Como Japão e China usam a guerra na Ucrânia em disputa de poder na Ásia

Líderes dos países mais ricos da região viajaram a Moscou e Kiev nos últimos dias e evidenciaram interesses regionais opostos

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Por Redação

Na semana passada, com os olhos do mundo voltados para as primeiras reuniões em Moscou do presidente chinês, Xi Jinping, desde a invasão à Ucrânia, o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, fez uma visita surpresa a Kiev, do outro lado do front. O timing das duas viagens chamou a atenção em círculos diplomáticos, já que ocorre num momento em que a tensão tem aumentado entre os dois rivais regionais e grandes potências econômicas. A China busca expandir sua influência, e o Japão respondeu aumentando seu gasto em defesa e aprofundando as relações com os Estados Unidos e seus aliados.

Enquanto a viagem de Xi tem como objetivo mandar a mensagem para o Ocidente de que seus esforços em isolar Moscou em razão da invasão à Ucrânia não funcionaram, a visita concomitante de Kishida, cuja nação ocupa a presidência do Grupo dos 7 países mais industrializados, ao presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, sublinha firmemente a natureza global da oposição à guerra.

Presidente da China, Xi Jinping, ao lado do presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante viagem à Moscou, no dia 20. Viagem do líder chinês evidenciou interesses contrários com o Japão Foto: SERGEI KARPUKHIN / AFP

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“É uma declaração muito significativa”, afirmou Euan Graham, especialista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos radicado em Cingapura. “Mostra que há muito mais vigor asiático no jogo do que muita gente pensava. (…) Enquanto Putin passeia de mãos dadas com Putin, Kishida aperta firme a mão do presidente (Zelenski) — trata-se de um contraste muito poderoso, demonstrando que a Ucrânia não é preocupação apenas na Europa e ou no Atlântico.”

A decisão de Kishida de visitar Kiev no mesmo momento que Xi estava em Moscou claramente não foi nenhuma coincidência e provavelmente foi destinada a atenuar qualquer impacto que o líder chinês tenha esperado surtir, afirmou Heigo Sato, professor de Universidade Takushoku especialista em temas de defesa e segurança.

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“O mais importante é continuar dando apoio à Ucrânia, e era necessário demonstrar a solidariedade do G-7, com Europa, Japão e EUA trabalhando juntos para fornecer ajuda”, afirmou ele.

Kishida está entre líderes na Ásia que criticaram abertamente a invasão à Ucrânia, e o Japão impôs sanções rigorosas contra a Rússia e forneceu à Ucrânia ajuda militar não letal, financeira e humanitária.

Em razão de restrições constitucionais que proíbem o Japão de fornecer à Ucrânia armas letais, Sato afirmou que a viagem de Kishida foi “um requerimento mínimo” para o presidente do G-7.

Em um discurso pronunciado em janeiro, na Universidade Johns Hopkins, Kishida sublinhou considerar que o conflito surte efeitos diretos na ordem mundial e prometeu usar a presidência do G-7 para fazer o que puder para fortalecer a resposta dos “países de ideologia similar”.

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“A agressão russa contra a Ucrânia marcou o encerramento completo do mundo pós-Guerra Fria”, disse ele. “Revelou-se que apenas globalização e interdependência não servem como garantidoras da paz e do desenvolvimento global.”

Posteriormente, no que pareceu uma referência aos projetos da China sobre Taiwan, a ilha autogovernada que Pequim reivindica como seu território, Kishida afirmou que a “China tem algumas visões e clamores em relação à ordem internacional que divergem dos nossos e que nós jamais poderemos aceitar.”

A visita de Kishida a Moscou ocorreu horas depois do líder japonês se encontrar com Narendra Modi, em Nova Délhi, onde ele convidou o primeiro-ministro indiano para comparecer à cúpula do G-7, em maio. Kishida também anunciou ações para uma nova iniciativa no Indo-Pacífico destinada a afrontar a crescente influência da China.

Primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, durante visita na Polônia, em imagem do dia 22. Kishida foi à Kiev de surpresa no momento em que Xi Jinping estava em Moscou Foto: Michal Dyjuk/AP

O embaixador americano no Japão, Rahm Emanuel, afirmou em um post no Twitter que, para países da região, a visita enfatiza “duas parcerias Europa-Pacífico muito diferentes”.

