Opinião | Como Elon Musk e Taylor Swift podem resolver as relações entre EUA e China

Eu chamo de ‘paradigma Elon Musk-Taylor Swift’: os EUA usariam as tarifas mais altas sobre a China para ganhar tempo para produzir mais Elon Musks, e a China aproveitaria para deixar entrar mais Taylor Swifts — mais oportunidades para seus jovens gastarem dinheiro

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Por Thomas Friedman (The New York Times)

Acabo de passar uma semana em Pequim e Xangai, me encontrando com autoridades, economistas e empreendedores chineses. E permitam-me ir direto ao ponto: enquanto estávamos adormecidos, a China deu um grande salto na fabricação de alta tecnologia em todos os campos.

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Se ninguém contou a Donald Trump, então eu contarei: seu apelido nas redes sociais chinesas hoje é “Chuan Jianguo” — que significa “Trump, o Construtor da Nação (Chinesa)” — porque a maneira que suas implacáveis críticas à China e as tarifas impostas durante seu primeiro mandato como presidente acenderam uma chama em Pequim para redobrar esforços no sentido de alcançar supremacia global em carros elétricos, robôs e elementos raros — e para se tornar o mais independente possível dos mercados e das ferramentas dos Estados Unidos.

“A China teve seu momento Sputnik — seu nome é Donald Trump”, disse-me o consultor de negócios Jim McGregor, que viveu 30 anos na China. “Trump despertou os chineses para o fato de que eles precisavam de um esforço coletivo para levar suas habilidades científicas, inovadoras e avançadas de manufatura a um novo nível.”

O empresário Elon Musk participa de um comício do então candidato presidencial republicano, Donald Trump, em Nova York  Foto: Evan Vucci/AP

A China com que Trump se deparará agora é um motor de exportação muito mais formidável. Suas capacidades avançadas em manufatura explodiram em tamanho, sofisticação e quantidade nos últimos oito anos, mesmo enquanto o consumo de seu povo continua insignificante.

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Se fosse representar a atual economia da China como uma pessoa, eu desenharia a parte superior do corpo impressionantemente industrial e pujante — como o Popeye comendo espinafre — com as pernas, as consumidoras, lembrando pequenos palitos finos.

A máquina de exportação chinesa é tão forte hoje que somente tarifas muito altas são capazes de realmente desacelerá-la, e a resposta chinesa a tarifas muito altas pode ser começar a cortar o fornecimento às indústrias americanas de insumos cruciais que atualmente não são encontrados em quase nenhum outro lugar. Ninguém, em lugar nenhum, precisa desse tipo de guerra nas cadeias de fornecimento.

Especialistas chineses com que conversei durante minha viagem, há duas semanas, prefeririam que essa batalha fosse evitada. Os chineses ainda precisam do mercado americano para suas exportações. Mas não darão canja. Tanto Pequim quanto Washington ficarão muito melhores com uma barganha — que imponha um aumento gradual nas tarifas dos EUA ao mesmo tempo que ambos fazemos o que estávamos precisando fazer havia muito.

Tarifas

O que é isso? Eu chamo de “paradigma Elon Musk-Taylor Swift”. Os EUA usariam as tarifas mais altas sobre a China para ganhar tempo para levantar mais Elon Musks — mais fabricantes locais que capazes de produzir coisas grandes para que possamos exportar mais para o mundo e importar menos. E a China usaria esse tempo para deixar entrar mais Taylor Swifts — mais oportunidades para seus jovens gastarem dinheiro em entretenimento e bens de consumo fabricados no exterior e também para produzir mais bens e oferecer mais serviços — particularmente em assistência médica — que seu próprio povo queira comprar.

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Mas se não usarmos esse tempo para responder à China da mesma forma que respondemos ao lançamento do Sputnik pela União Soviética, em 1957, o primeiro satélite artificial do mundo, com nosso próprio e abrangente impulso científico, inovador e industrial, estaremos fritos.

É preciso ir à China para perceber isso. Mas como a delegação do Congresso dos EUA liderada pelo senador Chuck Schumer em outubro de 2023 foi a primeira visita oficial de legisladores americanos a Pequim desde 2019 — e porque muitas empresas dos EUA que transferiram seus funcionários americanos da China por causa da covid nunca os devolveram — muitas pessoas em Washington não perceberam o impressionante crescimento industrial chinês.

