LONDRES - A líder conservadora Liz Truss renunciou ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido nesta quinta-feira, 20, após apenas 45 dias a frente do governo britânico, marcados por uma sucessão de crises que elevou a pressão sobre o recém-empossado gabinete conservador a um nível insustentável. A renúncia de Truss marca o menor tempo que um líder ocupou o cargo de primeiro-ministro desde 1834, quando Arthur Wellesley foi chutado da posição após 23 dias.
Liz Truss foi eleita líder do Partido Conservador, que já foi liderado por nomes como Margaret Thatcher e Winston Churchill, após um longo processo conduzido pela legenda para definir o sucessor de Boris Johnson - que agora planeja concorrer novamente ao cargo. Em uma disputa com mais de 10 candidatos, que foi se afunilando a cada votação, Truss conseguiu ficar na 2ª colocação na primeira fase da votação, na qual apenas os parlamentares conservadores tinham direito a voto.
Na votação final, aberta a membros do partido em todo o país, ela ultrapassou o favorito do establishment conservador, Rishi Sunak, e pode assumir como primeira-ministra do Reino Unido.
Com a renúncia, no entanto, é improvável que a legenda proponha a realização de outro processo eleitoral interno tão amplo quanto o finalizado há pouco mais de um mês. Falando com repórteres em Londres, Graham Brady adiantou que o plano inicial dos conservadores é realizar uma nova consulta sobre a liderança na próxima semana, a fim de garantir que o Reino Unido tenha um novo premiê até o fim do mês.
“Falei com o presidente do partido, Jake Berry, e ele confirmou que será possível realizar uma votação e concluir uma eleição de liderança até sexta-feira, 28 de outubro. Então devemos ter um novo líder antes da declaração fiscal que acontecerá no dia 31″, disse Brady.
Observadores da política britânica questionam se a escolha será aberta aos membros do partido, como na segunda fase do processo eleitoral anterior, ou será restrita aos parlamentares — e, caso seja a segunda hipótese, como a base do partido reagiria ao ter sua opinião diminuída.
Em paralelo, a oposição reagiu à renúncia de Truss com pedidos de eleições gerais. O líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, exigiu que eleições imediatas fossem convocadas. “Os conservadores não podem responder à sua última confusão simplesmente estalando os dedos e mudando os que estão no topo sem o consentimento do povo britânico. Precisamos de eleições gerais”, declarou em um comunicado.
Para Entender a queda de Liz Truss
Falta de opções
O momento é delicado para o Partido Conservador, que não tem muitas opções para substituí-la. Os conservadores lideram o governo desde 2010. Apesar do impacto da saída do Reino Unido da União Europeia, o então primeiro-ministro Boris Johnson conquistou a maioria do partido em 2019.
Porém, seu governo desmoronou em meio a uma série de escândalos, culminando na sua renúncia no mês passado. O partido escolheu Truss após uma prolongada disputa de liderança, mas seu curto período no cargo não trouxe a estabilidade que seus apoiadores buscavam.
De acordo com as regras atuais, o Reino Unido deve realizar sua próxima eleição geral até janeiro de 2025. Mas os conservadores estão profundamente impopulares, com algumas previsões mostrando que o partido poderia ser quase aniquilado se uma eleição fosse realizada hoje.
Todos os três antecessores de Truss - David Cameron, Theresa May e Johnson - renunciaram sob pressão de seu partido. “Seria como se a liderança de Truss nunca tivesse acontecido”, disse Jon Tonge, professor de política da Universidade de Liverpool.
Mas mesmo com a renúncia, agora a situação fica complicada. Embora os membros conservadores do Parlamento possam selecionar os candidatos, os árbitros finais são os mais de 170.000 membros do partido que pagam a filiação.
Muitas vezes, esses membros estão fora de sintonia não apenas com seus próprios políticos eleitos, mas também com o público em geral. Uma pesquisa sugere que os membros do partido querem que Johnson retorne ao cargo de primeiro-ministro, um cenário que pode prejudicar ainda mais o Partido Conservador nas eleições.
Dentro da elite do partido, alguns esperam uma chapa de Rishi Sunak e Penny Mordaunt, dois líderes que podem ser mais palatáveis entre o eleitorado mais amplo.
Eleições gerais
Uma outra opção, bem menos provável, é a convocação de eleições gerais. Se o Partido Conservador não indicar nenhum sucessor a tempo, uma eleição seria forçada por causa das normas constitucionais.
Uma pesquisa apontou que apenas 1 em cada 10 eleitores tinha uma opinião favorável sobre Truss. Outra sugere que pelo menos 10 membros do Partido Conservador do governo britânico perderiam seus assentos no Parlamento em uma eleição realizada hoje, com uma vitória histórica para os trabalhistas.
Também não está claro se o sucessor de Truss poderia fazer muito melhor. Truss é impopular, mas o líder trabalhista Keir Starmer é “consideravelmente menos impopular” do que todos os seus rivais conservadores, incluindo Sunak e Mordaunt, de acordo com outra pesquisa.
Golpe final
Há seis semanas no cargo, Truss viu sua popularidade despencar rapidamente. Um plano fracassado de recuperação econômica que causou uma crise social e política provocou a queda do secretário de Tesouro, Kwasi Kwarteng. Na quarta-feira, em um sinal de indisciplina partidária, mais de dez deputados conservadores pediram a renúncia de Truss — que também viu a sua ministra do Interior, Suella Bravermam, desembarcar do governo.
Braverman, considerada parte da linha-dura do Partido Conservador, alegou como motivo da sua demissão ter usado a sua conta de e-mail pessoal para enviar um documento oficial a um colega, mas os meios de comunicação britânicos apontam principalmente para as diferenças entre as duas mulheres em relação à política de imigração.
Horas depois da demissão de Braverman, o gabinete indicou o ex-ministro dos Transportes de Boris Johnson, Grant Shapps, para o cargo. Shapps apoiou o adversário de Truss nas eleições internas do partido, Rishi Sunak, e sua indicação seria um sinal de “abertura” a outras alas da sigla, segundo observadores./AFP, W.POST, e AP
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