Como Liz Truss superou rivais e se tornou a nova primeira-ministra do Reino Unido

Caminho de Truss ao N°10 de Downing Street foi pavimentado após o turbilhão de reviravoltas que marcaram a política britânica nos últimos anos

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Por Peter Robins e Stephen Castle
Atualização:

LONDRES - Há três anos, Boris Johnson liderava o Partido Conservador em sua maior vitória eleitoral em décadas no Reino Unido. Antes disso, há seis anos, Liz Truss era uma importante voz conservadora contra o Brexit, defendendo a permanência do país na União Europeia.

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O cenário é quase o oposto do que será visto na terça-feira, 6, quando Johnson, após um processo impulsionado por seu próprio partido, passar o governo para às mãos de Truss, sua ex-ministra das Relações Exteriores, que se notabilizou no cargo justamente por uma defesa linha-dura do Brexit.

O caminho de Truss ao N°10 de Downing Street foi pavimentado após o turbilhão de reviravoltas que marcaram a política britânica nos últimos anos. Aqui está um guia para entender os principais pontos.

Liz Truss acena de frente da sede do Partido Conservador, em Londres, após o anúncio do resultado da eleição que definiu a nova liderança dos conservadores. Foto: Niklas Halle'n/ AFP

No sistema parlamentar britânico, o líder do partido majoritário está no comando

É difícil se livrar de um primeiro-ministro britânico, mas está longe de ser impossível. O cargo é ocupado pelo líder do partido político com maioria parlamentar - e o partido pode destituir um líder e escolher outro, mudando de primeiro-ministro sem que uma eleição geral seja convocada.

Três dos últimos quatro primeiros-ministros britânicos, incluindo Johnson, assumiram o cargo sem passar por eleições gerais. O novo primeiro-ministro pode então optar por convocar eleições antecipadas – em 2019, Johnson fez isso em poucos meses – mas não há obrigação de convocar uma nova eleição geral até cinco anos após a última.

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O partido de Boris Johnson o forçou a renunciar

A posição de Johnson começou a enfraquecer no final do ano passado, com uma série de escândalos envolvendo integrantes do seu gabinete durante o lockdown da covid-19, que lhe renderam uma multa e um relatório oficial acusatório. Em junho, ele sobreviveu a um voto de desconfiança convocado com a ajuda de parlamentares de seu partido.

O mês seguinte, no entanto, trouxe um novo escândalo, com a saída de Chris Pincher, liderança do partido, responsável por manter os legisladores conservadores na linha. Comprovou-se que Johnson o colocou no cargo mesmo sabendo das acusações de comportamento inadequado - incluindo assédio sexual. Ministros e outras autoridades inicialmente negaram as acusações em nome de Johnson, até que ele admitisse.

Rishi Sunak (1° à direita) e Sajid Javid (centro) foram dois dos principais integrantes do gabinete de Johnson a contribuir para sua renúncia. Foto: Oli Scarff/Pool Photo via AP

Na noite de 5 de julho, o chanceler do Tesouro, Rishi Sunak, e o ministro da Saúde, Sajid Javid, renunciaram. Seguiu-se então uma enxurrada de novas demissões, com mais de 50 membros do Parlamento deixando seus cargos até 7 de julho, incluindo alguns nomeados para substituir aqueles que já haviam renunciado.

Mais tarde naquele dia, Johnson anunciou que renunciaria, reconhecendo em um discurso que era claramente “a vontade do Partido Conservador” que ele se afastasse.

Parlamentares conservadores estabeleceram regras da eleição do novo premiê

Quando Johnson renunciou ao cargo de líder do partido em 7 de julho, ele disse que permaneceria como primeiro-ministro até que os conservadores escolhessem um novo líder. Seus dois antecessores mais recentes, David Cameron e Theresa May, adotaram essa abordagem quando renunciaram.

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Mas o cronograma para a disputa pela liderança não estava nas mãos de Johnson: foi estabelecido por parlamentares conservadores de bancada por meio de um órgão chamado Comitê de 1922.

As linhas gerais do processo em duas etapas permanecem constantes. Primeiro, os legisladores conservadores realizam uma série de votações entre si para reduzir o número de candidatos a dois. Ao final, a votação é aberta aos seguidores do partido -, cerca de 160 mil, que pagam uma assinatura anual padrão de 25 libras (cerca de R$148).

Onze legisladores tentaram concorrer desta vez, com os dois últimos – Sunak e Truss – surgindo em 20 de julho após cinco rodadas de votação.

Rishi Sunak e Liz Truss debatem durante a campanha para primeiro-ministro, em 25 de julho de 2022. Foto: Jacob King/Pool via REUTERS

Membros do partido questionaram Sunak e Truss em uma série de reuniões. A votação, por correio e on-line, foi aberta no início de agosto e encerrada na sexta-feira.

Com o resultado anunciado na segunda-feira, Johnson e Truss viajarão na terça-feira para se encontrar com a rainha no Castelo de Balmoral, na Escócia, para uma entrega formal do cargo.