A cantora Taylor Swift participa de um show em Vancouver, Canadá  Foto: Lindsey Wasson/AP

Vejam o que Noah Smith, que escreve sobre o setor de manufatura, postou outro dia, usando dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial:

Em 2000, “os EUA e seus aliados na Ásia, na Europa e na América Latina foram responsáveis pela maioria esmagadora da produção industrial global, com a China participando com apenas 6% mesmo após duas décadas de rápido crescimento”. Em 2030, escreveu Smith, a agência da ONU prevê que “a China será responsável por 45% de toda a manufatura global, igualando ou superando, sozinha, os EUA e todos os seus aliados.

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“É um nível de domínio da manufatura por um único país visto apenas duas vezes antes na história mundial — no Reino Unido do início da Revolução Industrial e nos EUA logo após a 2.ª Guerra. Isso significa que, numa guerra prolongada de produção, nada garante que o mundo inteiro unido seja capaz de derrotar a China sozinha.”

Permitam-me dar alguns exemplos da escala do que estamos falando: em 2019, quando Trump terminava seu primeiro mandato, os empréstimos líquidos dos bancos chineses para as indústrias nacionais totalizaram US$ 83 bilhões. E no ano passado tinham aumentado para US$ 670 bilhões, de acordo com o Banco Popular da China. Não é erro de digitação.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de uma coletiva de imprensa em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Quando visitei a China em 2019, antes da covid, a Xiaomi e a Huawei não passavam de fabricantes chinesas de smartphones. Quando retornei, semanas atrás, ambas tinham se tornado também fabricantes de carros elétricos — cada qual impulsionando suas tecnologias de bateria para fabricar veículos elétricos legais de verdade.

O SU7, da Xiaomi, feito numa fábrica anteriormente abandonada, que costumava produzir carros movidos a gasolina, foi a estrela do salão do automóvel de Pequim, em abril. Enquanto isso, a BYD, a famosa fabricante chinesa de baterias que já tinha uma subsidiária de produção de automóveis, dobrou a aposta nos carros. Eu circulei por toda Xangai em carros elétricos BYD superconfortáveis operados pela Didi, a Uber chinesa. A BYD agora oferece um VE subcompacto, o Seagull, cujos modelos mais simples podem ser adquiridos por menos de US$ 10 mil.

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Num esforço para exportar seu grande estoque de carros, a China iniciou a construção de uma frota de 170 navios capazes de transportar milhares de automóveis através do oceano a cada viagem. Antes da pandemia de covid-19, os estaleiros do mundo produziam apenas quatro navios desse tipo anualmente. Isso também não é erro de digitação.

Como possui uma rede elétrica de abrangência essencialmente nacional, a China instalou estações de recarga por todo o país, e é por isso que mais da metade das vendas de carros novos na China são de VEs. A Apple ficou 15 anos falando em fabricar um carro elétrico. Alguém já dirigiu um carro Apple?

Chineses participam de um evento da CATL, empresa chinesa que produz baterias para veículos elétricos  Foto: Ng Han Guan/AP

Eu peguei o trem-bala de Pequim até Xangai. O trajeto equivale aproximadamente à distância entre Nova York e Chicago — só que leva apenas quatro horas e meia para ser percorrido, porque o trem alcança mais de 320 quilômetros por hora e quase 100 comboios vão e vêm todos os dias. A viagem é tão suave que se colocarmos uma moeda na borda da janela — metade em cima da borda e metade fora — ela ficará lá exatamente onde você a deixou do início ao fim da jornada. Tentem fazer isso no Acela entre Nova York e Washington — a moeda cairá no chão 2 segundos após o trem deixar a estação.

Caso vocês não tenham ficado sabendo, enquanto eu estava em Pequim a General Motors registrou uma baixa contábil de mais de US$ 5 bilhões no valor de sua fábrica anteriormente de ponta que no passado foi uma grande participante no mercado chinês de carros. As vendas da joint-venture da GM na China, a SAIC-GM, “caíram 59% nos primeiros 11 meses deste ano, para 370.989 unidades, enquanto a BYD, campeã local de fabricação de veículos de nova energia, vendeu mais de 10 vezes esse número no mesmo período”, noticiou a Reuters.

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Mas não se preocupe, pessoal, a ajuda está a caminho. Trump prometeu tornar os EUA grandes novamente dobrando a aposta nos veículos bebedores de gasolina e acabando com os subsídios do governo americano para cidadãos que compram carros elétricos.