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“O primeiro-ministro Kishida está ao lado da liberdade, e Xi está ao lado de um criminoso de guerra”, escreveu ele. “Qual líder no Pacífico é o parceiro certo para um futuro melhor?”

O Ministério de Relações Exteriores chinês, enquanto isso, acusou Kishida de escalar as tensões na Europa.

“A comunidade internacional deveria sustentar a posição de promover negociações de paz e criar situações para a resolução política da crise na Ucrânia”, afirmou a repórteres o porta-voz da chancelaria chinesa, Wang Wenbin, em Pequim. “Gostaríamos que o Japão pudesse fazer mais para desescalar a situação, em vez do contrário.”

Wang enfatizou que a China tem “pedido uma solução política para a crise ucraniana, contrária tanto à mentalidade de Guerra Fria e quanto às sanções unilaterais”.

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China e Rússia têm descrito a viagem de três dias de Xi como uma oportunidade para aprofundar sua “amizade sem limites”, e em um comunicado emitido após o primeiro dia das conversas, a China disse que Xi “enfatizou que existe uma lógica histórica profunda para as relações entre China e Rússia alcançarem o ponto que estão hoje”.

As sanções surtiram o efeito de aumentar a dependência da Rússia em relação ao comércio com a China e aproximar os países.

A cúpula em Moscou surtiu o efeito de sublinhar e reforçar o status da “Rússia enquanto parceira menor da China — economicamente, militarmente e diplomaticamente”, afirmou o vice-almirante americano aposentado Robert Murrett, que atualmente leciona na Universidade de Syracuse.

“A Rússia é cada vez mais dependente da China por causa dos crescentes desafios domésticos e internacionais de Moscou, e, ao mesmo tempo, a China pode obter vantagens selecionadas da relação enquanto continua a desenvolver uma gama de outras iniciativas bilaterais na arena global”, escreveu ele em uma nota de análise.

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O simbolismo da visita de Xi a Moscou é enorme, afirmou Graham. “Trata-se basicamente de um endosso à invasão de Putin, e Putin o lerá como tal”, afirmou ele. “E é um sinal de que a Rússia tem apoio da China, ao menos no campo diplomático, e de maneira muito provável consideravelmente mais do que isso nos bastidores.”

O Japão se antagoniza com China e Rússia historicamente, incluindo em relação a ilhas controladas pelos russos que a ex-União Soviética tomou o Japão no fim da 2.ª Guerra, o que evitou que os dois países assinassem um tratado de paz que pusesse fim formalmente às suas hostilidades de guerra.

Em razão de suas sanções contra a Rússia, Tóquio foi alvo de reprimendas de Moscou, que anunciou a suspensão de conversas a respeito de um tratado de paz que incluísse negociações a respeito de ilhas em disputa.

O Japão, notando crescentes ameaças de China e Coreia do Norte, tem expandido sua cooperação militar para além de seu principal aliado, os EUA, e desenvolveu parcerias com Austrália, Reino Unido e outros países da Europa e do Sudeste Asiático.

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No ano passado, o governo de Kishida adotou uma nova estratégia de segurança nacional sob a qual o Japão acionará mísseis de cruzeiro de longo alcance para fortalecer sua capacidade de reação, em um rompimento notável em relação ao princípio japonês do pós-Guerra de apenas se defender.

Enquanto o ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe dedicou tempo em perseguir uma relação com Putin que não levou realmente a nenhum ganho significativo, Kishida tem mostrado maior disposição à crítica, afirmou Graham.

Mas a viagem de Kishida a Kiev não deverá prejudicar as relações entre Tóquio e Moscou, afirmou ele, acrescentando que a visita certamente agradará a Washington.

“A Rússia também quer evitar apostar todas as fichas na China, então seria tola uma súbita escalada em relação ao Japão, seja economicamente ou militarmente”, afirmou ele. “Acho que provavelmente essa situação entrou nos cálculos dos japoneses, e eles estão dispostos a correr esse risco.” /ASSOCIATED PRESS

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