Opinião | Como erros de Biden e ‘culto’ republicano levaram à ressureição política de Trump

Enquanto republicano reúne apoiadores ao desafiar a ordem liberal, democrata descumpriu promessas de pacificar o país

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Por Bret Stephens (The New York Times)

Em novembro de 2022, após o resultado medíocre dos republicanos nas eleições intercalares, escrevi uma coluna intitulada “Donald Trump está finalmente acabado”. Mantenho uma cópia impressa em minha mesa como um lembrete humilhante de como posso estar errado.

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Como é que Trump passou de um derrotado desonrado – até mesmo Laura Ingraham, da Fox News, deu a entender que estava colocando seus “próprios rancores à frente do que é bom para o país” – para o homem do destino que ele se tornou antes mesmo de se esquivar daquela bala no sábado?

Uma explicação simples é mais ou menos assim: O G.O.P. deixou de ser um partido político normal em 2016 e tornou-se um culto à personalidade, menos interessado em ganhar eleições do que em polir o mito de salvador/vítima do seu líder carismático. Como culto, o partido nunca poderia realisticamente permitir que qualquer outro republicano tivesse sucesso em desafiar Trump pela nomeação. E, como indicado para a chapa, Trump só ganharia força quando a extensão do declínio mental do presidente Biden se tornasse óbvia.

Ex-presidente Donald Trump na Convenção Republicana. Foto: Paul Sancya/Associated Press

Mas esta análise, até certo ponto, é insuficiente em pelo menos três aspectos. Isso não dá a Trump o crédito político que ele merece. Não leva em conta os erros políticos do governo Biden. E reduz o problema dos Democratas ao próprio Biden. O problema deles é maior que isso.

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Primeiro, Trump. Assim como Barack Obama sabia que representava a esperança, Trump sabe que representa o desafio. Desafio a quê ou a quem? Aos guardiões da respeitabilidade cultural nos Estados Unidos de hoje. E quem são eles, na mente dos apoiadores de Trump?

São os repórteres que disseram que era uma “teoria da conspiração” sugerir que a Covid surgiu de um laboratório chinês. Ou os reitores acadêmicos que insistem que cada candidato a emprego escreva declarações de diversidade e inclusão e se recusam a contratar aqueles que as criticam. Ou os benfeitores que acusam os americanos que querem um melhor controle da fronteira ao sul de serem motivados pelo racismo. Ou os especialistas que dizem, como disse um colaborador da NBC em 2016, que “100% dos eleitores de Trump são deploráveis”. Ou os jornalistas que afirmaram que “a inflação faz bem”.

Não há ninguém nos EUA que os guardiões odeiem mais do que Trump. Portanto, não há ninguém nos EUA que aqueles que odeiam esses guardiões amem mais do que Trump. Em cada uma das suas declarações inacreditáveis, que ultrapassam os limites, ele sinaliza seu desprezo pelo credo liberal, sua disposição de aceitar os golpes da esquerda, sua disposição de ser odiado.

No universo MAGA, tudo isso se traduz em uma imagem de força e em uma forma de incorruptibilidade. Seja o que for que Trump defenda, ele é o tipo de homem que não será seduzido a querer ser amado por ninguém.

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Presidente Joe Biden discursa em Las Vegas.  Foto: Susan Walsh/Associated Press

Depois, houve os erros políticos de Biden. Um deles é óbvio: ele traiu a sua promessa implícita de ser um presidente transitório de um mandato. Se ele tivesse persistido nessa posição, teria sido poupado da humilhação do debate do mês passado, e os Democratas não seriam o partido desanimado e dividido que são hoje.

Mas o maior erro de Biden foi a traição à sua promessa, feita no seu discurso inaugural, de acabar com “esta guerra incivil que opõe o vermelho ao azul”. Em setembro de 2022, ele fez um discurso contundente contra os “republicanos do MAGA”, a quem acusou de ameaçar “os próprios alicerces da nossa República”. Mas será que ele se referia aos Proud Boys que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro, ou àqueles que eram “republicanos do MAGA” principalmente por terem votado em Trump?

Isso não ficou claro. Um discurso que deveria ter distinguido os dois acabou confundindo-os. Apresentou dezenas de milhões de americanos como se fossem inimigos da própria democracia.

Mais tolo foi o esforço dos Democratas para tentarem “defender a democracia”, tentando retirar o nome de Trump das urnas – um belo exemplo da ideia de destruir a aldeia para salvá-la – enquanto perseguiam Trump nos tribunais. Quaisquer que sejam os respectivos méritos dos muitos casos contra ele, o esforço descarado para embaraçar, paralisar e, em última análise, criminalizar um oponente político pareceu, para milhões de americanos, um perigo muito mais grave para a democracia do que, digamos, se o pagamento de dinheiro a Stormy Daniels em troca do silêncio dela constituiu uma violação do financiamento de campanha.

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“Se o nome dele não fosse Donald Trump, e se ele não estivesse concorrendo à presidência – eu sou o ex-procurador-geral de Nova York; Estou lhe dizendo que esse caso nunca teria sido aberto”, disse Andrew Cuomo a Bill Maher no mês passado. “E é isso que é ofensivo para as pessoas. E deveria ser. Porque se resta alguma coisa é a crença no sistema de justiça.”

Finalmente, o próprio Partido Democrata, que continua a insistir que tudo vai bem nos EUA quando pesquisa após pesquisa mostra um país que pensa que é noite ao meio-dia. Às vésperas da pandemia de 2020, 45% dos americanos estavam satisfeitos com o andamento das coisas, segundo a Gallup, a maior porcentagem em 15 anos. Agora são 21%. Essa lacuna por si só explica por que Trump parece estar a caminho da vitória.

É um fato político que o sucesso do demagogo reside menos em mentir abertamente do que em falar meias verdades. Enquanto os Democratas persistirem em não ver nada de Trump a não ser as suas mentiras e ultrajes, perderão de vista o que o torna forte. E enquanto não reconhecerem os seus próprios erros, poderão ser incapazes de evitar o verdadeiro desastre que se aproxima. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Bret Stephens

É colunista de opinião do 'The New York Times', escrevendo a respeito de política externa, política doméstica e questões culturais.

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