Então o que vocês acham que vai acontecer? O restante do mundo fará uma transição gradual para os veículos elétricos autônomos de fabricação chinesa, “e os EUA se tornarão a nova Cuba — o lugar que você visita para ver carros velhos e beberrões que você mesmo tem de dirigir”, disse-me Keith Bradsher, chefe da redação do Times em Pequim e especialista em indústria automobilística.

Se isso acontecer, um dia despertaremos de manhã e a China será dona do mercado global de veículos elétricos. E como a tecnologia de direção totalmente autônoma só funciona com VEs, isso significa que a China será a dona do futuro — e do mercado de carros autônomos.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, conversa com o seu indicado para liderar o FBI, Kash Patel, em Landover, Maryland  Foto: Doug Mills/NYT

Vejam outra maneira que a China diante de Trump em 2025 parece muito diferente do que durante em seu primeiro mandato. Se Trump disser à China: “Ei, vou livrar vocês das tarifas se vocês construírem mais fábricas nos EUA”, isso definitivamente ajudaria a reduzir nosso déficit comercial em relação a Pequim, mas pode não conquistar votos de republicanos. Porque vejam o que a China diria: “Claro, quantas fábricas vocês gostariam? Quarenta? Cinquenta? Mas há uma questão. As linhas de montagem serão completamente operadas por robôs, e nós somos capazes de operá-las até remotamente.”

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Aprendi um novo termo nesta visita: “dark factory” (fábrica escura). Uma autoridade chinesa aposentada disse-me durante um jantar que quis comprar uma nova cama, de alta tecnologia, e decidiu ver as opções na fábrica. Quando chegou, porém, ela descobriu que se tratava de uma “dark factory” — portanto as luzes tinham sido acesas exclusivamente para ela. O lugar não estava escuro porque a fábrica estava fechada, afirmou ela. Estava escuro porque a manufatura era tão completamente robotizada que a empresa não desperdiçava eletricidade mantendo luzes acesas humanos — a não ser para os engenheiros que vão limpar ou ajustar as máquinas uma vez ao dia.

Conforme explicou um artigo no jornal estatal China Daily: “De placas de aço e telefones celulares a motores domésticos e peças de dispositivos de ignição de foguetes, mais linhas de negócios na China estão usando inteligência artificial para alimentar sua produção e introduziram ‘dark factories’, com sua capacidade de produção autônoma e ininterrupta 24 horas. As fábricas escuras, também chamadas de fábricas inteligentes, são inteiramente administradas por robôs programados, sem necessidade de iluminação.”

Lembram-se da velha piada? “A fábrica moderna será apenas um homem e um cachorro. O cachorro estará lá para impedir que o homem toque nas máquinas, e o homem estará lá para alimentar o cachorro.” Isso não é piada na China.

Mais americanos poderiam ter uma ideia melhor do que está acontecendo na China simplesmente visitando o país e pedindo serviço de quarto em seu hotel. Adoro este relato de um vlogueiro de viagem alemão sobre sua experiência num hotel em Xangai, descrito recentemente no Global Times: “‘OK, então o telefone está tocando. Significa que o robô está aqui’, diz ele no início do vídeo. Quando abre a porta, o vlogueiro vê um robô parado ali, esperando. Quando aperta o botão ‘abrir’ na máquina, a tampa na parte superior revela a comida que ele havia pedido. Ele retira o pacote, aperta ‘terminado’ para fechar o compartimento e observa o robô voltando para o elevador.”

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Não precisa dar gorjeta.

Mas há outra razão para a pressa chinesa pela robotização: necessidade demográfica. Nos EUA, sindicatos fortes e uma população crescente fazem dos robôs inimigos naturais dos trabalhadores, em razão da maneira como eles suplantam a mão de obra operária. O colapso populacional da China e suas pesadas restrições aos sindicatos tornam a introdução de mais e mais robôs nas fábricas essencial economicamente e mais fácil politicamente (mas a China provavelmente também enfrentará alguma reação negativa de seus operários).

Somente nos últimos sete anos, o número de bebês nascidos na China caiu de 18 milhões para 9 milhões. A projeção mais recente é que a população atual da China, de 1,4 bilhão, diminuirá em 100 milhões até 2050 e possivelmente em 700 milhões até o fim deste século. Para preservar seu próprio padrão de vida e ser capaz de cuidar de todos os idosos com uma população economicamente ativa em constante diminuição, a China impulsionará a robotização de todas as coisas — para si mesma e para o restante do mundo.

