Como Hamas, Hezbollah e Houthis desestabilizam Oriente Médio em 3 frentes? Entenda num guia simples

Desde meados de novembro, o grupo iemenita ataca embarcações que passam pelo Mar Vermelho

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Foto do author Daniel Gateno
Atualização:

Os ataques lançados pelos houthis, um grupo que controla partes do Iêmen e é apoiado pelo Irã, a navios que passam pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez, foram respondidos por ataques militares dos Estados Unidos e outros aliados pela primeira vez na noite de quinta-feira, 11. Desde meados de novembro, o grupo iemenita ataca embarcações que passam por estas rotas marítimas como um sinal de apoio ao grupo terrorista Hamas, em meio a guerra contra Israel na Faixa de Gaza.

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Tanto o Hamas, que coordenou os ataques terroristas do dia 7 de outubro, que deixaram mais de 1.200 mortos em Israel, quanto o Hezbollah, grupo radical islâmico que atua na Síria e no Líbano e que participa de escaramuças com Israel, também são apoiados pelo regime iraniano.

O apoio de Teerã aos Houthis, Hamas e Hezbollah faz parte de um instrumento de política externa para que o Irã consiga os seus objetivos. Veja a seguir perguntas e respostas sobre a relação destes três grupos com o Irã e qual é o conflito em que cada um está envolvido.

Houthis

Quem são os Houthis?

Os Houthis são um braço armado de uma minoria muçulmana xiita do Iêmen, chamados de zaiditas. O grupo foi formado nos 1990 para combater o governo de Ali Abdullah Saleh, que ficou na presidência do Iêmen de 1990 até 2012.

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O movimento foi fundado por Houssein Al-Houthi, que morreu em 2004. Atualmente, o grupo é liderado por Abdul-Malik Al-Houthi, e eles lutam contra o governo do Iêmen há cerca de duas décadas e agora controlam o noroeste do país e sua capital, Sanaa.

Eles construíram sua ideologia em torno da oposição a Israel e aos Estados Unidos, vendo-se como parte do “eixo de resistência” liderado pelo Irã, juntamente com o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza e o Hezbollah no Líbano.

Em 2014, uma coalizão militar liderada pela Arábia Saudita interveio para tentar restaurar o governo original do país depois que os Houthis tomaram a capital, iniciando uma guerra civil que matou centenas de milhares de pessoas. O governo do Iêmen apoiado por Riad e os Houthis concordaram com um cessar-fogo em dezembro do ano passado, que foi catapultado pelo acordo de reconhecimento de laços diplomáticos entre Irã e Arábia Saudita em março de 2023, depois de terem cortado as relações em 2016.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak durante uma reunião da Otan, em Vilna, Lituânia  Foto: Paul Ellis / AP

Qual é a relação do grupo com o Irã?

Assim como os Houthis, o regime iraniano também é xiita, e passou a apoiar mais o grupo iemenita a partir de 2014, com treinamento militar e o envio de armas. Os houthis reforçaram seu arsenal nos últimos anos, que agora inclui mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos e drones de longo alcance. Os analistas atribuem essa expansão ao apoio do Irã, que tem fornecido milícias em todo o Oriente Médio para expandir sua própria influência.

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“A partir do momento em que a Arábia Saudita interveio na guerra civil do Iêmen, as autoridades americanas acusaram a Guarda Revolucionária do Irã o Hezbollah de treinar e armar os Houthis locais”, apontou um relatório do Instituto do Oriente Médio, think-thank baseada em Washington.

De acordo com o relatório do instituto, o Irã tem boas razões para considerar que o apoio aos Houthis valeu a pena, porque aumentou a pressão sobre os sauditas para concordarem com uma trégua diplomática com os iranianos em março do ano passado.

Porque os Houthis estão atacando as embarcações?

Quando a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas começou em 7 de outubro, os Houthis declararam seu apoio aos terroristas do Hamas e disseram que atacariam qualquer navio que viajasse para Israel ou saísse de lá. O grupo apontou que estava atacando as embarcações em solidariedade ao povo palestino.

