Opinião | Como grupos armados expandem seus impérios na América Latina

Após décadas de políticas repressivas antidrogas fracassadas, grupos armados agora controlam vastas parcelas de terra, agricultura, petróleo e política na região

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Por Anaís Medeiros Passos*

FLORIANÓPOLIS — Algumas semanas atrás, no México, o diretor da federação de câmaras comerciais no Estado de Tamaulipas, Julio Almanza, afirmou na TV que os cartéis de narcotráfico estavam extorquindo as empresas locais. Dias depois, ele foi morto a tiros diante de seu escritório.

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Após décadas de políticas repressivas antidrogas fracassadas na América Latina, grupos armados expandiram suas atividades para muito além do narcotráfico e agora controlam vastas parcelas de terra, agricultura, petróleo e política na região. Eles operam cada vez mais em uma zona cinzenta entre negócios legais e ilegais, dificultando o rastreamento da fonte do dinheiro sujo.

A evolução de três grupos armados no México, no Brasil e na Colômbia mostra claramente como esse processo ocorre na região atualmente.

Soldados do Exército mexicano a bordo de veículos militares patrulham uma rodovia como parte de uma operação militar para reforçar a segurança após uma onda de violência nos últimos dias na cidade de Culiacan, Estado de Sinaloa, México Foto: Ivan Medina/AFP

As consequências são imensas: no ano passado, países latino-americanos e caribenhos foram lar de mais de 40 das 50 cidades com mais assassinatos no mundo. Conforme constata o mais recente relatório sobre homicídios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em nenhuma outra região o número de mortes causadas pelo crime organizado se ampliou mais do que na América Latina e no Caribe. O crime organizado é culpado pela metade dos homicídios praticados na região.

Na Colômbia, cerca de 24 mil combatentes são agora parte de grupos armados e organizações criminosas. No México, de acordo com uma análise do International Crisis Group, o número de grupos criminosos dobrou entre 2010 e 2020, passando de 200. Além disso, no Brasil, a migração de gangues de narcotráfico para o Norte e o Nordeste ocasionou um processo de faccionalização: estima-se que mais de 72 organizações criminosas operam atualmente no Brasil. Como um todo, o dado sugere que um novo paradigma para combater esses grupos é urgente.

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O caso do Brasil

As milícias do Rio de Janeiro são um exemplo típico de agentes do Estado envolvendo-se em atividades ilegais. Esses grupos, majoritariamente compostos por policiais e autoridades de segurança, controlam ilegalmente serviços vitais em certos bairros: eletricidade, gás de cozinha, água potável, TV a cabo, transporte e até habitação. As práticas de extorsão são amplamente conhecidas e impactam a economia local, que se baseia principalmente na informalidade. Algumas comunidades têm de pagar uma taxa mensal, a cada imóvel, por serviços de segurança contra crimes menores. O próspero negócio da grilagem de terra também se tornou uma fonte importante de dinheiro.

Mas as milícias também fortaleceram crescentemente conexões com o comércio internacional de drogas. Recentemente, um grupo de milícias conhecido como 5M juntou forças com a gangue de narcotráfico Terceiro Comando Puro para lutar contra seu competidor em comum, o Comando Vermelho, o maior e mais antigo grupo de tráfico de drogas no Estado. As milícias controlam a venda de drogas em seu território e não permitem competição de outros grupos.

As milícias também incorporam um projeto político, agindo para garantir que candidatos apoiados por elas sejam eleitos. As milícias usam diferentes táticas para cumprir esse objetivo. Associações de bairro são controladas para apoiar candidatos milicianos em eleições, que acabam vencendo com votações desproporcionais. Também há relatos de intimidação. Neste ano, autoridades eleitorais regionais mudarão a localização de alguns postos de votação para ajudar a contornar seu efeito. Um estudo constatou que eleitores que vivem em áreas controladas por milícias votam em certa medida de forma diferente em relação a eleitores de outros lugares: em 2022 eles apoiaram mais candidatos de direita.

