Como Macron se prepara para três anos de governo com a direita radical no Parlamento

Com dois partidos opostos liderando o cenário político e seu partido correndo em terceiro lugar, presidente deverá passará por uma coabitação até o fim de seu governo

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Por Paloma Varón

ENVIADA ESPECIAL, PARIS - Neste domingo, 7, os franceses participam do segundo turno das eleições legislativas após a dissolução da Assembleia Nacional (AN) pelo presidente Emmanuel Macron ao conhecer os resultados das eleições para o Parlamento Europeu, no dia 9 de junho. São 49,3 milhões de eleitores inscritos para votar nesta eleição que, independentemente do resultado, já tem um impacto considerável, pois pode tanto levar a direita radical ao poder pelo voto, algo inédito na história do país, quanto criar um novo regime de coabitação.

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De acordo com uma pesquisa Ipsos-Talan realizada em 3 e 4 de julho entre mais de 10 mil eleitores para Le Monde, France Télévisions e Radio France, o Reunião Nacional (RN) e seus aliados teriam de 170 a 205 assentos na nova AN, seguido pelo Nova Frente Popular (NFP), entre 145 e 175 lugares, e Juntos!, a coalizão governista, entre 118 e 148 lugares.

Com dois partidos opostos liderando o cenário político e o partido de Macron correndo em terceiro lugar, o voto de seus eleitores vai ser decisivo nas zonas eleitorais em que o Juntos! está fora da disputa. De acordo com o especialista em história política Jean Garrigues, é impossível adivinhar o comportamento do eleitor centrista neste segundo turno. “Com as desistências de candidatos, em algumas zonas eleitorais o embate se dará entre o RN de (Jordan) Bardella e A França Insubmissa (LFI), de Mélenchon, que é parte da NFP, mas parece mais repulsiva para o eleitor, notadamente o de centro, que o RN. Então é possível que muitos eleitores prefiram votar em branco ou não ir votar”.

“Vai ser caso a caso, pois cada zona eleitoral tem uma dinâmica diferente. Podemos pegar como exemplo a do deputado da LFI François Ruffin, (Somme, departamento ao norte de Paris), um dissidente de Jean-Luc Mélenchon. Neste caso, a candidata do partido macronista decidiu retirar a sua candidatura para o segundo turno a favor de Ruffin, que chegou em segundo lugar no primeiro turno. Será que os eleitores desta candidata vão aceitar transferir os seus votos para Ruffin? Não é uma evidência”, analisa.

Segundo Garrigues, as desistências podem impedir uma maioria absoluta do RN na Assembleia, “mas não sabemos ainda se os eleitores vão realmente seguir as recomendações dos partidos”.

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Nomeações do Executivo antes do segundo turno

Nesta curta semana entre o primeiro e o segundo turnos, e vendo os resultados do primeiro, Macron começou, sem alarde, a preparar a coabitação, isto é, quando o presidente e o primeiro-ministro não vêm do mesmo partido.

O Executivo de fato nomeou dezenas de pessoas para cargos como embaixadores, gestores e altos magistrados, assim como cargos locais, o que levou Marine Le Pen a denunciar um “golpe administrativo” por parte do presidente, que “impediria” o seu partido de governar se conseguisse a maioria absoluta. O Eliseu contestou veementemente essas acusações.

Eleições legislativas deste domingo irão quase certamente impactar a influência de Macron nas áreas de defesa e relações exteriores.  Foto: AP Photo/Aurelien Morissard, Pool, Arquivo

Para Garrigues, existem algumas hipóteses para este segundo turno: “Se o RN, aliado a Éric Ciotti (líder do partido de direita Os Republicanos que decidiu apoiar o RN já no primeiro turno, mas não foi seguido por todos os membros de seu partido), obtiver a maioria absoluta com 289 assentos, haverá uma coabitação. E pode haver também uma coabitação se o RN tiver entre 260 e 280 cadeiras, porque neste caso é bastante provável que deputados eleitos pelo Republicanos venham se aliar ao RN”.

Nestes dois casos, seja alcançando uma maioria absoluta já no segundo turno seja uma maioria definida em negociações na AN após o segundo turno, haveria uma coabitação e Jordan Bardella seria o primeiro-ministro. “Seria uma situação totalmente inédita na França. Vai ser algo histórico ver um partido da extrema direita ao poder, isso só existiu antes durante o regime de Vichy e foi um regime sob a ocupação alemã (nazista)”, afirma.

Na constituição da V República, é o primeiro-ministro quem dirige, determina e conduz a política do governo. “O primeiro-ministro é que decide sobre todas as questões, sobretudo de política interior, mas não somente. Há uma tradição de ‘dominios reservados’ na França, que existe desde o general De Gaulle, onde o presidente da República teria um privilégio sobre questões de diplomacia, de relações internacionais e de defesa, mas é apenas um hábito, não é institucional. Então, em questões de política externa, é preciso que haja uma convergência, um acordo entre o presidente e o primeiro-ministro, como o para envio de tropas, por exemplo, o financiamento de material militar etc.”.

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“Seria uma situação complicada, pois, nas coabitações anteriores, aqueles que eram os chefes de governo, assim como seus assessores e conselheiros, eram pessoas que se conheciam, que tinham o hábito de trabalhar juntos em comissões parlamentares e em diferentes esferas de poder, eles se frequentavam. Agora a gente vai ver um pessoal completamente novo, incluindo um primeiro-ministro de 28 anos que não tem absolutamente nenhuma experiência governalental”, afirma Garrigues em relação a Bardella.

