The Economist: Como extremistas de direita leais a Putin estão tomando conta da Europa Central

Com ascensão de Herbert Kickl na Áustria, mais um líder empenhado em lutar contra Bruxelas e se opor à ação coletiva diante da autocracia agradará somente os autocratas

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Por The Economist

Quão preocupada a Europa deve ficar com a ascensão na Áustria de Herbert Kickl, o líder do Partido da Liberdade (FPö), de extrema direita? Após tentativas dos políticos centristas do país de mantê-lo fora do poder se arruinarem depois que seu partido chegou ao topo numa eleição em setembro do ano passado (embora com apenas 29% dos votos), agora parece provável que Kickl se torne chanceler. O FPö já esteve no governo antes, como parceiro-júnior.

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Mas, desta vez, parece que Kickl ficará com o cargo mais alto. Isso é má notícia para o país: Kickl pede “um forte austríaco” livre de solicitantes de asilo, emprega retóricas com conotações nazistas e consolida um padrão preocupante de simpatizantes da Rússia ganhando poder em toda a Europa Central.

Kickl pode não conseguir tudo o que quer de uma coalizão. Com apenas 31% dos assentos no Parlamento, ele espera formar um governo com o apoio do Partido Popular, de centro-direita (o öVP), que se recusou a entrar em coalizão sob a liderança de Kickl até suas tentativas de construir uma alternativa falharem. Agora cabe ao öVP considerar se um acordo de coalizão pode ser fechado.

A esperança é que algumas das posições mais extremas de Kickl possam ser negociadas. Caso contrário, o öVP deveria se recusar a entrar no governo com ele. Isso provavelmente ocasionaria uma nova eleição, na qual o Partido da Liberdade, sugerem as pesquisas, se sairia ainda melhor. Mas isso poderá dar um choque nos partidos centristas, que juntos ainda teriam mais votos, e estimulá-los a tentar novamente formar uma coalizão governamental moderada.

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Áustria vê a ascensão de Herbert Kickl, o líder do Partido da Liberdade (FPö), de extrema direita, que deverá se torne chanceler. Foto: Heinz-peter Bader/AP

Uma conclusão possível é que a ascensão de Kickl é um prenúncio dos avanços da extrema direita na Alemanha, que encara uma eleição em fevereiro. Na verdade, os dois países são muito diferentes. O FPö participou de cinco governos nacionais, o primeiro em 1983, e de muitos outros governos estaduais.

O partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que as pesquisas sugerem estar em sua melhor posição na história numa eleição nacional, com cerca de 20% de apoio, nunca foi incluído em nenhum governo federal nem estadual, e o “firewall” que o exclui não mostra sinais de rompimento. O AfD ficou em primeiro lugar na eleição no Estado da Turíngia em 2024, mas os outros partidos o mantiveram fora do poder.

A verdadeira preocupação é que a Áustria se torne um exemplo da putinização da Europa Central. Primeiro veio Viktor Orbán, o homem-forte da Hungria. Orbán atrasou repetidamente (embora não tenha bloqueado com sucesso) as sanções europeias contra a Rússia, recusou-se a permitir a passagem por seu país de armas destinadas à Ucrânia e denuncia Bruxelas e organizações pró-democracia, como a Open Society Foundation, de George Soros.

Ele tem um vizinho com ideias semelhantes na Eslováquia, o primeiro-ministro Robert Fico. E, posteriormente este ano, o checo Andrej Babis, outro eurocético pró-Rússia, poderá retornar ao poder em seu país. Os partidos já estão discutindo como maximizar sua influência coletiva. Não ajuda que, sob a extrema direita, a corrupção possa florescer bem.

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O contraste com os países do antigo bloco soviético hoje na linha de frente ou nas proximidades da guerra russa é impressionante. A Polônia e os Estados bálticos veem Vladimir Putin exatamente pelo que ele é: um assassino revanchista, que invade seus vizinhos, sabota infraestruturas em toda a Europa e interfere em eleições democráticas em todo o mundo.

Quem está um pouco mais à distância parece contente em encobrir suas enormidades e aplaudi-lo enquanto defensor de valores “tradicionais” e rival das instituições ocidentais nas quais eles não se sentem muito confortáveis. O FPö de Kickl, por exemplo, é um partido-irmão oficial do Rússia Unida, de Putin.

A Áustria é um pequeno país de 9 milhões de habitantes. Não é membro da Otan. Vaguear em direção à extrema direita importa muito menos por lá do que na França ou na Alemanha. Mas ainda assim importa. Enquanto Donald Trump se prepara para assumir a presidência e a guerra na Ucrânia entra em seu quarto ano, a unidade europeia é mais necessária do que nunca. Mais um líder empenhado em lutar contra Bruxelas e se opor à ação coletiva diante da autocracia agradará somente os autocratas./ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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