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Espera-se que Truss faça um primeiro grande discurso como primeira-ministra do lado de fora de sua nova casa em Downing Street após o retorno a Londres, ainda na terça.

Rishi Sunak foi a principal escolha dos legisladores. Mas ele perdeu com os membros do partido

Em todas as cinco rodadas de votação dos legisladores, um candidato permaneceu na liderança: Rishi Sunak, o principal funcionário das finanças durante a maior parte do tempo de Johnson em Downing Street.

Sunak, de 42 anos, teria sido o primeiro premiê não-branco do Reino Unido - embora tenha havido um primeiro-ministro com herança judaica, Benjamin Disraeli, em 1868. Por algum tempo, Sunak foi considerado o favorito para assumir o cargo. Os membros do partido, no entanto, o rejeitaram decisivamente.

Sunak assumiu o cargo de chanceler em 2020, quando o coronavírus estava chegando ao Reino Unido, e ganhou popularidade por meio de sua reação calma com relação ao impacto econômico quando ela se tornou uma pandemia, inclusive por meio de um programa de licença que pagou empresas para sustentar quase 12 milhões empregos durante o confinamento.

Rishi Sunak e Liz Truss sentam lado a lado durante anúncio do resultado das eleições. Foto: Stefan Rousseau/ EFE

Mas este ano, ele teve perdeu popularidade por conta própria. Como Johnson, ele foi multado por participar de uma festa que violava o lockdown do coronavírus e também enfrentou relatórios prejudiciais sobre o status fiscal de sua esposa.

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Os opositores chamaram a atenção para a riqueza de Sunak, com um ministro apontando para relatos de que um de seus ternos custava £ 3.500 (R$ 20.778), acrescentando que Truss usava brincos que custavam £ 4,50 (R$ 32).

Na votação final, ele sofreu com sua associação com os gastos da era covid, aumentos de impostos e a crise do custo de vida do país, bem como sua participação na saída de Johnson, uma destituição que muitos membros do partido agora dizem lamentar.

Liz Truss conquistou a direita do partido, apesar de um passado centrista

Truss, que era a ministra das Relações Exteriores, permaneceu no governo durante a onda de demissões que derrubou Johnson. Ela ficou em segundo lugar apenas no turno final da votação dos parlamentares, consolidando o apoio de vários candidatos derrotados à direita do partido.

Outrora ativista estudantil de um partido menor e centrista, os Liberais Democratas, Truss, de 47 anos, fez campanha para que o Reino Unido permanecesse na União Europeia durante o referendo do Brexit de 2016 - uma linha divisória fundamental para os muitos membros conservadores que, como Sunak, votaram pela saída sair.

Liz Truss discursa a integrantes do Partido Conservador após o anúncio de sua vitória nesta segunda-feira, 5. Foto: Stefan Rousseau/ AFP

Mas ela se reformulou como defensora das causas do Brexit, buscando negociações agressivas com a União Europeia sobre o comércio na Irlanda do Norte. No atual pleito, ela também prometeu buscar cortes rápidos de impostos, a serem financiados pelo pagamento de dívidas pandêmicas por um período mais longo. Esse foi um ponto de distinção com Sunak, que descreveu a ideia como “economia da fantasia”.

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Ela também expressou ceticismo sobre “doações” para ajudar os eleitores com um aumento acentuado nas contas de energia – uma postura que ela reverteu desde então, prometendo em uma entrevista à BBC no domingo que estabeleceria um plano sobre o assunto em sua primeira semana como premiê - e se opôs à ideia de um imposto inesperado sobre as empresas de energia.

Ela tem até dois anos, com um caminho complicado pela frente

Embora os novos primeiros-ministros britânicos geralmente contem com um aumento de popularidade nas pesquisas de opinião, as coisas parecem complicadas para o governo de Truss. A inflação está subindo, as taxas de juros subiram e as contas das famílias estão ficando mais caras, com outro forte aumento nos preços de energia programados para outubro.

Mas ela também terá uma das vantagens mais significativas desfrutadas pelos partidos do governo na política britânica: a capacidade de marcar a data de uma eleição geral.

O último momento disponível seria janeiro de 2025. Ir muito mais cedo é uma opção, para capitalizar a popularidade inicial e antecipar mais más notícias, mas seria perigoso. A eleição antecipada de Johnson produziu uma vitória esmagadora, mas May, sua antecessora, convocou eleições antecipadas com uma vantagem de dois dígitos, apenas para perder sua maioria parlamentar e sua autoridade.

E as circunstâncias são muito menos favoráveis agora. Os conservadores estão consistentemente atrás do Partido Trabalhista de oposição na maioria das pesquisas de opinião, e as respostas às perguntas hipotéticas dos pesquisadores sugerem que nenhum dos candidatos à liderança faria uma diferença drástica. O Partido Trabalhista, no entanto, perdeu eleições anteriores depois de manter lideranças semelhantes ou maiores no meio do mandato.

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Se Truss puder navegar pelas águas econômicas agitadas à frente, ainda pode levar alguns anos até que o Reino Unido tenha outro primeiro-ministro.

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