Desde novembro, os Houthis lançaram 27 ataques com drones e mísseis contra embarcações no Mar Vermelho e no Golfo de Aden que, segundo eles, estariam indo em direção a portos israelenses ou saindo deles. Os ataques foram repudiados por diversos países do Ocidente e segundo o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, prejudicaram navios ligados a mais de 40 países.

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As maiores empresas de contêineres do mundo, a MSC e a Maersk, disseram que estão evitando a região, e as empresas de transporte ficam com opções difíceis. O redirecionamento das embarcações ao redor da África acrescenta mais 4.000 milhas e 10 dias às rotas de navegação, além de exigir mais combustível.

Os ataques liderados pelos Estados Unidos na quinta-feira atingiram radares, mísseis e locais de lançamento de drones, bem como áreas de armazenamento de armas.

Marinha do Reino Unido ataca alvos dos Houthis no Mar Vermelho  Foto: EFE / EFE

Hezbollah

O que é o Hezbollah?

Hezbollah, que significa “Partido de Deus”, é um grupo radical xiita híbrido (político, social e militar) com sede no Líbano e financiado pelo Irã. O grupo emergiu em 1982 durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990). À época, a presença de refugiados palestinos e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) no país provocou um conflito sectário nas comunidades libanesas, que passaram a disputar o controle do país. O conflito teve o envolvimento de Israel, da Síria, dos EUA e outras nações ocidentais.

O Hezbollah teve grande influência do Irã em sua criação. Teerã explorou o caos da guerra civil do Líbano e especialmente a invasão israelense do Líbano em 1982 para semear as forças que amadureceram o Hezbollah.

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Em 1985, a organização publicou um manifesto em que afirmava que seus inimigos eram o Partido Social Democrata Libanês, Israel, França e EUA. Além disso, no texto o grupo prometia acabar com a influência ocidental no Líbano, pedia a destruição do Estado israelense e jurava fidelidade ao líder supremo do Irã. Associado a vários atentados terroristas contra civis ao redor do mundo, o grupo marcou o início da sua violenta corrida contra o Ocidente em 1983, quando realizou atentados suicidas com bombas contra quartéis militares americanos e franceses em Beirute, causando a morte de mais de 300 pessoas.

Além de seu braço armado, o Hezbollah é a força política mais poderosa dentro do Líbano, possuindo veto em decisões governamentais e decidindo questões importantes relacionadas a entrada ou não do Líbano em conflitos armados.

Qual é a sua relação com o Irã?

O Hezbollah surgiu como resposta à invasão do Líbano por Israel em 1982. Poucos anos antes, em 1979, o Irã havia experienciado sua revolução islâmica, que causou um grande impacto entre os xiitas libaneses e seguidores do aiatolá Khomeini. As ideias de importar a revolução iraniana para o Líbano e a criação de um movimento armado radical anti-Israel eram atrativas e foram discutida durante anos entre líderes iranianos e libaneses renomados, como o xeque Sobhi Tufayli, que mais tarde se tornou o primeiro secretário-geral do Hezbollah.

Com a invasão de Israel, em 1982, o governo teocrático do Irã viu uma oportunidade para concretizar seus planos e chegou a oferecer ajuda militar ao Líbano. Guardas Revolucionários iranianos foram enviados depois do breve conflito para o norte do Vale do Bekaa, e a partir desse momento xiitas passaram a ser recrutados para formar a base do que logo tornou-se o Hezbollah.

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Em que conflito o Hezbollah está envolvido?

O grupo radical islâmico já se envolveu em duas guerras com Israel, em 1982 e também em 2006. No contexto da guerra da Síria, o Hezbollah apoia o regime de Bashar al Assad, que também é aliado de Teerã. Nesta nova guerra entre Israel e Hamas, o grupo libanês ainda não declarou oficialmente guerra contra Tel-Aviv, mas participou de diversas escaramuças com as forças israelenses na fronteira, que fizeram com que o governo israelense retirasse milhares de cidadãos que vivem no norte do país.

