LONDRES - No auge da mais recente crise enfrentada pela Casa de Windsor, que viu o príncipe Harry e Meghan anunciarem sua decisão de se afastar da família real britânica, foi a rainha Elizabeth II quem se tornou a gerente da crise - mais uma vez.
Aos 93 anos, época em que muitas matriarcas estariam afastadas para permitir que uma geração mais jovem e ambiciosa conduzisse o show, a rainha permanece firmemente no comando de uma família alastrada e muitas vezes problemática.
Foi a rainha quem convocou a reunião em sua propriedade real em Sandringham esta semana para lidar com Harry e Meghan, o duque e a duquesa de Sussex. E embora seu filho e herdeiro, o príncipe Charles, tenha ajudado, foi a rainha quem emitiu uma declaração para resolver o problema.
A rainha Elizabeth II concordou com um “período de transição” em que Harry e Meghan vão passar um tempo entre o Reino Unido e o Canadá.
De todas as narrativas de tablóides de fontes raras sobre brigas entre casas reais e seus problemas, nenhuma diz que Elizabeth está perdendo.
Ela é o epítome da frieza sob pressão, capaz de passar de um desafio para o outro, disse Penny Junor, historiadora da família real. “Ela continua sendo a melhor profissional", disse Junor. "Ela é muito boa em crises."
Elizabeth II, o esteio da família real britânica
Elevada ao trono aos 25 anos, em 1952, após a morte de seu pai, o rei George VI, Elizabeth prometeu servir seu país por toda a vida, curta ou longa, e é isso que ela está fazendo.
Alguns gostam de descartá-la como um anacronismo pesado, em seus sapatos sensatos e com suas bolsas comportadas.
De qualquer forma, a rainha continua sendo uma participante ativa, uma negociadora firme que trabalhou com 14 primeiros ministros durante seu reinado, de Winston Churchill a Boris Johnson.
Nos últimos meses, ela conduziu a ex-primeira-ministra Theresa May para fora do palco, permitindo que ela mantivesse um pouco de sua dignidade, e deu as boas-vindas a Johnson no poder - mesmo que ele a tenha enganado por suas razões para querer suspender o Parlamento.
Johnson disse na terça-feira que estava "absolutamente confiante" de que a família real encontraria a solução certa para Harry e Meghan.
"Minha opinião sobre isso é muito direta: sou uma grande fã, como a maioria de nossos telespectadores, da rainha e da família real como um patrimônio fantástico para o nosso país", disse Johnson em um programa matinal da BBC.
Durante um período em que o Reino Unido depositou suas esperanças em um vantajoso acordo comercial pós-Brexit com os Estados Unidos, a rainha recepcionou três vezes o presidente Donald Trump - no Castelo de Windsor e no Palácio de Buckingham.
Rumores de 'aposentadoria'
Recentemente, houve rumores de que Charles, de 71 anos, poderia ser alçado ao papel de príncipe regente, talvez quando a rainha completar 95 anos. Fontes do palácio rapidamente anularam esses relatórios.
Elizabeth lidou com a estrela obscurecida de seu marido, o príncipe Philip, 98 anos, que costumava servir como executor da família, mas que se retirou das funções públicas devido a problemas de saúde. Philip foi hospitalizado duas vezes no ano passado e desistiu de dirigir depois de um acidente de carro.
Quanto à rainha, seu vigor físico permanece notável. Embora tenha perdido o último de seus amados cães corgis, ela ainda caminha com os animais. Ela mesma dirige os veículos até suas propriedades. Ela também monta cavalos - na verdade, um grande pônei chamado Carlton Lima Emma - mesmo na chuva.
A Casa de Windsor tem um século de idade - renomeada de Saxe-Coburg-Gotha por George V em julho de 1917. É uma das monarquias que ainda mais trabalham no mundo.
Ajudou a nação a enfrentar duas guerras mundiais, e viu a perda de poder do Império Britânico e o esvaziamento do poder do Reino Unido.
Vale a pena notar que muitos dos desafios que Elizabeth enfrentou foram gerados pela própria família - através de uma longa ladainha de casos, divórcios, transações financeiras incompletas e travessuras etílicas.
