventemente que vença: Kamala. Mas muitos democratas sempre se empolgaram um pouco demais com ela. Uma vitória de Trump nunca dependeria de uma campanha brilhante. Depende apenas dessas cinco turbinas lhe produzirem apoio suficiente em lugares críticos./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por David Brooks

David Brooks é colunista do Times desde 2003. Ele é autor do recente How to Know a Person: The Art of Seeing Others Deeply and Being Deeply Seen. @nytdavidbrooks.

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