“Quando Jacques Chirac virou o primeiro-ministro de coabitação de François Mitterand em 1986, ele já tinha sido primeiro-ministro de 1974 a 1976, já tinha sido ministro várias vezes. Agora, estamos numa situação totalmente diferente, com gente que chegaria a Matignon sem nenhuma experiência de poder, tanto o primeiro-ministro como toda a sua entourage, então seria uma coabitação muito mais complicada”, completa.

Presidente do RN, Jordan Bardella, à direita, com a líder da direita adical Marine Le Pen. Ambos deixaram claro que, no poder, procurariam controlar Macron e exercer-se na defesa, na tomada de decisões europeias e em assuntos externos. Foto: AP/Christophe Ena, Arquivo

Frente Republicana Plural

A criação de uma Frente Republicana Plural pode acontecer em caso de maioria relativa do RN na Assembleia Nacional, o que é o prognóstico do momento, segundo as pesquisas de opinião mais recentes.

“Uma maioria relativa geraria uma incapacidade para o RN de governar, então a outra solução seria a de criar uma Frente Republicana Plural, mas é uma solução bastante complicada porque não está na tradição da V República, mas já existiu em periodos de crise na sociedade francesa, como no início da I Guerra Mundial, em 1914, com o governo de União Sagrada, que ia da esquerda à direita, e existiu tabém logo após a II Guerra Mundial, com o governo provisório do general De Gaulle, que era um governo onde havia gente de direita, do centro, socialistas, comunistas, todo o arco republicano”, explica Garrigues.

“Então, se Emmanuel Macron considerar que trata-se de uma situação de urgência, de crise nacional, ele poderia tentar formar um governo que poderia se chamar de governo provisório, justamente, de transição, no qual haveria representantes de todo o arco republicano.”

A questão que se coloca, novamente, é de saber se é possível fazer coabitar num mesmo governo pessoas de partidos como o LR e de outro lado socialistas, ecologistas, comunistas, sabendo que de toda forma a LFI de Mélenchon já disse que não vai participar de um governo deste tipo. “Isso traria muitos problemas. Por exemplo, sobre a questão das aposentadorias, os socialistas e ecologistas querem revogar a reforma da aposentadoria (aprovada em 2023), enquanto os Republicanos são favoráveis à reforma. Então teremos várias questões de oposições bastante claras”, analisa.

“No entanto, é possível, sim, por um período de transição, deixar estas oposições de lado e trabalhar em forma de urgência para aprovar o orçamento e outras leis mais urgentes. Pode ser uma solução, se considerarmos que estamos em uma situação excepcional de bloqueio, o que finalmente é bastante coerente com a ‘dramatização’ desejada por Emmanuel Macron”, enfatiza Garrigues.

Para ele, Macron dissolveu a Assembleia em nome desta “dramatização”, considerando que a vitória do RN nas eleições europeias representava uma crise para a sociedade francesa. “E quando ele fala hoje de ‘guerra civil’, é uma forma de justificar soluções de crise, de urgência.”

“Alguns falam até mesmo da possível utilização do artigo 16 da Constituição, que dá poderes excepcionais ao presidente da República em tempos de crise. Mas utilizar o artigo 16 causaria problemas, porque é um uso sem nenhum controle externo, é uma decisão pessoal do presidente e, como ele é bastante impopular, seria uma decisão difícil de justificar.”

Já um governo de união nacional poderia ser uma solução “na medida em que seja considerada uma solução provisória e de urgência, pode ser uma solução”.

Derrota eleitoral e pessoal

De qualquer forma, na opinião dos especialistas ouvidos pelo Estadão, estas eleições significam não só uma derrota pessoal para Macron como o começo do fim do macronismo.

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Um exemplo disso, de acordo com Garrigues, é que os candidatos do campo macronista estão tentando dissociar a sua imagem à do chefe de Estado: “Muitos candidatos do Juntos! preferiram apagar a imagem de Macron do material de campanha, pois a rejeição a ele aumentou muito”, disse, comparando com as eleições de 2017 e 2022, em que os candidatos do grupo governista faziam questão de posar para fotos com o líder.

Essa também é a opinião do cientista político Rémi Lefebvre, que diz que Macron é “detestado por boa parte da população”, para quem “ele representa a complacência das elites parisienses”.

Para Garrigues, trata-se de uma dupla derrota para o presidente: “é uma derrota eleitoral, em que seu campo deve perder ao menos 150 deputados, e uma derrota pessoal também, porque a dissolução da Assembleia Nacional teve efeitos negativos para o seu campo, desagradou uma grande parte dos chefes do bloco macronista, como Édouard Philippe, François Bayrou e mesmo Gabriel Attal, e descontentou todos os deputados que vão perder suas cadeiras”.

“É uma grande derrota e podemos mesmo chamá-la de o fim do macronismo. Vemos bem que Édouard Philippe, que aparece como um dos favoritos para retomar a liderança do centro, considerou que a dissolução foi um erro pessoal de Macron e se dissociou da imagem do presidente para criar uma nova força na paisagem política francesa”.

“O presidente, em todo caso, vai sair bastante fragilizado”, conclui. “Mesmo que não haja uma coabitação com o RN, ele sairá muito fragilizado e não tem a perspectiva de ser reeleito em 2027, então podemos concluir hoje que o macronismo acabou”.

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