Em seu primeiro mandato, Trump — assim como Biden — acertou ao impor tarifas à China enquanto Pequim não nos desse acesso recíproco. A China tem violado regras comerciais da Organização Mundial do Comércio consistentemente para evitar conceder acesso recíproco aos seus principais parceiros comerciais e tem subsidiado muito suas empresas. Tenho me queixado disso há anos. Historicamente, a China compra US$ 1 dos EUA para cada US$ 4 que os EUA compram da China; grande parte soja e outros produtos agrícolas.

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Custo e qualidade

Mas vejam algo assustador: nós não produzimos mais tantas coisas que a China queira comprar. Os chineses são capazes de produzir quase tudo com custo menor e, muitas vezes, melhor qualidade.

Eric Chen é o fundador da Kingwills, uma empresa chinesa de ciência de materiais que compete com a DuPont, entre outras. Chen me explicou que os jovens empreendedores chineses, como ele próprio, aprenderam com gigantes chinesas da internet como Tencent, ByteDance e Alibaba “a inovar e melhorar com rapidez”. Seus concorrentes estrangeiros, disse Chen, atualizam os produtos muito mais lentamente e quando o fazem podem levar cinco ou seis anos para construir uma nova fábrica.

“Nós atualizamos alguns produtos a cada 30 dias. Nós somos capazes de armar uma nova linha de produção em seis meses. Nós aprendemos com Elon Musk e Steve Jobs. Vocês são realmente bons” em levar produtos “do zero ao 1. Nós somos bons em ir do 2 ao 100.”

Isso é possível porque o aumento constante da capacidade de produção na China significa que praticamente tudo o que é preciso hoje — de um pequeno componente a um produto químico raro — pode ser adquirido domesticamente pelos chineses. Nenhum outro país no mundo tem um ecossistema doméstico tão completo, explicou Chen. Portanto, para qualquer ideia, “nós podemos fazer todo o fornecimento daqui. Nós temos uma meta de três anos para chegar à mão de obra zero na produção e no armazenamento usando uma combinação entre robôs e IA”. Portanto, “nós somos capazes de estar na China e controlar a produção fora da China. Portanto, somos capazes de instalar fábricas mais próximo do cliente”.

Clientes observam minivans em uma loja da General Motors, em Liuzhou, China Foto: Chang W. Lee/NYT

Mas ele fez um alerta: “No futuro, provavelmente a competidora dos EUA não será a China, será a IA. Ela está vindo atrás de nós dois.”

Executivos de negócios estrangeiros que operam na China dirão que antes era necessário estar no país para ter acesso ao seu gigante mercado consumidor. Ainda é preciso estar lá, dizem eles, mas hoje essa presença serve também para ter acesso ao mercado em expansão de inovadores na China. Preparem-se para mais etiquetas dizendo “Projetado na China”, não apenas “Fabricado na China”.

Estaríamos enganando a nós mesmos se acreditássemos que a crescente força da China na manufatura avançada decorre apenas de práticas comerciais desleais. Essa força vem também de muitas e muitas pessoas ainda ávidas para trabalhar em um ciclo, como elas próprias definem, “9-9-6″ — ou seja, das 9 da manhã às 9 da noite, 6 dias por semana, para ter uma vida melhor; e do investimento de Pequim em infraestrutura de classe internacional; e também porque a China suprime deliberadamente gastos dos consumidores e tem um fornecimento aparentemente infinito de estudantes se formando em engenharia — e não tantos em gestão de esportes, sociologia e estudos de gênero.

“Os chineses cuidam da educação como nós cuidamos dos esportes”, disse Han Shen Lin, que leciona na NYU Xangai.

O presidente da China, Xi Jinping, e sua esposa Peng Liyuan, desembarcam em Macau, China  Foto: Eduardo Leal/AP

Então, a China vai nos enterrar? Isso não é de maneira nenhuma inevitável.

As fraquezas da China me impressionaram tanto quanto seus pontos fortes. Não quero ver instabilidade na China. É importante para o mundo que a China continue capaz de dar uma vida melhor ao seu 1,4 bilhão de habitantes — mas isso não pode ocorrer à custa de todos os demais.

E ficou claro para mim, por estar lá, que, com a relativa ausência de visitantes estrangeiros, muitos chineses perderam o contato com a maneira que a China é percebida no mundo. Conforme uma alta autoridade da Casa Branca me disse, a China “assustou” o restante do mundo quando iniciou sua agenda “Made in China 2025″ — uma política industrial liderada e financiada pelo Estado chinês, que tem como objetivo tornar a China a principal fabricante em todos os campos da manufatura avançada, da indústria aeroespacial à ciência de materiais e às máquinas-ferramentas. E a China não assusta apenas países mais desenvolvidos, como EUA e Alemanha, assusta também nações em desenvolvimento, como Brasil, Filipinas e Indonésia, que veem os chineses dominando o exterior e ainda restringindo seu consumo doméstico.