Integrantes das milícias do Rio incendiaram ônibus para protestar contra a morte de um de seus integrantes em 2023 Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Território mexicano

No México, a irrupção de Los Zetas em Tamaulipas, no nordeste do país, foi um marco no fim dos anos 90. Inicialmente recrutados pelos líderes do Cartel do Golfo, os Zetas eram compostos no começo por um grupo de desertores do Exército mexicano bem treinados em táticas e equipamentos militares e, portanto, exibiam um estilo militar de operação.

Pesquisadores estimam que os Zetas controlam cerca de 40% do mercado de petróleo roubado, principalmente nos Estados de Tamaulipas e Veracruz. O combate às organizações de narcotráfico durante o governo de Felipe Calderón (2006-2012) motivou as gangues a diversificar-se para atividades menos visíveis para evitar a repressão. Após graduados líderes serem executados ou presos por esforços antidrogas no México, a partir de 2015 os Zetas se dividiram em várias facções.

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Na fronteira com os Estados Unidos, o enfraquecimento da organização de Arellano Félix, dominante no passado, ajudou seus rivais. Grupos como o Cartel de Sinaloa, Los Zetas, Los Güero Chompas, Cartel del Noreste e Cartel Jalisco Nueva Generación (CJNG) disputam atualmente a Plaza Tijuana com as células remanescentes de Arellano Félix enquanto os índices de homicídios disparam.

A competição entre as organizações mexicanas de narcotráfico transbordou para o Equador, ocasionando um pico de violência conforme o país tornou-se rota de trânsito e centro de produção de pasta de cocaína nos anos recentes. Enquanto as autoridades equatorianas afirmam que o Cartel de Sinaloa apoia Los Choneros (considerados a maior organização de narcotráfico no país), o Cartel Jalisco Nueva Generación está do lado de Los Lobos, ambos fornecendo-lhes armas e dinheiro — portanto, alimentando a violência.

A Colômbia sob as bacrim

Na Colômbia, o processo de desmobilização (2002-2006) dissolveu formalmente as Autodefesas Unidas da Colômbia (uma federação composta em seu auge principalmente por grupos paramilitares). A ação do governo, contudo, foi incapaz de evitar que as AUC se faccionalizassem. Ao contrário de gangues de narcotráfico, cujo objetivo último é lucrar, os grupos paramilitares são organizações políticas armadas. Mas a distinção entre os paramilitares e os grupos criminosos colombianos é cada vez mais tênue.

Os grupos paramilitares são conhecidos atualmente como bacrim (“bandas criminales”, ou grupos criminosos). Eles ainda operam principalmente a partir de comunidades locais, agindo como autoridades na solução de conflitos internos para aumentar sua popularidade. Ao contrário de seus antecessores, os paramilitares expandiram-se para um conjunto maior de fontes de financiamento não relacionadas com o comércio de drogas — da venda de itens de consumo cotidiano (laticínios, ovos, arepas e refrigerantes) até mineração ilegal de ouro e prata. Mas a economia do narcotráfico continua a principal financiadora de suas operações.

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Alianças com policiais, militares, juízes e outros agentes do Estado são vitais para a manutenção de seu controle territorial. O Clã do Golfo (ou Autodefesas Gaitanistas da Colômbia, como seus integrantes preferem chamar a si mesmos) é conhecido por ser o maior, controlando a porção mais significativa das exportações de drogas na Colômbia (cerca de 60%), com 51 comandos regionais. Mas as bacrim, ao contrário das AUC, anteriormente mencionadas, não têm um comando unificado. A presença de grupos paramilitares é relatada em 31 dos 34 Departamentos colombianos.

Dados e anos de esforços para controlar essas organizações sugerem que incrementar a eficiência da investigação policial e dos serviços de inteligência é crucial para desmantelar o poder do crime. Reformas policiais foram descartadas por anos, favorecendo uma abordagem dura contra a criminalidade que ignora a complexidade das organizações criminosas. É hora de as políticas de redução de danos em relação às drogas se tornarem o novo paradigma da ação do Estado na região. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Anaís Medeiros Passos*

Professora de sociologia e Ciência Política na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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