No dia 3 de janeiro, Saleh al-Arouri, uma das principais autoridades políticas do grupo terrorista Hamas, foi morto em um suposto ataque de um drone israelense em Beirute. O chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, apontou em seguida que Israel receberia “uma resposta e punição”. “Se o inimigo pensar em travar uma guerra contra o Líbano”, disse Nasrallah, ele “se arrependerá”. No dia 6 de janeiro, mais de 40 mísseis foram disparados do Líbano em direção ao norte de Israel.

Já no dia 8 de janeiro, um suposto ataque aéreo israelense matou Wissam al-Tawil, comandante da Força Radwan, um grupo de elite do Hezbollah. Autoridades israelenses querem que o Hezbollah crie uma zona de segurança e se afaste de fronteira com Tel-Aviv e apontaram que podem realizar um ataque contra o grupo radical islâmico para que isso aconteça.

O chefe do Hezbollah, Hasan Nasrallah, faz um discurso para apoiadores em Beirute, Líbano  Foto: ANWAR AMRO / AFP

Hamas

O que é o Hamas?

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O Hamas é um grupo terrorista muçulmano sunita, que interpreta os ensinamentos do Alcorão, livro sagrado da religião islâmica, de forma extremista e radical. É dividido em três braços: uma entidade filantrópica, um partido político e um braço armado. O nome é uma sigla em árabe para Movimento de Resistência Islâmica. O grupo é atualmente a maior organização islâmica nos territórios palestinos, e é considerado terrorista por Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido.

O Hamas surgiu em 1987, durante a primeira Intifada, conflito entre civis palestinos e tropas israelenses contra a ocupação dos territórios, no qual os palestinos atacavam os inimigos principalmente com pedras. Inspirado na Irmandade Muçulmana, grupo presente no vizinho Egito, o Hamas tentou organizar a resistência dos palestinos nos territórios ocupados da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.

O grupo terrorista se opôs aos Acordos de Oslo, que foram costurados em 1993 entre Israel e a Organização para Libertação da Palestina (OLP). O plano criou a Autoridade Palestina (AP), que passou a administrar partes da Cisjordânia. Os acordos de paz, negociados na cidade norueguesa de Oslo, nunca foram totalmente implementados e uma segunda Intifada ocorreu entre 2000 e 2005.

A Faixa de Gaza fazia parte do Egito até 1967, quando Israel conquistou o território na Guerra dos Seis Dias e administrou o enclave até 2005, quando se retirou unilateralmente e passou o controle para a Autoridade Palestina. O grupo terrorista Hamas ganhou as eleições em Gaza contra o rival Fatah e tomou o poder do enclave palestino em 2007.

O chefe do Hamas, ismail Haniyeh, conversa com o líder supremo do Irã, Ali Khamenei, em Teerã, Irã  Foto: Escritório do Lider Supremo do Irã / AP

Qual é a relação do Hamas com o Irã?

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O Irã estreitou relações com o grupo terrorista Hamas nos anos 90, quando a OLP entrou em negociações para a concretização dos Acordos de Oslo. O regime de Teerã providenciou treinamento para os terroristas do Hamas e financiamento militar. O Irã também apoia a Jihad Islamica, outro grupo terrorista palestino que atua na Faixa de Gaza.

Uma reportagem do jornal americano The Wall Street Journal apontou que Teerã ajudou o grupo terrorista Hamas a realizar os ataques do dia 7 de outubro em Israel, mas o governo do Irã negou que tivesse ajudado o Hamas, apesar de ter celebrado o ataque terrorista.

De acordo com um relatório do Departamento de Estado de 2020, o Irã fornece cerca de US$ 100 milhões anualmente a grupos terroristas palestinos, incluindo o Hamas, a Jihad Islâmica Palestina e a Frente Popular para a Libertação da Palestina – Comando Geral.

Em que conflito o Hamas está envolvido?

No dia 7 de outubro, terroristas do Hamas invadiram o território israelense e mataram mais de 1.200 pessoas, além de terem sequestrado mais de 240. Este foi o pior ataque terrorista da história de Israel. Tel-Aviv declarou guerra contra o Hamas e iniciou uma ofensiva militar com bombardeios aéreos e invasão terrestre que já deixou mais de 23 mil mortos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.

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