A China tem bilhões e bilhões de dólares em poupanças domésticas capazes de estimular sua economia, mas as pessoas só gastarão essas economias se tiverem confiança em seu governo e fé no futuro. O mau desempenho de Pequim no fim da covid abalou essa confiança, e a falta de transparência sobre a direção da China no futuro manteve os poupadores cautelosos.

Sua relutância em gastar é agravada pelo desemprego entre os jovens, estagnado acima de 17%, assim como por verem algumas cidades tão sem dinheiro que grupos de cobradores de impostos são enviados para perseguir sonegadores em outras Províncias. Além disso, a persistente crise imobiliária, oriunda do imenso excesso de construções, deixou muitos chineses se sentindo pobres em relação a moradia. Também não colabora para a confiança ler que o terceiro ministro ou ex-ministro da Defesa chinês consecutivo está sendo investigado por suposta corrupção no Exército de Libertação Popular.

Mais importante, o governo priorizar a ideologia do Partido Comunista e as indústrias estatais faz com que alguns dos mais talentosos inovadores no setor privado chinês transferiram silenciosamente seu dinheiro, levem suas famílias ou se mudem eles mesmos para o Japão, Dubai e Cingapura. Essa tendência não é boa para a China.

Meu conselho gratuito para meus amigos na China é que uma economia tão desequilibrada não é sustentável, pois acabará gerando uma aliança comercial global contra os chineses. O mundo não permitirá que a China fabrique todas as coisas e importe somente soja e batata. A China precisa de mais enfermeiros para fornecer bons cuidados de saúde domesticamente — e menos engenheiros para projetar carros para o mercado internacional. Seus jovens precisam de mais maneiras de se expressar criativamente — sem ter de se preocupar com a possibilidade de que uma letra de música que escrevam possa levá-los para a cadeia. Eu conversei com muitas pessoas que se sentem sufocadas ou não ousam falar o que pensam. Elas veem a repressão em Hong Kong. Não era assim 15 anos atrás. Há uma razão para tantos jovens chineses escolarizados quererem ir para o exterior neste momento.

Aos meus vizinhos nos EUA, tenho uma confissão a fazer. Eu peguei um vírus na China que nunca imaginei que pegaria: do “apreço a Elon Musk”.

O empresário Elon Musk discursa durante um evento do Instituto America First, em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

A maneira como Musk usou seu megafone no X para intimidar pessoas indefesas e bajular Donald Trump me provocou tanta repugnância que eu só queria que Musk calasse a boca e fosse embora. Mas existe um outro Elon Musk: o engenheiro-empreendedor genial capaz de fazer coisas, coisas grandes — carros elétricos, foguetes reutilizáveis e sistemas de internet via satélite — tão bem quanto qualquer um na China; e muitas vezes melhor.

Elon Musk, entretanto, no que faz melhor, é o único industrial americano que os chineses temem e respeitam. Para mim é loucura Trump estar desperdiçando Musk no projeto de encolher a burocracia dos EUA — sob a sigla DOGE, para o informal “Departamento de Eficiência do Governo” — quando Musk deveria estar liderando outro DOGE, uma agência governamental para permitir que mais americanos “Façam Boa Engenharia”.

Em suma, os EUA precisam endurecer, e a China precisa afrouxar. É por isso que tiro meu chapéu para o secretário de Estado Antony Blinken por ele ter mostrado à China o caminho adiante. Em 26 de abril, enquanto Blinken rumava para o aeroporto após uma visita que incluiu uma reunião com o presidente da China, Xi Jinping, a Reuters noticiou que ele foi à loja de discos LiPi, no distrito artístico da capital chinesa.

Blinken comprou dois álbuns — um do clássico roqueiro chinês Dou Wei; o outro de Taylor Swift, “Midnights”, lançado em 2022. O álbum “Lover”, de Swift, de 2019, teve mais de 1 milhão de streams, downloads e vendas na China na semana de seu lançamento — um recorde para uma artista estrangeira, notou a reportagem da Reuters.

A demanda dos consumidores chineses existe. Eu diria que é hora de os líderes chineses deixarem seu povo acessar mais oferta. Seria bom para ambos os países. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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