A família real se viu especialmente ferida pelo divórcio confuso de Charles e sua ex-esposa Diana, e Elizabeth II inicialmente não apreciou a tristeza e a raiva de seus súditos após a morte de Diana em um acidente de carro em 1997.
A rainha finalmente entendeu a importância do caso, e em um tom articulado permitiu não um funeral de Estado, mas sim um funeral cerimonial real, com toda a pompa e cerimônia que o palácio pudesse conceder.
Apenas algumas semanas antes do episódio de Harry e Meghan, a rainha foi obrigada a lidar com destreza com uma crise provocada pelo seu filho de 59 anos, o príncipe Andrew. Durante uma entrevista na BBC ele disse que ficou na mansão de Jeffrey Epstein em Nova York por ser “conveniente”. Epstein foi condenado por pedofilia e promovia orgias em sua mansão.
Andrew também afirmou que não se lembrava de uma mulher que afirma ter sido traficada por sexo aos 17 anos - e que aparece com ele em uma fotografia suspeita.
A rainha cuidou para que Andrew se retirasse de funções públicas. Mas ele apareceu andando a seu lado a cavalo após sua humilhação - “sugerindo que ninguém na família está distante da redenção”, disse o observador real Junor.
'Mãos de ferro em luvas de veludo'
A rainha, em uma declaração altamente incomum e pessoal na segunda-feira, anunciou que ela e sua família real eram "totalmente solidárias ao desejo de Harry e Meghan de criar uma nova vida" - um sinal de que ela "entendeu" os novos tempos.
Mas Elizabeth também enfatizou que haveria um "período de transição" durante o qual o neto e a esposa dele dividiriam o tempo entre o Canadá e ao reino Unido.
O príncipe Harry é da realeza britânica, mas o sistema de imigração do Canadá provavelmente o tratará como plebeu
Muitos observadores da realeza viram um pouco de genialidade nisso - que ao oferecer um período de "reflexão" aos jovens membros da realeza, a rainha estava dando a eles a chance de decidir em favor de uma pausa menos dramática.
Robert Lacey, um biógrafo real e autor de “A Coroa: A História Interna”, observou que ela conseguiu parecer cuidadosa e solidária, uma avó amorosa para Harry e sua esposa, mas “também os pegou pela gola e deu uma sacudida, dizendo: resolva isso em dias, não em semanas. ”
“O que isso revela sobre a resistência dela? Muito”, disse Lacey. “Ela está firmemente no comando.”
“Ela teve que assumir o controle das coisas - mais uma vez", disse Ingrid Seward, editora-chefe da revista Majesty. "Ela é a mão de aço na luva de veludo."
"Suponho que é o que essa rainha sempre fez", disse Seward. "Ela nunca soube fazer mais nada. Dever e honra - e família em primeiro lugar.”
Seward diz que ajudou "que ela tenha recebido ajuda”. Ou seja, a rainha não paga contas, não fica na fila, não cozinha o jantar ou arruma as camas.
E assim, depois de quase sete décadas no trono, essa rainha permanece soberana, a chefe de estado titular - e uma autoridade moral, como governador supremo da Igreja da Inglaterra. Ela não é o papa da tradição anglicana, mas é evangélica cristã, devota e, em seus comentários, freqüentemente menciona Jesus pelo nome.
Sua foto semanal? Com frequência na igreja.
O documentarista Denys Blakeway, que produziu a série de televisão de 2017 "A Casa Real de Windsor", foi questionado sobre como a família conseguiu permanecer no poder por tanto tempo.
Ele disse ao Daily Mail: “Cuidando de sua imagem, assegurando que aqueles que não alcançam a meta sejam eliminados e assegurando que os ideais de George V - dever, serviço e discrição - sejam observados, muitas vezes implacavelmente. "
Em seu discurso de Natal, transmitido na televisão britânica e assistido por milhões de pessoas, a rainha falou da importância da reconciliação, dizendo que “pequenos passos dados na fé e na esperança podem superar diferenças antigas e divisões profundas para trazer harmonia e entendimento."
Ela acrescentou: "O caminho, é claro, nem sempre é suave, e pode às vezes parecer bastante esburacado, mas pequenos passos podem fazer um mundo de diferença".
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